Carta ao Leitor: Um drama amazônico
Será preciso empregar muito mais atenção e recursos contra o crime organizado, sob o risco de vermos o pesadelo de uma Amazônia dominada pelo banditismo
As constantes ameaças à preservação da Amazônia têm gerado uma crescente onda de preocupação ao redor do planeta — especialmente diante de um momento em que se assiste a mudanças climáticas aceleradas pela mão do ser humano. Existem um clamor mundial para salvar a maior reserva de biodiversidade do planeta e um temor em relação à porção brasileira da floresta. De fato, não faltam motivos para tamanha apreensão. Governos de diferentes matizes ideológicos que se sucederam nas últimas décadas foram incapazes de brecar a ocupação desenfreada. O resultado são recordes seguidos de desmatamento e a multiplicação do garimpo ilegal. No ano passado, os assassinatos do indigenista brasileiro Bruno Pereira e do jornalista inglês Dom Phillips viraram símbolos do descontrole. Além de uma mancha enorme para a imagem do Brasil, o descuido gera prejuízos econômicos, a exemplo de boicotes aos produtos nacionais no exterior e da fuga de investimentos que poderiam gerar novos negócios e empregos.
A dimensão da floresta, evidentemente, representa um desafio natural para a fiscalização. Contudo, o desmonte ocorrido em órgãos como o Ibama, durante a gestão de Jair Bolsonaro, aumentou ainda mais o problema e teve como consequência nefasta a queda expressiva na aplicação de multas ambientais. Na prática, instalou-se a mentalidade de “passar a boiada”, como definiu o ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles, que apoiou madeireiros flagrados em ilegalidades e recebeu com pompa comitivas de garimpeiros em Brasília. Em seu retorno ao Palácio do Planalto, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva prometeu reverter a situação, reconduzindo Marina Silva, ícone da luta pela preservação, ao comando da pasta. Ambos terão muito trabalho pela frente. Uma das prioridades recai hoje sobre o território ianomâmi, em Roraima, palco de uma megaoperação desencadeada pelo novo governo. A área merece atenção especial desde que ficou evidente a calamidade humanitária entre os indígenas em razão da proliferação de criminosos no local. Ao longo das últimas semanas, as ações das forças de repressão resultaram na destruição de 327 acampamentos de garimpeiros e na apreensão de 24 aviões.
A despeito dos esforços recentes, a tentativa de trazer paz à região esbarra agora na escalada do crime organizado por lá. Em menos de um mês, já foram registradas catorze mortes violentas na área ianomâmi, boa parte delas de bandidos ligados a facções como o PCC, que levaram os seus tentáculos para a selva, onde deram origem a um neologismo, o “narcogarimpo”. O termo passou a ser usado para descrever uma atividade criminosa que envolve desde a disputa pelo controle de locais de extração de metais preciosos até o domínio de rotas decisivas para o tráfico na fronteira com a Venezuela. Diante desse enorme desafio, será preciso empregar muito mais atenção e recursos, sob o risco de vermos o pesadelo de uma Amazônia dominada pelo banditismo. Que as lições do passado sobre os efeitos desastrosos da ausência do Estado na região tenham sido aprendidas. Afinal de contas, ainda há tempo de vencer a batalha pela preservação da floresta — e transformá-la em riqueza para o país.
Publicado em VEJA de 24 de maio de 2023, edição nº 2842