‘Eu Sei o que Vocês Fizeram’ mira ‘Euphoria’ e acerta ‘Mulheres de Areia’
Protagonizada por gêmeas, série derivada da franquia dos anos 90 se joga nos excessos da juventude do século XXI - e nos clichês do suspense
Jovens inconsequentes atropelam um pescador em estrada de uma pequena cidade litorânea nos Estados Unidos. Para escapar do tribunal e da possibilidade de alguém ali ser preso, eles jogam o corpo no mar e fazem um pacto de manter o segredo. Isso até o grupo começar a sofrer ameaças com a mensagem: “Eu sei o que vocês fizeram no verão passado”. Premissa do roteiro que leva o mesmo nome da frase misteriosa (e comprida), o filme, lançado em 1997, foi um baita sucesso de público e se tornou item inescapável da cultura pop – virou tema de sátiras e de desnecessárias sequências com títulos ainda mais longos: Eu Ainda Sei o que Vocês Fizeram no Verão Passado (1998) e Eu Sempre Vou Saber o que Vocês Fizeram no Verão Passado (2006).
A famigerada linhagem do “Eu Sei” parecia ter ficado para trás, juntamente com a popularidade do filão do terror slasher – em que um assassino misterioso aterroriza uma cidade, de preferência pequena e com jovens transbordando hormônios. Mais de duas décadas depois, porém, eis que o subgênero volta à ativa, ressuscitando franquias como Pânico e, claro, trazendo consigo uma nova versão de Eu Sei o que Vocês Fizeram no Verão Passado.
A série do Amazon Prime Video, que chega à plataforma nesta sexta-feira, 15, traz no cerne o espírito da trama original: jovens bêbados atropelam uma pessoa e se livram do corpo, para depois serem perseguidas pela mensagem ameaçadora e por um assassino perigoso. Param aí as semelhanças.
A nova trama é centrada em duas irmãs gêmeas idênticas por fora, mas absurdamente diferentes por dentro, vividas pela ótima Madison Iseman (que arrasa com sua veia cômica em Jumanji). O primeiro episódio é todo voltado para mostrar a dinâmica entre as duas. Desde a disputa pelo afeto do pai e da mãe, que morreu, passando pela cobrança para que a jovem tímida seja mais ousada, como a irmã. E, claro, culminando no interesse de ambas pelo mesmo rapaz. O trágico acidente que conduz a história de terror teen acontece ao fim do capítulo inicial e altera dramaticamente essa relação.
O conflito entre o chamado duplo, conceito comum na literatura, é representado com frequência por gêmeos em pé de guerra na dramaturgia. De Hollywood aos folhetins latinos – alô, Mulheres de Areia – a ficção se esbalda ao colocar, frente a frente, duas pessoas que são como um reflexo no espelho, mas que instigam o pior uma da outra. Inicialmente a série parece apetitosa. Moderninha, ela vem embalada para a geração Euphoria – série da HBO que mostra os excessos da juventude atual, observando o abuso de drogas, o submundo das redes sociais, a proliferação de nudes, entre outros dramas enfrentados pela Geração Z. Mas, quando chega à sua razão de ser, ou seja, um novo título do terror, a série atropela o bom senso e joga o corpo no mar. Clichês do gênero, como sustos bocós e música de suspense em momentos risíveis, são abundantes e empobrecem a experiência de quem assiste. Defeitos que, provavelmente, não impedirão a série de ser um sucesso — assim como aconteceu com o mediano filme original e seu assassino de memória duradoura.