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Gostosas coxinhas

Elas não foram inventadas em São Paulo, como muitos acreditam, mas desfrutam de enorme apreço na cidade

Por J.A. Dias Lopes Atualizado em 17 out 2018, 17h59 - Publicado em 17 out 2018, 17h57
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  • Coxinha é palavra de uso atual: designa tanto a pessoa certinha, como a de ideias conservadoras, a que se opõe à ideologia da esquerda e, principalmente, à pregação do PT. Mas essa acepção não nos motiva agora, até porque queremos ficar à margem do debate político que radicaliza o Brasil. “Ô Crides, fala pra mãe, tô fora”, diria o divertido comediante Ronald Golias (1929-2005), um dos pioneiros da televisão no país e, for acaso, fã da especialidade.

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    A coxinha que nos interessa não divide as pessoas, mas aproxima prazerosamente. É preferencialmente recheada de carne de frango, galinha ou qualquer outro galináceo, empanada e frita em óleo. Como muita gente acredita, não surgiu em São Paulo, porém foi a cidade brasileira que a popularizou. Isso se comprova documentalmente. Há algum tempo, uma pesquisa do instituto Datafolha, o mesmo que pesquisa as intenções de voto para as eleições, confirmou que a coxinha é o salgadinho preferido pela maioria dos paulistanos, ou seja, por 34% da população, de acordo com as respostas espontâneas. Venceu de goleada a esfirra (12%) e o pastel (10%). Outros salgadinhos lembrados pela população ficaram abaixo: rissole, pão de queijo, quibe, empada, croquete e croissant.

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    Estamos convencidos de que a coxinha nem brasileira é, mas francesa. “Também não tenho a menor dúvida quanto a isso”, afiança em São Paulo o chef franco-brasileiro Laurent Suaudeau. Basta consultar o clássico L’Art de la Cuisine Française au XIXème Siécle – Traité des Entrées Chaudes. Trata-se de um livro publicado em Paris no ano de 1844 pelo chef dos chefs Marie-Antoine Carême (1784-1833), considerado o maior cozinheiro de todos os tempos, festejado pela codificação da haute cuisine (alta cozinha) francesa.

    Nas páginas 268, 269 e 270, ele ensina  a fazer coxinha, denominando-a croquette de poulet (croquete de frango) e já aconselha moldá-la en forme de poires (em forma de peras). “Obviamente, a receita foi adaptada no Brasil”, observa Laurent. “Do ponto de vista técnico, porém, é a mesma”. No capítulo “As Aves Que Aqui Gorjeiam”, do livro Comidas, Meu Santo! (Editora Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1964), o dramaturgo e escritor Guilherme de Figueiredo, autor de peças muitas vezes com abordagem cômica, igualmente acreditava nessa ascendência: “Quanto à coxinha de galinha, esta sim é seguramente de origem francesa. Hoje, carioquíssima”. Em seguida, faz uma brincadeira: “A melhor é a tostada ao sol, em Copacabana”.

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    Acredita-se que a coxinha desembarcou no Brasil em 1808, quando a rainha dona Maria I, e seu filho, o príncipe regente dom João, escapando das tropas de Napoleão que invadiram Lisboa, instalaram-se com a corte portuguesa no Rio de Janeiro. A família real lusitana já saboreava a coxinha. O salgadinho pode ter sido introduzido em Portugal (onde até hoje o preparam) pelo francês Lucas Rigaud, cozinheiro de dona Maria I.

    A veteraníssima Confeitaria Colombo, da Rua Gonçalves Dias, no Centro do Rio de Janeiro, fundada em 1894, prepara-o desde a inauguração, ou seja, há 124 anos. Da capital carioca, a especialidade se espalhou pelo Brasil. Em São Paulo, firmou-se definitivamente no período da industrialização, intensificada entre as décadas de 1930 e 1990. Substituiu as coxas de galinha vendidas nas portas das fábricas, por ser comida mais barata e durável.

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    Em 1780, o chef de dona Maria I lançou em Lisboa a obra Cozinheiro Moderno ou Nova Arte de Cozinha, reeditada em 1999 pela Colares Editora, de Sintra, Portugal. Nas páginas 107 e 108 da última edição aparece a receita das “coxas de frangas ou galinhas novas”. Como Rigaud manda prepará-la?

    Desossam-se 10 ou 12 aves, conservando a pele, e se recheia com um “picado fino”. Mergulha-se no béchamel (molho branco) ligado com gemas. Fecha-se com barbante, passa-se em ovos batidos, pão ralado fino e frita-se em banha. Qualquer semelhança com a coxinha brasileira — e nos referimo-nos à gastronômica, não à política — não seria mera coincidência.

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    No Brasil, circulam versões contestáveis para a origem da coxinha. Em Limeira, no interior paulista, acredita-se que foi criada no município. Um dos filhos da princesa dona Isabel (1846-1921) teria vivido em uma fazenda dali, no final do século XIX. Seria deficiente mental e por isso a mãe e o pai, o conde d’Eu (1842-1922), deixaram-no aos cuidados de uma família amiga. “Escondiam o rapaz dos olhares da corte”, contam os limeirenses.

    Enjoado à mesa, ele só comia coxas fritas de galinha. Um dia, a cozinheira da fazenda, dispondo apenas de uma galinha ou frango, desfiou toda a carne da ave, envolveu-a em massa, moldou no formato de pera ou coxa da ave e fritou. O rapaz adorou! A princesa dona Isabel teria aprovado a novidade quando visitou Limeira em 1886.

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    A versão foi difundida por Maria Nadir Galante Cavazin, no livro Histórias e Receitas – Sabor, Tradição, Arte, Vida e Magia (Sociedade Pró-Memória de Limeira, 2000). Entretanto, não faz sentido histórico. Todos os filhos da princesa dona Isabel (Pedro de Alcântara, Luís Maria e Antônio Gastão) moravam com ela no atual Palácio Guanabara, do Rio de Janeiro, e nenhum enfrentava problemas mentais. Além disso, dona Isabel teria conhecido a coxinha desde a infância.

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    Há muitos tipos de coxinha. Seus tamanhos igualmente variam do grande ao mini. Ela pode ser feita com a coxa inteira.  Geralmente, porém, leva carne de frango temperada, cozida e desfiada. Vale a imaginação criadora. Existe a opção de incorporar batata e béchamel (farinha de trigo em manteiga, diluindo essa mistura com leite), para torná-la cremosa; e também uma delícia, o requeijão cremoso, especialmente Catupiry. A última variação seduz uma enorme legião de pessoas. Na descrição gulosa do jornalista Humberto Werneck, um mineiro radicado em São Paulo, faz o queijo “vazar queixo abaixo”.

    Voltando à política, a predileção pela coxinha é uma das poucas coisas que aproximam atualmente os ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva. O ex-senador Eduardo Suplicy, o ex-ministro Delfim Netto e muitos outros paulistanos natos ou adotivos demonstram igual pendor. A coxinha também foi o alimento revigorante pedido pelo publicitário Washington Olivetto ao ser libertado do sequestro, em 2002, depois de passar 53 dias em um cubículo da Rua Kansas, no bairro paulistano do Brooklin, alimentado com comida péssima.

    Certo, a coxinha veio da França. Mas o jornalista americano Matthew Shirts, que vive em nosso país desde 1976, identificou no salgadinho um profundo significado paulistano. Ele revelou sua conclusão na VEJA São Paulo, 18 de julho de 2012. “A coxinha é, para mim (e para muitos, desconfio), uma das ‘madeleines’ da cultura paulistana”, disse.

    RECEITA*

    COXINHA CREME

    RENDE 10 UNIDADES

     

    INGREDIENTES

    GALINHA E CALDO

    .10 pernas inteiras (coxa e sobrecoxa) de galinha

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    .1 xícara (chá) de alho-poró picadinho

    .1/2 cebola picadinha

    .1 cenoura picadinha

    .1 xícara (chá) de aipo picadinho

    .2 folhas de louro

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    .20 grãos de pimenta-do-reino inteiros

    .Água o quanto baste

    .Sal e pimenta-do-reino moída na hora a gosto

     

    CREME

    .1 1/2 l de caldo de galinha

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    .1/2 l de leite integral

    .150 g de farinha de trigo

    .150 g de amido de milho

    .4 gemas

    .Sal a gosto

     

    EMPANAR E FRITAR

    .4 claras ligeiramente batidas

    .Farinha de trigo o quanto baste

    .Farinha de rosca o quanto baste

    .Óleo abundante para fritar

     

    PREPARO

    GALINHA E CALDO

    1. Limpe bem as pernas das galinhas tirando as peles e as cartilagens. Raspe com uma faca afiada o osso da ponta da coxa para dar um bom acabamento. Tempere com sal e pimenta-do-reino moída.

    2. Reserve por pelo menos uma hora.

    3. Coloque os demais ingredientes em uma panela grande e leve ao fogo até ferver. Nesse momento, adicione as pernas (coxas e sobrecoxas) que estavam reservadas. É importante que elas fiquem bem submersas no líquido. Cozinhe-as em fogo baixo, sem ferver, até ficarem macias. Retire-as do caldo e deixe-as amornar. Em seguida coloque-as na geladeira até esfriarem.

    4. Coe o caldo do cozimento e retire o excesso de gordura que ficou na superfície.

    CREME

    5. Em uma panela, leve ao fogo o caldo do cozimento da galinha com metade do leite.

    6. Em um recipiente, misture o restante do leite frio com a farinha de trigo, o amido de milho e as gemas. Passe essa mistura por uma peneira e despeje sobre o caldo fervente. Mexa vigorosamente com um batedor de arame até formar um creme liso e espesso. Ajuste o sal, se necessário.

    7. Retire a panela do fogo e mexa o creme para baixar um pouco a temperatura. Segure cada perna pela extremidade do osso limpo e passe no creme para formar uma película. Repita o procedimento com todas as pernas e deixe esfriar totalmente.

    EMPANAR E FRITAR

    8. Passe as pernas na farinha de trigo, depois nas claras e finalmente na farinha de rosca. Deixe na geladeira por 15 minutos.

    9. Frite-as em óleo abundante a 160ºC até ficarem douradas e sequinhas.

     

    *Receita preparada pelo chef Renato Freire, na Confeitaria Colombo, do Rio de Janeiro.

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