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Francês por acaso

Apesar do nome estrangeiro, o pãozinho mais consumido no Brasil é carioca da gema

Por J.A. Dias Lopes Atualizado em 30 jul 2020, 21h02 - Publicado em 15 fev 2017, 15h03
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  • Há 6.000 anos a humanidade faz pão com farinha de trigo e água, fermentado e depois assado no forno. Isso começou quando os egípcios descobriram o segredo da levedação. Mas o que comemos hoje no Brasil começou a ser preparado com esses ingredientes no final do século 18 ou nas primeiras décadas do século 19. Está completando, portanto, uns dois séculos de elaboração.

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    Até então, não dispúnhamos de farinha branca de trigo à vontade. Ela era importada em pequenas quantidades, da Europa e Estados Unidos. Somente depois que d. João VI e sua corte se instalaram no Rio de Janeiro, em 1808, fugindo das tropas de Napoleão Bonaparte que invadiram Portugal, a matéria-prima forasteira se popularizou entre nós.

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    Os estrangeiros que nos visitavam   criticavam a qualidade do pão da época, à base de outras farinhas. Se é que merecia usar o mesmo nome. “Na terra (brasileira) não há pão, supre-se este defeito com o pó (farinha) de uma raiz nativa, a que chamam de mandioca”, escreveu Francisco da Fonseca Henriques, o Dr. Mirandela (1665-1731), médico português nascido na cidade homônima, em Trás-os-Montes. Fez isso no livro “Âncora Medicinal para Conservar a Vida com Saúde” (Oficina da Música, Lisboa, 1721). Também se usava no Brasil a farinha de milho.

    D. João VI e a corte estimularam o hábito de consumir o até então raro e caro pão branco de trigo, pois estavam acostumados a ele em Portugal. Sua vinda atraiu padeiros europeus, sobretudo franceses. O pintor, desenhista e professor parisiense Jean-Baptiste Debret (1768-1848), no livro “Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil (1834-1839)”, confirma o fato. Diz que padeiros franceses abriram padarias no Rio de Janeiro. O historiador Carlos Augusto Silva Ditadi, do Arquivo Nacional do Rio de Janeiro, contabiliza o número desses estabelecimentos: meia dúzia em 1816 e 33 em 1844.

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    Alguns autores contam que o pãozinho  francês – assim chamado desde o início – surgiu por influência dos brasileiros que viajavam a Paris. Quando voltavam, morriam de saudade. Suspiravam por um pão com as características do que haviam conhecido na Cidade Luz. Mas Carlos Ditadi suspeita tratar-se de história romântica, semelhante à que atribui aos escravos a invenção da feijoada completa, na verdade originária da cozinha regional portuguesa, talvez de Trás-os-Montes. “Essa versão da saudade dos viajantes tem jeito de ser repetição contínua da imaginação de algum escritor”, afirma. “Volta e meia esbarro com ela”.

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    O pãozinho francês, hoje popularíssimo no Brasil, surgiu no período colonial, mas foi no começo do século 20 que se alastrou pelo país a fora. Leva 2% de açúcar e 2% de gordura vegetal, em geral margarina. Tem pestana (o corte no alto, para abrir e crescer bonito), feita antes de entrar no forno, no qual ingressa com 65 gramas e sai com 50 gramas.

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    Desde 2006 só pode ser comercializado por quilo. Antes, as padarias escolhiam entre vendê-lo na balança ou por unidade. A determinação oficial protegeu o consumidor, que passou a pagar apenas pelo peso comprado. Terminou a malandragem de alguns estabelecimentos venderem o pãozinho com 30 gramas, ao invés dos 50 regulamentares.

    Chamado de pãozinho pelo pequeno porte e peso, converteu-se em unanimidade, embora sempre encontremos quem o critique, assim como existem pessoas antipáticas ao samba, ao carnaval, ao futebol e à cerveja. Representa 55% do consumo nacional de pães. É saboreado do café da manhã ao almoço e jantar, do lanche da tarde ao sanduíche – o de mortadela, convenhamos, é irresistível! Os brasileiros apreciam sua casca dourada, fina e crocante, que estala na primeira dentada; e o miolo muito branco e macio. Evidentemente, deve ser consumido no dia, o mais fresco possível. Quando dormido, perde as características.

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    Encontramos produtos semelhantes no mundo inteiro, mas nunca iguais. Quem for à Paris e pedir nosso pãozinho francês não vai conseguir. O mais parecido é o pistolet (pistola), de origem belga. Pequeno, redondo e leve, apresenta-se com um sulco no alto. Em São Paulo, algumas padarias fazem o pãozinho francês nesse formato. Uma das hipóteses para o nome pistolet foi receber tributação excessiva no século 17. Em Bruxelas, alcançava quase o preço de uma pistola.

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    Em Portugal, o pãozinho equivalente é  conhecido como molete, papo-seco ou carcaça. O primeiro nome seria aportuguesamento do sobrenome Moulet, de um dos generais de Napoleão na segunda invasão (foram três) de Portugal. Segundo os moradores de Valongo, concelho do Distrito do Porto, o militar teria estacionado ali as tropas sob seu comando em 1809. Como havia escassez de cereais e precisasse matar a fome dos seus soldados, mandou diminuir o peso e o tamanho do pão. A população gostou da solução e chamou a novidade de molete.

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    De francês, o pãozinho brasileiro só leva o nome. Qual o motivo disso? Ele pode ter sido batizado assim porque começou a ser feito por padeiros franceses no Rio de Janeiro. O mais provável, porém, é o nome derivar da farinha. Quando branca e de trigo, era chamada de francesa em vários lugares do mundo, a começar pela Inglaterra. A expressão “pan francês” também foi comum na Espanha e América espanhola dos séculos 18 e 19, significando um produto feito com farinha de trigo alva e sem misturas.

    Por sinal, os franceses, no início do século 18, é que começaram a produzi-la em quantidade. Para obter uma farinha fina e branca, trituravam o trigo após ser descascado e polido. Até então, a que o mundo inteiro usava na massa do pão era grossa e escura, pois resultava da mistura de diferentes cereais, plantados e colhidos juntos. A prática tinha finalidade protetora. As pragas nem sempre atacavam os mesmos cereais. Cultivados juntos, facilitavam a devastação da plantação; separados, livravam-na do pior.

    Patrocinador da produção da farinha de trigo branca, Luís XIV (1638-1715), o Rei Sol, foi entusiasta do seu pão alvo, inclusive pela facilidade da mastigação. Certamente por não se preocupar com a higiene bucal, no final da vida o soberano francês contava com um único dente superior e tinha todos os inferiores estragados. É considerado uns dos reis mais sujos da história da França. Luís XIV detestava tomar banho. Os biógrafos calculam que tenha se submetido a 2 ou 5 “completos” durante seus 77 anos de reinado.

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    Mas tudo o que vinha da França era bom e elegante aos olhos de vários países europeus, incluindo Portugal. Quando vieram às pressas para o Brasil, d. João VI e a corte não fugiam da influência francesa, que se estendia a tudo, porém de Napoleão Bonaparte. D. Maria I,  mãe do nosso príncipe regente e depois rei de Portugal, Brasil e Algarves, era francófila. Contratou até um grande cozinheiro francês, chamado Lucas Rigaud.

    “Da França vinha o modelo, perfumes, roupas, porcelanas, cabeleiras, mulheres, saudações, tapetes, panos d’Arras, sofás, cadeirões, armários cinzelados e um mundo de coisas graciosas e dispensáveis”, escreveu Luís da Câmara Cascudo, na “História da Alimentação no Brasil” (Editora Itatiaia de Belo Horizonte/Universidade de São Paulo, SP, 1983). “Essa influência na etiqueta, indumentária, alcançou a mesa, arranjos, decoração”. Portanto, nada mais compreensível do que surgir no Brasil um pãozinho francês. Por acaso, é claro.

     

    RECEITA – PÃOZINHO FRANCÊS

    Rende cerca de 10 pãezinhos de 50 gramas

     

    INGREDIENTES

     

    PREPARO

    1. Dissolva o fermento em um recipiente com a água morna e o açúcar.

    2. Em uma tigela grande, misture o fermento (já dissolvido) aos demais ingredientes. Trabalhe bem a massa com a palma da mão, levantando-a, alongando-a e dobrando-a sobre si mesma.

    3. A massa deve resultar leve e esponjosa, sem grudar nas mãos ou ficar pegajosa. Se for preciso, coloque um pouquinho mais de água ou farinha.

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    4. Forme bolas com a massa, cubra-a com um pano e deixe-a levedar por cerca de 2 horas. Após esse tempo, amasse novamente e depois corte a massa, modelando os pãezinhos.

    5. Distribua-os em assadeira untada com manteiga e deixe-os descansar por mais 1 hora, aproximadamente, cobertos com o pano. Com uma faca afiada, ou uma navalha, faça um corte (pestana) superficial, de ponta a ponta, no alto de cada um dos pãezinhos.

    6. Borrife-os com água gelada e asse-os em forno quente, preaquecido a 200°C, por cerca de 30 a 40 minutos. Retire-os e deixe-os arrefecer  sobre uma grade.

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