Oscar Vilhena: “Não há esfera de poder imune ao controle”
Para jurista, Associação dos Magistrados quer acabar com investigações do CNJ para preservar interesses corporativos. STF decide imbróglio quarta
“O CNJ é uma demonstração de que os tribunais têm falhado”
Oscar Vilhena Vieira, jurista
O Supremo Tribunal Federal (STF) está para decidir se juízes podem ser investigados e punidos pela Corregedoria do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Órgão responsável pelo controle externo do Poder Judiciário, ele foi criado pela Emenda Constitucional 45, a chamada reforma do Judiciário, em 2004, e passou a atuar em 2005. A previsão é que entre em pauta nesta quarta-feira uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) contra o poder punitivo do CNJ.
Apesar de, à primeira vista, a questão estar envolta em tecnicalidades jurídicas – o que diz a Constituição sobre as atribuições de investigar juízes que cometem irregularidades – , no núcleo da discussão giram aspectos políticos que afetam toda a sociedade. Quem questiona a legitimidade do trabalho do CNJ é a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) alegando inconstitucionalidade. Para a AMB, juízes só podem ser punidos por seus pares, em seus respetivos tribunais. O CNJ não deveria entrar em ação, sem antes o caso passar pelas corregedorias dos tribunais.
Na véspera do julgamento, declarações da corregedora nacional de Justiça, ministra Eliana Calmon, esquentaram o debate. Ela fez duras críticas à iniciativa de restringir a atuação do conselho. “Acho que é o primeiro caminho para a impunidade da magistratura, que hoje está com gravíssimos problemas de infiltração de bandidos que estão escondidos atrás da toga”, declarou a ministra, sem medir palavras. Ela também atacou o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), a quem tachou de “fechado” e “refratário a qualquer ação do CNJ”.
A reação ocorreu um dia depois de a AMB divulgar uma nota sobre o caso. Com o título “Não queremos ficar amordaçados”, o texto diz: “A razão de existir do CNJ não está no poder de vigiar os atos dos Magistrados”. A nota é assinada pelo presidente da AMB, desembargador Nelson Calandra.
O presidente do CNJ e do Supremo, Cezar Peluso, divulgou nota epudiando as declarações de Eliana Calmon. Sem citar nomes, disse que elas são “levianas”. Dos 15 integrantes do CNJ, 12 assinam o texto. Não é novidade em Brasília que as relações entre Eliana Calmon e Peluso nunca foram das melhores. Fala-se até sobre a possibilidade de ela entregar o cargo. A ministra não se pronunciou nesta terça.
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Para o jurista Oscar Vilhena Vieira, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), em São Paulo, não há nada de jurídico na natureza desta intensa discussão. O que a AMB quer mesmo é reduzir o poder fiscalizador do conselho em prol de interesses meramente corporativos. Em entrevista ao site de VEJA, Vieira classifica como lamentável o Judiciário não querer aumentar sua legitimidade perante a sociedade e defende que só a “competição entre os órgãos de controle” aumentará a transparência e a eficiência do trabalho dos juízes.
O que está de fato em jogo nesta disputa entre a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) e o Conselho Nacional de Justiça (CNJ)? É um conflito, sobretudo, de natureza corporativa, porém, o que está em jogo é de interesse de toda a sociedade. Trata-se de uma questão política maior. Ao estabelecer mecanismos de coordenação, gerenciamento e transparência do Judiciário, o CNJ se tornou uma das inovações institucionais mais importantes das últimas duas décadas. Isto, sem dúvida, contraria interesses dentro da corporação. Espero que o STF enfrente o tema de maneira firme, levando em conta os princípios da Constituição e não os interesses de uma pequena parte dos juízes.
Mas o que há de errado em juízes serem fiscalizados por um órgão a mais, além das corregedorias de seus próprios tribunais? Nada. Em um regime republicano, não deve haver esfera de poder imune à fiscalização. Como o Judiciário não está submetido ao controle direto do cidadão, por intermédio do voto, é necessário estabelecer mecanismos horizontais que tornem os juízes responsáveis perante a sociedade.
A Associação dos Magistrados diz que o CNJ pratica controle externo. É verdade? O CNJ não constitui um mecanismo efetivamente externo, mas sim, uma instância mista, ainda que atue de modo mais interno. Seria uma temeridade limitar a atuação do Conselho neste momento. Sua corregedoria se tornou uma importante ferramenta para aumentar a transparência do Judiciário.
Qual a extensão das punições aplicadas pelo CNJ e seus benefícios para a sociedade? O conselho é uma instância subsidiária às corregedorias dos tribunais. Assim, se eles tomarem as devidas providências, o conselho não precisa agir. Sua interferência se dá apenas no momento em que os órgãos correcionais dos tribunais falham. O trabalho do CNJ é uma demonstração de que os tribunais têm falhado muito.
Alguns estados discutem a criação de corregedorias independentes para suas polícias. Isto não é um grande avanço contra o corporativismo? Sim. Seria muito positiva a criação de mecanismos subsidiários correcionais em outras áreas. É importante criar tensão e competição entre os órgãos de controle. Conferir a uma só entidade o poder de investigar é sempre arriscado. Fica cada vez mais claro que há maiores chances de atendimento do interesse público quando as instituições são desafiadas, ainda que por outras instituições.
Caso a AMB vença no STF, o Judiciário não perderia uma grande oportunidade de se modernizar? É lamentável o Judiciário não querer aumentar sua legitimidade junto à sociedade brasileira, demonstrando que está aberto ao escrutínio do CNJ.
O STF já tomou decisões importantes diante do imobilismo do Legislativo, em uma postura de ativismo jurídico. Por que o CNJ não pode fazer o mesmo em seu terreno? O CNJ foi estabelecido dentro do capítulo da Constituição que cuida do Judiciário. Não houve supressão de competências da Justiça em favor de um outro poder. O que se deu com a Emenda 45 foi a criação de outro agente para o qual foram realocadas competências.
O CNJ mandou acabar com o nepotismo e estabeleceu metas para os tribunais. Caso perca a capacidade de punir, sua atuação não será decorativa? Evidentemente. Porém, a competência correcional do CNJ emana da própria Constituição. Assim, não há o que discutir sobre sua validade.
Os mandatos de apenas dois anos não tornam a corregedoria por demais sujeita ao estilo de quem está em seu comando? Lembremos que mandatos mais longos também podem ser problemáticos. Principalmente se quem estiver no comando decidir nada fazer.