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Especial VEJA: Castello Branco ─ A vitória sorriu afinal para o ‘Coronel Y’

Publicado na edição impressa de VEJA Depois da parada do carro oficial para uma subida rápida ao apartamento 304 da Rua Jangadeiros, 23, em Ipanema, na tarde de 31 de março, Castello Branco só teria um superior hierárquico, o “Coronel Y”. Castello tinha 63 anos. Ou 66, se verdadeira a plausível história de que o […]

Por Augusto Nunes Atualizado em 31 jul 2020, 04h07 - Publicado em 2 abr 2014, 09h09

Publicado na edição impressa de VEJA

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Depois da parada do carro oficial para uma subida rápida ao apartamento 304 da Rua Jangadeiros, 23, em Ipanema, na tarde de 31 de março, Castello Branco só teria um superior hierárquico, o “Coronel Y”. Castello tinha 63 anos. Ou 66, se verdadeira a plausível história de que o pai, o general Cândido Castello Branco, roubou três anos para garantir a gratuidade do filho no colégio militar. Castello vinha de horas tensas passadas no seu gabinete de chefe do Estado-Maior no quartel-general do Exército, quando, com uma ordem de prisão contra ele sendo protelada por colegas de farda simpatizantes, expediu este telegrama a todos os comandantes de tropa: “Restaurar legalidade. Restabelecer a Federação. Eliminar o desenvolvimento do plano comunista de posse do poder. Defender as instituições militares, que começam a ser destruídas. Estabelecer a ordem para o advento de reformas legais”. O regime de Jango estava liquidado e, apesar de o eterno rival, o general Arthur da Costa e Silva, ter se autodenominado Comandante Supremo da Revolução, Castello Branco era o líder inconteste aos olhos da tropa e dos chefes civis do movimento.

Em casa, antes de seguir para um dos muitos locais secretos preparados para aquele momento, ele tirou pela última vez a farda de general de quatro estrelas e colocou um terno. Obedecia às ordens do Coronel Y. Com esse codinome, ele assinou dez colunas em um jornal carioca nos anos 1930. Nelas traçou a visão do papel do militar da qual não se afastaria nunca mais. Se o menino é o pai do homem, o Coronel Y foi o pai doutrinário de Castello: “O militar-político é um lobisomem, um homem de existência dupla e misteriosa e que mete medo. Passando a desempenhar função civil, é militarmente lógico e individualmente honesto que ele se torne um egresso de sua classe”.

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Castello se tornara um egresso de sua classe. Nessa condição foi eleito presidente da República pelo Congresso, prendeu, cassou, mas não permitiu a tortura. Fez uma reforma agrária, criou o Banco Central e o FGTS. Quis devolver o poder aos civis. A linha dura não permitiu. Assinou o Ato Institucional Nº 2 e acrescentou de próprio punho um parágrafo único: “O atual presidente é inelegível”. Morreu em 1967 no céu do seu Ceará em um acidente insólito. O avião em que viajava foi abalroado em pleno ar por um caça da FAB. O piloto militar sobreviveu.

Humberto de Alencar Castello Branco foi o primeiro presidente do ciclo dos generais, que seria fechado 21 anos mais tarde pelo general João Figueiredo. Castello foi também um dos últimos oficiais superiores da estirpe de numes tutelares nascida com a Proclamação da República, em 1889, pela espada do marechal Manoel Deodoro da Fonseca. Cresceu ouvindo do pai general: “Nós militares parimos a república, é nosso dever embalá-la”. Era um tempo em que as famílias cuidavam de ter filho padre e militar. Não para salvar almas ou ganhar guerras. Mas para angariar poder político. Foi para isso que o pai o encaminhou para a farda. Foi por isso que ele a tirou em 31 de março.

Uma contradição em termos, Castello foi o grande legalista, mas deu o golpe. Sendo um empedernido soldado profissional, fez política de tenente a general. Sem chance de competir pelos primeiros lugares com os cadetes teutônicos, louros, altos, atléticos, e os de inteligência natural transbordante, como Luiz Carlos Prestes e Henrique Teixeira Lott ou mesmo Costa e Silva, decidiu superá-los pelo esforço sobre-humano nos estudos e na adesão fundamentalista à disciplina. Sua bússola era o Regulamento Disciplinar do Exército (RDE). “Mas, enquanto os outros militares só faziam o que o RDE permitia, o Castello fazia tudo o que o RDE não proibia. Assim ele conseguiu estar sempre à frente e ter o controle da maioria das situações conflituosas em que se metia”, lembra um de seus recrutas. Isso o ajudou a superar oficiais mais graduados na campanha da Força Expedicionária Brasileira na Itália durante a II Guerra Mundial e a aderir à conspiração a curta distância do quepe de Jair Dantas Ribeiro, ministro da Guerra e fiel a Jango, ao tempo que dava ao superior seguidas provas de apego à hierarquia e à disciplina.

Ribeiro não tinha razões para duvidar de Castello, que sempre rejeitou, um a um, todos os convites anteriores para tomar parte de golpes, quarteladas, motins e revoluções. Tantas vezes colegas esperançosos de que aderisse de última hora não lhe confiaram as senhas desencadeadoras de movimentos como “o bebê nasceu” ou o “trem partiu da estação”. Ele se manteve sempre legalista, racional, disciplinado e obediente à hierarquia, guardião da Constituição ─ democrata, enfim. Colocando em segundo plano as fraternas lealdades da caserna, colecionou antipatias duradouras. Castello combateu a Coluna Prestes nos anos 20. Foi contra a Revolução de 1930. Sem a menor admiração por Getúlio Vargas, foi legalista em 1932. Ficou contra os oficiais que queriam impedir a posse do presidente eleito Juscelino Kubitschek, em 1955, por ele ter como vice João Goulart. No levante de Aragarças, de 1959, quando oficiais da Aeronáutica se amotinaram contra Juscelino, sua conduta foi exemplar. Emissários enviados para sondar a possibilidade de obter apoio do então comandante militar da Amazônia ouviram a negativa que ecoava a doutrina do Coronel Y: “É um erro de visão acreditar que o Brasil não pode melhorar dentro do regime constitucional. Só se faz uma revolução dentro de uma ideologia e impelido por uma forte corrente de opinião pública. O Brasil não quer quarteladas”.

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Por que em 1964 sua atitude foi diferente? Por que ele resolveu fazer o “creme de abacate”? Essa era a expressão que os oficiais do Exército usavam para ilustrar o fato de que, embora até reconhecessem o papel da Força Aérea e da Marinha, qualquer ação contra o governo Goulart só teria êxito com o predomínio das fardas verdes. Castello aderiu por duas razões. A mais simples e prática decorria do fato de que a vitória era certa. No pior cenário, na avaliação lógica do estrategista da tomada do Monte Castelo na campanha da Itália, a vitória viria em no máximo dois meses. Veio em um dia. A outra se assentava na constatação de que o movimento contra Goulart não era uma quartelada. Não era a pura e simples usurpação do poder. O movimento representava o desejo legítimo de ampla parcela do povo.

A maioria dos generais do Exército selou o destino de Jango depois do comício na Central, no dia 13 de março, quando Leonel Brizola propôs fechar o Congresso e convocar um plebiscito. Castello precisou de mais uma semana para aceitar a inevitabilidade da ação. No dia 20 ele se comprometeu até a medula com o movimento ao emitir uma decisiva nota circular aos oficiais comandantes do Exército: “Não sendo milícia, as Forças Armadas não são armas para empreendimentos antidemocráticos”. Usar o Exército como milícia era o plano mestre do núcleo duro em torno de Jango. “Ele nunca elogiou ninguém”, reclamava o general Olympio Mourão Filho, cujas tropas Castello tentou, em vão, fazer voltar aos quartéis em telefonema ao governador mineiro, Magalhães Pinto. Mourão encarnava tudo o que Castello desprezava em um comandante: “Fuja dos generais intuitivos e emocionais. A hecatombe nunca anda longe deles”.

Castello não viu seu triunfo degenerar nos males que julgou vencidos em 1964. Morreu como viveu: respeitado, admirado e temido. Talvez tenha superado as marcas traumáticas da cifose, seu tormento da juventude, que o levaria a usar um corretor postural na última década da vida. Talvez tenha apagado o trauma do telegrama do pai ─ “faça exame” ─, recebido quando era primeiro-tenente no 12º Regimento de Infantaria, em Belo Horizonte. Fazer um exame médico fora a única exigência imposta pelo sogro, o comerciante Arthur Vianna, para entregar-lhe a mão de sua filha Argentina. Vianna temia que Castello fosse portador de uma doença hereditária. O amor foi maior do que a indignação, e o tenente deixou-se examinar, tranquilizando o sogro. Poucos meses depois, casou-se com Argentina, que morreu, em 1963, no Recife. Dois anos mais tarde, dizem, o coração de Castello já encontrava conforto ocasional ao lado de linda e talentosa atriz.

Colaboradores: André Petry, Augusto Nunes, Carlos Graieb, Diogo Schelp, Duda Teixeira, Eurípedes Alcântara, Fábio Altman, Giuliano Guandalini, Jerônimo Teixeira, Juliana Linhares, Leslie Lestão, Otávio Cabral, Pedro Dias, Rinaldo Gama, Thaís Oyama e Vilma Gryzinski.

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