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“Sustentabilidade depende do bom diálogo entre setores público e privado”

Judith Wiese, responsável por estratégias globais de ESG na Siemens, esteve no Brasil e falou a VEJA sobre a importância do país para a empresa

Por Alessandro Giannini Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 29 set 2022, 14h46 - Publicado em 29 set 2022, 14h08

A executiva Judith Wiese, 51 anos, faz parte do conselho da Siemens na Alemanha. Ela é responsável pelo capital humano da empresa em nível global. Sob o cargo de Chief People and Sustainability Officer (CPSO), está à frente das estratégias ambientais, sociais e de governança da companhia. Há pouco mais de um mês, esteve em São Paulo para acompanhar o Siemens Innovation Forum 2022, um evento híbrido focado em inovação, soluções de tecnologia e novos modelos de negócio. Em entrevista a VEJA, ela falou sobre o Brasil como ambiente estratégico para os negócios da empresa e de sustentabilidade no mundo corporativo moderno. Também falou de digitalização, que ainda há muito a ser feito aqui. A seguir, os principais trechos da conversa, que foi editada para melhor compreensão.

Qual a importância do Brasil para a Siemens? Inclusive dentro do contexto sul-americano?

O Brasil sempre foi e continua sendo muito importante para nós. Estamos aqui há 155 anos dos 175 anos da história da Siemens. Na verdade, somos quase locais em muitos países ao redor do mundo. Isso inclui o seu país, que é o quinto maior do mundo, a décima maior economia. Continuamos achando que tem um potencial enorme. Se falarmos da indústria 4.0, a nova geração do ciclo industrial, também achamos que ainda há muito que pode ser feito aqui. Regionalmente, é a economia mais importante que temos na América Latina. O México também tem um papel importante, porque é uma porta de entrada para os EUA.

Independentemente do contexto, social, político e econômico?
O país tem um enorme potencial de crescimento, são 240 milhões de pessoas, muitas delas subqualificadas. Investir na educação e na qualificação [destas pessoas] é uma grande oportunidade para a economia e, de fato, crescer, aumentar o PIB. Para mim, a ideia de sustentabilidade é importante. Há um movimento muito significativo por parte do setor privado local [nesse sentido]. A Siemens atua em setores que respondem provavelmente por 75% das emissões mundiais, e a digitalização é muitas vezes a solução para isso, em termos de eficiência energética, eficiência de recursos. Estamos trabalhando cada vez mais com os clientes não apenas na descarbonização, mas também no design para a economia circular. Também é interessante ver que se fala em reindustrializar o país. E, claro, será importante fazer isso de forma consciente em termos de sustentabilidade.

O Brasil tem alto índice de digitalização, mas do ponto de vista do consumidor. E com relação à digitalização industrial?
Em termos de digitalização industrial, o Brasil ainda tem um longo caminho a percorrer. As grandes empresas globais estão em uma jornada rumo à maturidade digital. E há um grande número de pequenas e médias empresas que estão mais atrasadas. Durante a crise da Covid-19 e os problemas da cadeia de suprimentos, todas as empresas que já tinham um certo nível de sofisticação, do ponto de vista digital, conseguiram superar a crise muito melhor. Temos, em muitos casos, fábricas de última geração, porque aplicamos nossa tecnologia a nós mesmos, é claro, e hoje somos capazes de produzir o que for necessário. Porque podemos ajustar os processos de forma relativamente flexível, para que possamos realmente mudar os padrões de trabalho em nossos locais de fabricação e garantir que, sejam quais forem os desafios da cadeia de suprimentos, possamos construí-los como e quando quisermos.

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Por falar em Covid, como a Siemens atravessou a crise pandêmica no Brasil e no mundo?
Como eu disse, conseguimos realmente fazer mudanças da noite para o dia, com ganhos de produtividade em termos de continuidade de negócios. Nós nos saímos extremamente bem nessa crise e estamos cuidando do nosso pessoal muito bem. Eles expressam isso também em pesquisas e pontuações de engajamento. Aqui no Brasil, temos uma taxa de vacinação que é praticamente 100%. Estamos nos esforçando para manter nosso pessoal seguro. Nesse sentido, fomos capazes de continua extremamente produtivos durante a crise. E também estamos conquistando participação de mercado de outras empresas, por causa disso e porque gerenciamos a cadeia de suprimentos com mais eficiência do que alguns de nossos concorrentes.

Quais foram alguns dos aprendizados? 
Acho as pessoas têm usado a pandemia para repensar o que querem da vida em muitos aspectos. Há três coisas que são importantes para elas. A primeira é um maior grau de autonomia. Por isso, em vez de mandar todo mundo de volta ao escritório, as pessoas podem trabalhar de dois a três dias de qualquer lugar, se seu trabalho permitir isso. Ao mesmo tempo, ainda não queremos que percam o vínculo com a empresa. A segunda coisa é que as pessoas querem desenvolvimento e, para permanecer relevantes, você quer empregadores que forneçam isso. E conseguimos criar uma plataforma de aprendizado massiva. E a terceira coisa é um sentimento de pertencimento e um senso de propósito ou contribuição. E o que começamos a fazer muito mais como humanos é falar não apenas sobre nossa tecnologia, mas como nossa tecnologia impacta.

A questão do trabalho remoto é definitiva?
Sabemos que o trabalho remoto funciona extremamente bem, para trabalho transacional e para trabalho silencioso. E para o trabalho que você faz dentro de uma rede estabelecida. Quando se trata de processos criativos, quando se trata de inovação, quando se trata de interações multifuncionais, é muito mais significativo trazer as pessoas de volta e fazer um trabalho cara a cara. Então, em termos de inovação, é realmente importante atingir o equilíbrio certo. Acho que todos ainda estamos em uma jornada de aprendizado, todos precisamos descobrir o novo mundo.

Como a Siemens se encaixa no conceito de ESG, sigla em inglês para ambiental, social e governança, que tem se popularizado no mundo corporativo?
A Siemens está nesta jornada há algum tempo. E fazendo bons progressos. Não somos um emissor pesado. Portanto, temos a obrigação de acabar com isso também até 2030. Queremos reduzir as emissões físicas para menos de 10%, deixando apenas um mínimo para compensar. O que mudou drasticamente, nos últimos dois anos, é o tipo de impulso que estamos dando de uma perspectiva de portfólio. Muitas vezes falamos sobre como a digitalização ajuda na produtividade, eficiência e velocidade, mas raramente falamos sobre como isso também contribui para a agenda de sustentabilidade. E os mercados de capitais já acordaram para isso há algum tempo. Digamos que o custo de não fazer nada é realmente maior agora. Se queremos proteger nossos investimentos, é melhor levarmos nosso dinheiro para empresas que investem nisso. Por isso, também, é tão importante que o mundo comece a convergir em padrões significativos, que coloquem todos em condições de igualdade e também evitem quaisquer acusações de greenwashing [termo em inglês para falsas práticas de sustentabilidade]. Então, acho que quanto mais cedo o mundo tiver uma boa regulamentação sobre isso, mais rápido acho que o capital será aplicado da maneira certa.

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A Siemens desenvolveu um conceito próprio de ESG, que vai além dos três pilares básicos. Chama-se DEGREE (grau, em inglês), certo?
No ano passado, fomos ao mercado de capitais pela primeira vez com uma nova visão. No conceito DEGREE, temos o D para descarbonização, o E para ética, o G para governança, R para eficiência de recursos, o E para equidade como tratamento equitativo e novamente E para empregabilidade. Então, demos a isso toda uma estrutura e brincamos com a noção da palavra [em inglês para] grau, no sentido  um pouco mais alto de grau de ambição, como em um grau e meio, do acordo climático de Paris ou algo assim. Então, isso é algo que fizemos para realmente sairmos ativamente com a marca.

Em 2006, a Siemens foi o pivô de um escândalo na Alemanha, envolvendo pagamento de propinas em vários países, incluindo o Brasil. O que sobrou desse episódio?
É muito difícil dizer, porque eu não estava na Siemens. Mas é claro que aquilo  abalou profundamente a empresa e teve um impacto enorme. O fato é que trabalharam arduamente para recuperar sua reputação em bases sólidas. E acho que fizeram um trabalho muito bom, de uma perspectiva de valores e também de dar orientação sobre como lidar em determinadas situações. Então, acho que a governança e a conformidade de várias maneiras encontraram seu caminho na estrutura. E muito disso, é baseado em coisas que já estavam lá, mas nós as tornamos mais visíveis.

O que acha que é preciso fazer para que a sustentabilidade não se torne apenas uma estratégia de marketing e tenha resultado efetivo nas empresas?
Posso dizer que existem algumas empresas muito bem intencionadas aqui. Levam muito a sério a sustentabilidade, colocaram-se metas muito ambiciosas. Companhias do setor de mineração, por exemplo, querem se tornar  menos marrons e mais verdes. Então, acho que há algumas iniciativas e compromissos muito sérios que o setor privado fez. Mas, na minha opinião, as agendas de sustentabilidade só vão se mover se realmente houver um bom diálogo entre o setor público e o privado. Com bons padrões, meios pelos quais se regula, mas também se incentiva. Esse ecossistema precisa atuar em conjunto para realmente levar a agenda adiante. Portanto, acho que os ingredientes estão postos . É uma questão de como o setor público vai decidir fazer isso nos próximos anos.

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