O assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL) e do seu motorista Anderson Gomes, na noite de quarta, no Rio, trouxe à tona o aumento dos homicídios de políticos e ativistas sociais no Brasil. Até agora, neste ano, pelo menos 12 lideranças foram mortas em situação de crime de mando no país – o dobro dos casos no mesmo período em 2017. O número de ativistas executados nos últimos cinco anos já chega a 194, sendo 20 apenas no Rio, segundo levantamento feito pelo Estado.
A principal linha de investigação da polícia é de que Marielle foi executada. A direção dos tiros mostra que os assassinos sabiam exatamente onde ela estava sentada no carro. Os bandidos fugiram sem levar nada.
Atuante na defesa de mulheres, negros e homossexuais, ela também fez recentes denúncias contra a violência policial. A última delas, no dia 10, foi contra o 41.º Batalhão da Polícia Militar (Irajá), do Rio. Segundo informação que ela havia recebido de moradores da favela do Acari, na zona norte, PMs haviam matado dois jovens na comunidade. A corporação nega.
Ativistas que atuam contra excessos de tropas legais e milícias na cidade ou no campo sempre estiveram nas estatísticas. A novidade é que eles passaram a predominar, nesta década, na lista de mortos ou marcados para morrer.
“Isso mostra a falência do Estado, da institucionalidade brasileira, a partir do momento em que pessoas estão sendo mortas por manifestar opiniões ou denunciar mazelas em defesa de setores mais vulneráveis, como a corrupção, as irregularidades em administrações ou a violência policial”, afirma o advogado Ariel de Castro Alves, membro do Conselho Estadual de Direitos Humanos de São Paulo.
Se confirmado que a morte de Marielle foi execução, ele vê a abertura de um precedente. “Sabe-se que ativistas ou políticos mais vulneráveis são os do interior, em áreas rurais, dominadas pela pistolagem ou por coronéis que mandam na polícia, no Judiciário, no Executivo e no Legislativo”, diz Alves, ativista há mais de 20 anos.
“Mas quando uma ativista com cargo na Câmara é morta no centro de uma das cidades mais importantes do País – e isso não faz parte da tradição -, deixa a mensagem de que corremos risco.” Dos 342 beneficiados pelo Programa de Proteção dos Defensores de Direitos Humanos, do governo federal, apenas três atuam no combate à violência da polícia. A maioria está ligada à militância pelo direito à terra (54) seguido de defensores de povos indígenas (43).
Ao jornal O Estado de São Paulo, o ministro dos Direitos Humanos, Gustavo do Vale Rocha, disse ter compromisso de combater esses casos. “Quando assumi, a primeira coisa que pedi foi esse levantamento (de mortes). É uma demanda recorrente dos organismos internacionais, não só quanto aos defensores, como também a jornalistas. Este ano consegui que o orçamento do programa (de proteção) aumentasse. Quero buscar mais recursos.”
Segundo ele, a verba do programa já aumentou de R$ 4 milhões para R$ 6 milhões este ano. “Esse assassinato (de Marielle) mostra o quão importante é a questão.”
Sem solução. Um dos ativistas ameaçados por policiais que tiveram pedido de proteção negado foi Paulo Sérgio Nascimento, de Barcarena (PA). Ele foi morto no dia 12, após denúncias de crimes ambientais. Lideranças sociais temem que o crime fique sem solução.
“A família de Paulo Sérgio e os companheiros dele estão com muito medo”, diz o padre Paulo Joanil, da Comissão Pastoral da Terra. Integrantes da Associação dos Caboclos, Indígenas e Quilombolas da Amazônia, entidade em que Nascimento atuava, continuam a sofrer ameaças. O padre tenta levar o caso para a Polícia Federal.
Ele observa que a PF apontou, rapidamente, que a chacina de dez sem-terra em Pau D’Arco (PA), em junho, foi de autoria de policiais.
“Só a federalização do crime pode garantir uma linha investigativa técnica.” Investigações são federalizadas quando há delito contra os direitos humanos e incapacidade do Estado para apurar. Nesses casos, a PF apura e a acção tramita na Justiça Federal.
A desconfiança marca também a apuração do homicídio de Everaldo Batista (Pros), ex-presidente da Câmara de Parintins (AM), em janeiro. A polícia investiga latrocínio (roubo seguido de morte) – o que é criticado pela família, que acredita em crime de mando. Amigo da vítima, o também ex-vereador Carlos Augusto Neves está em Manaus, onde busca apoio para a investigação. “Só aqui conseguimos fazer a coisa andar”, diz. “Ele estava sofrendo ameaças.”
Monitoramento
O Estado monitora assassinatos de agentes políticos há cinco anos. O trabalho envolve acompanhar informações de tribunais, cartórios, entidades de direitos humanos e acervos de Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs).
Desde a Lei da Anistia, em 1979, 1.345 pessoas foram mortas por motivações políticas no País. No período, houve a execução de 38 agentes políticos do Rio, por causa de suas atividades. Na soma, a cidade lidera o ranking de crimes por motivações políticas.