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Por Coluna
O que é fato e ficção em filmes e séries baseados em casos reais
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Nazistas na Nasa? O real e a ficção na série ‘Hunters’

Al Pacino é um ‘caçador de nazistas’ em Nova York, nos anos 1970, na produção do canal de streaming que pincela alguns fatos entre muita ficção

Por Tamara Nassif Atualizado em 13 mar 2020, 11h24 - Publicado em 13 mar 2020, 08h57

Quando o criador e produtor-executivo da série Hunters, David Weil, era uma criança e ouvia as histórias do Holocausto contadas pela avó, imaginava uma trama de ação, como das histórias em quadrinhos de super-heróis que ele costumava ler. Crescido, descobriu que seus mocinhos e vilões de cores vibrantes eram, na realidade, parte da terrível máquina de extermínio de judeus pelo regime nazista de Adolf Hitler, na II Guerra Mundial. Para honrar a memória de sua avó e de outras vítimas dos campos de concentração, Weil criou a série estrelada por Al Pacino e Logan Lerman, produzida pelo canal de streaming Prime Video, da Amazon.

Hunters se passa em uma Nova York de 1977 e acompanha um grupo de “caçadores de nazistas”, formado principalmente por judeus, disposto a fazer justiça com as próprias mãos. O roteiro é ficcional, mas bebe de alguns casos e personagens que existiram. Confira abaixo detalhes do universo de Hunters que tem um pezinho na realidade.

 

Caçadores de nazistas com sede por vingança 

Os 'caçadores de nazistas' de Hunters, com Al Pacino como protagonista.
Os ‘caçadores de nazistas’ de Hunters, com Al Pacino como protagonista. (Divulgação/VEJA)

A II Guerra Mundial chegou ao fim, oficialmente, em 2 de setembro de 1945, com a rendição do Japão após as bombas atômicas americanas explodirem em Hiroshima e Nagasaki. Estima-se que no mínimo 1,7 milhão de nazistas fugiram mundo afora e se esconderam da Justiça nos anos seguintes. Na série produzida pela Amazon, ambientada nos anos 1970, Meyer Offerman (personagem de Al Pacino) lidera um grupo que procura esses nazistas foragidos nos Estados Unidos. Sem acreditar na lei ou nas autoridades, eles preferem o “olho por olho, dente por dente” — com direito a assassinatos sanguinários. Não há, porém, indícios de que um grupo do tipo, amparado pela violência, tenha existido na vida real. Porém, os justiceiros da ficção têm uma inspiração da vida real. O ucraniano Simon Wiesenthal (1908-2005), sobrevivente de doze campos de concentração, ganhou o apelido de caçador de nazistas por se dedicar à perseguição e prisão dos discípulos de Hitler no pós-guerra, levando cada um deles aos tribunais. Paciente, o fundador do Centro de Documentação Judaica em Viena — onde ele se estabeleceu — operava em sigilo para não espantar suas “presas”: de maneira até bem semelhante ao esquadrão de Hunters. Wiesenthal, aliás, faz uma ponta na série, representado pelo ator Judd Hirsch.

O polêmico tabuleiro humano em Auschwitz

O tabuleiro humano de xadrez, supostamente sediado no campo de extermínio de Auschwitz.
O tabuleiro humano de xadrez de ‘Hunters’, supostamente sediado no campo de extermínio de Auschwitz. (Divulgação/VEJA)

Em uma perigosa criação ficcional, a série reproduz um tabuleiro humano no qual pessoas são mortas quando as peças que as representam são retiradas. As brancas são judeus nus, as pretas, judeus de trajes listrados. Porém, não há nenhum indício ou relato de que tabuleiros e jogos humanos do tipo tenham existido nos cruéis campos de concentração. O nazismo foi responsável pelo extermínio de 6 milhões de pessoas, em sua maioria judeus — estima-se que 1,2 milhão morreram em Auschwitz. Brutal, o sistema de assassinato em massa incluía desde fuzilamentos e experimentos médicos ao confinamento em câmaras de gás. O Museu de Auschwitz, responsável pela preservação do campo no sul da Polônia, publicou no Twitter uma crítica ao tabuleiro imaginado pela série: “Inventar um jogo falso de xadrez humano não é apenas uma tolice perigosa e uma caricatura. Também acolhe futuros negacionistas. Honramos as vítimas preservando a precisão factual”.

Nazistas infiltrados na Nasa

Na cena, um oficial da Nasa (Stephan D'Ambrose) confronta a detetive Millie Morris sobre o assassinato de Gretel Fischer. Segundo a série, alguns nazistas teriam se infiltrado em instituições americanas de renome, como a própria Nasa e o FBI.
Alguns nazistas teriam se infiltrado em instituições americanas de renome, como a Nasa e o FBI. (Divulgação/VEJA)

No primeiro episódio de Hunters, a agente do FBI Millie Morris (Jerrika Hinton) encontra Gretel Fischer (Veronika Nowag-Jones), uma cientista da Nasa, assassinada no próprio banheiro ao inalar o gás Zyklon B. A substância é a mesma que foi usada décadas antes, nas câmaras de gás dos campos de concentração. Descobre-se, então, que a cientista ajudou a fabricar o veneno na Alemanha. Gretel não existiu na vida real. A série, porém, acerta ao colocar o dedo numa antiga ferida americana: a Nasa contratou diversos nazistas após a II Guerra. A Operação Paperclip, fundada para garantir que os Estados Unidos chegassem à Lua antes da União Soviética, cooptou cerca de 1.600 cientistas, engenheiros e técnicos alemães — todos protegidos de processos judiciais na época, com permissão para continuar trabalhando, e aprovados pelo Departamento de Estado americano.

O caso mais emblemático foi de Wernher Von Braun, o engenheiro comandante do programa de mísseis de longo alcance de Adolf Hitler, que supervisionou a criação dos temíveis foguetes V2: arma que matou milhares na Inglaterra, construída com mão de obra escrava em campos de concentração (estima-se que 20.000 pessoas morreram durante o trabalho forçado). Nos Estados Unidos, Von Braun se tornou um dos nomes fortes dentro da Nasa. Participou de todo o processo que culminaria no Apollo 11, projeto que colocou o homem na Lua, e até foi condecorado com a Medalha Nacional de Ciências, honraria entregue pelo presidente americano a grandes personalidades no país. Para selar seu status de celebridade, o engenheiro ainda fez comerciais do programa espacial americano e participou de um filme infantojuvenil da Disney, chamada Man in Space.

Banco suíço apinhado de riquezas roubadas de judeus

Os corredores do Banco Internacional Mundial da Suíça abrigariam incontáveis riquezas roubadas de judeus durante a II Guerra Mundial.
Os corredores do Banco Internacional Mundial da Suíça abrigariam incontáveis riquezas roubadas de judeus durante a II Guerra Mundial. (Divulgação/VEJA)

Com um quê detetivesco, os caçadores de Hunters encontram um banco suíço cujo subterrâneo abriga corredores intermináveis de objetos roubados de judeus, como anéis, obras de arte, pratarias e aparelhos de jantar. Na série, o fundador do fictício Banco Mundial Internacional da Suíça, Frederic Hauser, teria ajudado nazistas a “guardarem segredos”, durante e após o término da guerra, enquanto ostentava a fachada suíça de “isentão”. Hauser nunca existiu, mas o banco citado na série encontra um correlato na vida real. O Crédit Suisse, terceiro maior banco da Suíça, administrou contas bancárias de nazistas entre 1939 e 1945 e fez transações com a alemã Deutsche Wirtschaftsbetriebe (DWB), empresa que, entre outros absurdos, coletava objetos de valor das vítimas dos campos, como dentes de ouro e joias. A instituição tinha uma conta secreta para nazistas, de número 54.941, na qual passava o dinheiro proveniente da venda desses objetos, mas não os armazenava fisicamente como indica a série. Outros grupos financeiros da Suíça participaram do fluxo de dinheiro sujo nazista: um relatório divulgado em 1997 pela Comissão Bergier apontou que o Banco Central Suíço comprou 612 milhões de dólares em ouro da Alemanha nazista, em valores da época. Dos 1,46 bilhão de dólares roubados pelos alemães, a Suíça teria abrigado a maior fatia dessa quantia no pós-guerra: aproximadamente 76%. Em 1998, os bancos devolveram 1,2 bilhão de dólares às vítimas sobreviventes do Holocausto.

Nazistas protegem nazistas: nos Estados Unidos e até na América do Sul

Biff Simpson (Dylan Baker), um oficial nazista infiltrado em um cargo de alto-escalão no governo dos Estados Unidos, tenta beneficiar outros nazistas em países sul-americanos.
Biff Simpson (Dylan Baker), um oficial nazista infiltrado em um cargo de alto-escalão no governo dos Estados Unidos (Divulgação/VEJA)

Em um discurso acalorado e sentimentalista, o personagem Biff Simpson (Dylan Baker), oficial nazista que se infiltrou no alto-escalão do governo americano, argumenta que a chacina que matou sua família de Maryland (ele próprio o assassino) teria lhe aberto os olhos para as coisas que mais importam. No caso, a aprovação de uma lei que revogaria o embargo a produtos oriundos de países sul-americanos, que estariam sob a mira dos comunistas soviéticos. A justificativa nazista, no entanto, serve apenas para fortalecer o vínculo entre os alemães hitleristas abrigados na América do Sul, para que a tentativa de instalar o Quarto Reich em solo americano fosse endossada por outras lideranças. Embora a lei nunca tenha sequer existido, o vínculo factual da série é com os incontáveis nazistas radicados na América do Sul, em um período em que boa parte dos países por aqui viviam sob ditaduras militares.

Só na Argentina, foram mais de 12.000, que, inclusive, tinham contas abertas no Crédit Suisse (leia no tópico acima) para guardar o dinheiro roubado de judeus com certo sigilo. Aqui no Brasil, Josef Mengele, o médico de Auschwitz conhecido como “Anjo da Morte”, foi encontrado morto por afogamento em uma praia de Bertioga (SP), em 1979. Na época do pós-guerra, a vista grossa aos cúmplices e apoiadores do regime nazista encontrava respaldo no discurso anti-comunista, também proferido pelos alemães. Ao que parece, ter um inimigo em comum já era o bastante para relevar algumas “coisinhas”, como a contribuição a um dos maiores genocídios da história mundial.

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