Judiciário e Ministério Público dão os primeiros passos rumo ao compliance
Daniel Lança e Marcelo Zenkner analisam as iniciativas do CNJ e CNMP de criar Planos de Integridade
Os Conselhos Nacionais de Justiça (CNJ) e do Ministério Público (CNMP), nos últimos meses, deram importantes passos institucionais ao estabelecerem grupos de trabalho destinados ao desenvolvimento de seus respectivos Sistemas de Integridade e compliance. O contexto não poderia ser mais propício para essas iniciativas pioneiras.
Os respectivos colegiados inaugurados terão como atribuições i) promover debates sobre o tema e sobre a legislação de regência, bem como realizar diagnósticos; ii) elaborar estudos com a indicação de medidas voltadas à prevenção, à detecção, ao monitoramento, ao controle e à repressão de condutas ilícitas e antiéticas; iii) equacionar iniciativas voltadas à criação de cultura que encoraje a conduta ética e a aderência ao compliance; iv) propor arranjos normativos, institucionais e organizacionais, com o objetivo de disseminar políticas e mecanismos de prevenção e combate à corrupção; e v) elaborar relatório final, consolidando os estudos e levantamentos empreendidos.
Os Grupos de Trabalho terão como membros conselheiros dos próprios órgãos (CNJ e CNMP), além de profissionais de alto calibre como advogados, magistrados, acadêmicos e especialistas em compliance. As bases ali construídas darão estrutura normativa e metodológica para as construções dos Planos de Integridade e compliance de todo o Poder Judiciário e Ministério Público brasileiro, entre órgãos federais e estaduais espalhados pelo país.
O tema de integridade pública vem amadurecendo com velocidade de cruzeiro, nomeadamente desde 2017 com a edição do Decreto Federal nº. 9.203/2017 (que dispõe sobre política de governança da administração pública federal), e que institui a integridade como pilar desse novo modelo de governança ao serviço público federal.
De maneira especial, tal movimento parte das recomendações da literatura especializada e de organizações internacionais, notadamente da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), as quais sintetizam as melhores práticas mundiais de governança. Nesse sentido, o Brasil – pretendente a membro da OCDE – tem a missão de fortalecer instituições e processos de governança e compliance, alinhado às recentes recomendações do Conselho da OCDE, quais sejam:
– reconhecer que a integridade é vital para a governança pública, salvaguardando o interesse público e reforçando valores fundamentais como o compromisso com uma democracia pluralista baseada no estado de direito e no respeito dos direitos humanos;
– reconhecer que a integridade é uma pedra angular do sistema geral de boa governança e que a orientação atualizada sobre a integridade pública deve, portanto, promover a coerência com outros elementos-chave da governança pública;
– reconhecer que os riscos de integridade existem nas várias interações entre o setor público e o setor privado, a sociedade civil e os indivíduos em todas as etapas do processo político e de políticas, portanto, essa interconectividade requer uma abordagem integrativa de toda a sociedade para aumentar a integridade pública e reduzir a corrupção no setor público; e
– considerar que o reforço da integridade pública é uma missão compartilhada e responsabilidade para todos os níveis de governo, por meio de seus diferentes mandatos e níveis de autonomia, de acordo com os quadros jurídicos e institucionais nacionais, sendo fundamental para fomentar a confiança pública.
Não há dúvida de que o Judiciário e o Ministério Público têm pela frente um enorme desafio e uma grande responsabilidade, inclusive porque certamente servirão como modelo e exemplo para outros entes públicos. Em tempos que demandam das instituições o fortalecimento de estruturas de governança, integridade, responsabilidade institucional, equidade e transparência, tais iniciativas, se bem trabalhadas, poderão colocar o Judiciário e o Ministério Público Brasileiro em conformidade plena com as melhores práticas internacionais.
Daniel Lança é advogado, Mestre em Ciências Jurídico-Políticas pela Universidade de Lisboa e sócio da SG Compliance. É Professor convidado da Fundação Dom Cabral (FDC) e foi um dos especialistas a escrever as Novas Medidas contra a Corrupção (FGV/Transparência Internacional)
Marcelo Zenkner é Diretor de Governança e Conformidade da Petrobras, ex-Promotor de Justiça (MP-ES) e ex-Secretário de Transparência e Controle do Governo do Estado do Espírito Santo. Doutor em Direito pela Universidade Nova de Lisboa.