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Talharim à parisiense

Apesar de ser considerada natural de São Paulo, esta receita deriva de um prato criado em Roma para o papa Pio XII, no seu tempo de cardeal

Por J.A. Dias Lopes 30 out 2018, 13h37

Uma das massas de maior sucesso na cozinha cantineira – aquela que surgiu nos restaurantes populares de São Paulo no começo do século XX, fazendo comida com sotaque italiano – foi o talharim à parisiense. Era prato com reputação de elegante, sobretudo entre as décadas de 1950 e 1970. Permanece até hoje no cardápio da cozinha cantineira, porém sem a mesmo destaque do passado.

Talharim é o nome que damos no Brasil à massa em forma de tiras finas e achatadas, com cerca de 3 milímetros de largura, originária da região italiana do Piemonte, onde é chamada de tajarin ou taglierini. Pertence à linhagem do linguine, fettuccine e tagliatelle, caracterizadas pelas larguras diferentes. O verdadeiro tajarin ou taglierini piemontês leva entre 10 e 15 gemas de ovos por quilo de farinha (alguns cozinheiros da região colocam até 30 gemas para ressaltar a cor “ouro” que distingue a massa).

Parisiense designa o molho branco ou béchamel (cozinha-se farinha de trigo em manteiga e depois se dilui a mistura em leite), com o qual é preparado. Os italianos garantem que o inventaram na região da Toscana, com o nome de colletta ou salsa colla  (pela consistência pegajosa), e que foi levado à França pela florentina Caterina de ’Mèdici, em 1533, quando ela casou com o futuro rei do país, Henrique II.

Na versão deles, ganhou o nome atual cem anos depois, em homenagem a Luís de Béchameil, Marques de Nointel, administrador financeiro de Luís XIV. Hoje, os próprios italianos preferem  besciamella e o utilizam em receitas como lasagna,  cannelloni e gratinado de legumes. Quanto ao molho do talharim à parisiense, ainda incorpora ervilhas em conserva, presunto cozido em tirinhas ou peito de frango cozido e desfiado, eventualmente champignon de Paris e, naturalmente, sal. Fica uma delícia.

O italiano Giovanni Bruno, restaurateur impecável pela arte da gentileza, serviço atencioso e amor a São Paulo, falecido em 2014 aos 78 anos, contava que o talharim à parisiense surgiu no Gigetto, em meados dos anos cinquenta. Referia-se à cantina histórica, fundada em 1938 na região central da capital paulista e fechada em 2016. Reduto de artistas, jornalistas, intelectuais e boêmios, o Gigetto deu origem a pelo menos duas dezenas de restaurantes similares, abertos por funcionários que saíram dali.

Transplantavam para novas cantinas o clima de informalidade, o serviço rápido, as receitas do cardápio, a comida farta, os preços camaradas – e o sucesso estava garantido. Foi o caso de Giovanni Bruno, garçom do Gigetto por 17 anos, ou seja, até 1967, e depois fundador, em sociedade com três colegas de salão, da Cantina do Júlio, no bairro do Bixiga, a seguir da Cantina do Giovanni Bruno e, finalmente, de Il Sogno di Anarello, em 1980.

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De acordo com Giovani Bruno, o talharim à parisiense foi criado na década de 1950 para atender à solicitação de um cliente que saboreou um prato parecido na Europa e quis repeti-lo no Brasil. Os garçons do antigo Gigetto dispensavam esse tipo de atenção aos frequentadores mais assíduos. O próprio Giovanni Bruno protagonizou a invenção de uma receita: o cappelletti à romanesca, aliás com molho assemelhado ao usado no talharim à parisiense.

“Havia um senhor chamado Pedro Rodrigues, diretor dos Elevadores Atlas no bairro do Cambuci, que almoçava todos os dias no Gigetto em 1954”, contava ele. “Certa vez, foi à Alemanha e esticou até a Itália. Voltou falando maravilhas de um cappelletti que comera em uma trattoria. Comentou a receita comigo, falei com o cozinheiro e, depois de alguns dias de experiências, arriscamos uma recriação. Virou um dos sucessos da casa”.

Por que talharim à parisiense? “Acho que era pelo fato de ser feito com béchamel, o nome francês do molho branco”, especulava Giovanni Bruno. “Aliás, em lugar desse ingrediente, o cozinheiro poderia ter escolhido creme de leite, mas não havia esse ingrediente no Brasil da época, só mais adiante. Tanto que, quando não faziam béchamel, muitos engrossavam leite com Maizena, ou seja, amido de milho”.

O delegado em São Paulo da Accademia Italiana della Cucina, Gerardo Landulfo, oferece uma hipótese complementar para o nome do talharim à parisiense. “Acho que também pode resultado do fato de, entre as décadas de 1950 e 1970, tudo o que remetia  à França ou Paris era considerado mais elegante no Brasil”, ressalta.  “Um exemplo é o sofisticado restaurante que Giancarlo Bolla, italiano de San Remo, na região da Ligúria, abriu em 1971 na Avenida 9 de Julho, em São Paulo, e chamou de La Tambouille (O Guisado, ou O Cozinhado, em francês).

Examinando-se os ingredientes do talharim à parisiense, porém, constata-se sua grande parecença com o fettuccine alla papalina, prato típico romano. Sabe-se perfeitamente as  circunstâncias do nascimento dessa receita. Surgiu entre os anos de 1937 e 1939, no restaurante La Cisterna, um dos mais antigos de Roma, até hoje funcionando na Via della Cisterna, 13, no bairro do Trastevere. Também foi criado por solicitação de um cliente assíduo, o então cardeal Eugenio Maria Giuseppe Giovanni Pacelli, futuro papa Pio XII.

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Ele pediu uma massa de fio longo, cujo molho levasse queijo e algum produto suíno, exceto a habitual pancetta dos romanos (toucino da barriga do porco, não defumado, curtido no sal e tempero). Outra exigência era a receita não ser pesada demais. Trouxeram-lhe um fettuccine com molho à base de panna (creme de leite) e presunto cozido, polvilhado no final com parmigiano reggiano. Mais tarde, acrescentou-se ao molho ervilha fresca ou congelada, talvez para melhorar a aparência do prato.

O La Cisterna permanece discreto em relação ao prato e ao papa. Seu site informa que o cardápio tem fettuccine alla papalina, mas sequer menciona Pio XII entre seus clientes famosos. Faz isso em respeito à habitual discrição do pontífice. Depois de eleito, Sua Santidade nunca mais apareceu ali. Em compensação, continuou a saboreá-lo em dias especiais: o Natal, por exemplo. Alto e magro, Pio XII estava longe de ser um gourmet.

Na residência pontifícia, comia frugalmente e sozinho, acompanhado apenas de um canário amestrado. Abria a gaiola para o pássaro sair, voar pela sala e no final pousar em seu dedo indicador. O canário voltava à gaiola apenas quando cansava da liberdade. Ao contrário de outros papas, Pio XII evitava convidados à mesa, fossem prelados estrangeiros ou seus colaboradores.

Alimentava-se de legumes e verduras, queijo e frutas, um pouco de massa e duas fatias finas de carne cozida ou grelhada. Suas refeições eram controladas pela Madre Pascoalina, a fiel escudeira. Pio XII só capitulava gulosamente ao fettuccine alla papalina e, na sobremesa, deliciava-se com massa folhada recheada de maçã, doce de origem austríaca mais conhecido por apfelstrudel. Sua massa favorita virou atração gastronômica em Roma nas décadas de 1940 e 1950, quando foi trazida para o Brasil ou, de acordo com o testemunho de Giovanni Bruno, para o Gigetto.

TALHARIM À PARISIENSE

RENDE  6 PORÇÕES

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INGREDIENTES

.30g de manteiga

.30 g de farinha de trigo

.700ml de leite

.150g de ervilhas em conserva (escorridas)

.150g de presunto cozido e cortado em finas tirinhas

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.150g de champignons de Paris em lâminas

.500g de talharim

.Sal a gosto

PREPARO

1 – Em uma panela, prepare um molho béchamel, derretendo a manteiga em fogo baixo, para não queimar.

2 – Junte a farinha de trigo, mexendo sempre, por 1 ou 2 minutos, para não formar grumos. Retire do fogo e vá adicionando o leite, aos poucos, batendo com um fouet (batedor de arame) até ficar bem incorporado à farinha

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3 – Retorne com a panela ao fogo baixo, bata para pegar um pouco mais de textura, junte as ervilhas, o presunto e os champignons. Ajuste o sal e misture delicadamente.

4 – Cozinhe a massa em bastante água fervente com sal, escorra-a   al dente e sirva imediatamente, com o molho.

Dica – O molho béchamel pode ser substituído por creme de leite, se preferir.

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