Em uma sentença assinada no começo de fevereiro, um juiz da 10ª Vara Cível de São Paulo autorizou a Polícia Federal a emitir autos de infração com aplicação de multas contra crianças e adolescentes migrantes que estejam no Brasil sem os pais ou os responsáveis. A decisão faz parte de uma ação civil da Defensoria Pública da União, que recebeu denúncias de casos em que essa prática aconteceu.
De acordo com o texto, a DPU declarou que “os estrangeiros que ingressam no território brasileiro, por vezes, vêm acompanhados de seus filhos, que “são dependentes de seus genitores e não têm a possibilidade de decidir se desejam ou não deixar seus países de origem”. Em razão de sua estada irregular, essas crianças e adolescentes são autuados, assim como seus pais, o que denota, em verdade, multas adicionais aos genitores”.
Ainda, a DPU alegou que “a imposição da referida multa contraria os princípios da proteção à criança e ao adolescente, e ao princípio da igualdade, visto não possuírem discernimento suficiente para se responsabilizar por seus atos, pois são tidos como relativa ou absolutamente incapazes”.
A ação civil pede que a PF não lavre autos de infração com aplicação de multa por permanência irregular a crianças e adolescentes, assim como que os autos já lavrados sejam anulados. Em alguns casos, até mesmo crianças de colo, ainda bebês, foram multadas.
Na decisão, o juiz escreveu que “aos filhos, crianças ou adolescentes, a aplicação da deportação, juntamente com os pais, é suficiente para coibir eventual ilícito, a indicar a falta de razoabilidade e proporcionalidade na penalização de incapazes por infração à qual não deram causa”. Na sequência, ele complementa:
“Ressalto que, nos casos de ingresso de adolescentes e crianças no território nacional, e permanência irregular, por conta própria, ou seja, à revelia dos pais, como ocorre na região de fronteiras, autoriza a aplicação de todas as penalidades definidas no art. 125 do Estatuto do Estrangeiro.”
Por receber casos desse tipo desde 2009, a defensora pública da União, Fabiana Galera, afirmou que a decisão favorável mostra que “a prática ilegal de aplicar multa em desfavor de criança, sem capacidade civil para praticar infração administrativa, está sendo corrigida, e finalmente será observado o melhor interesse da criança”.
Contudo, Fabiana acredita que a sentença deve ser revista. “Quanto às crianças e adolescentes desacompanhados, acredito que tenha sido um lapso que fez ignorar como esse tipo de migração acontece no mundo por motivos de forma involuntária, em que a criança ou o adolescente fogem de alguma situação de violência vivenciada no seu país de origem, às vezes até por parte da própria família”, disse.
De acordo com a ONG brasileira Eu Conheço os Meus Direitos, dedicada às crianças refugiadas, do total de refugiados entre 2010 e 2015, de 4 456 pessoas, 599 são crianças entre zero e 12 anos, compondo 13,2% da população refugiada no país. Em um relatório divulgado em 2017, a Unicef, o Fundo das Nações Unidas para a Infância, nos anos de 2015 e 2016, 200 000 crianças pediram refúgio, sozinhas, em oitenta países. No mesmo período, 100 000 crianças e adolescentes desacompanhados foram presos na fronteira entre os Estados Unidos e o México. Ainda, 170 00 adolescentes solicitaram asilo na Europa sem a companhia dos pais ou outros responsáveis.
A nova lei de migração, 13.445/2017, aprovada em novembro do ano passado, regulamentou a situação da solicitação de refúgio por parte dos jovens desacompanhados. Até então, eles eram invisíveis no sistema. Por serem menores de idade, não tinham acesso à documentação necessária para ficar no Brasil. Ao mesmo tempo, enquanto a nova legislação garante que eles vão receber a proteção em território nacional, a sentença do início de fevereiro dá margem para que sejam penalizados.