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O preço da ganância desenfreada? Você

Por que a nova política de privacidade do WhatsApp fere claramente o Código do Consumidor, o Marco Civil da Internet e a Lei Geral de Proteção de Dados

Por Flora S. Rebello Arduini *
Atualizado em 30 abr 2021, 11h08 - Publicado em 28 abr 2021, 13h42

De um dormitório em Harvard, em 2003, o jovem Mark Zuckerberg percebeu o quanto era fácil invadir o sistema da universidade, roubar dados e fotos pessoais dos estudantes e sugerir que votassem na foto mais “atraente”. Os “feios” seriam comparados a bichos. Sua punição por ter hackeado o sistema foi uma pequena advertência.

Essa foi a semente do Facebook e o padrão se repete até hoje. Mas em vez de centenas de estudantes, o império de Zuckerberg coleta indevidamente e utiliza a seu bel prazer dados de aproximadamente 3 bilhões de pessoas no mundo. Extrapolando, isso equivale a quase 50% da população global. E, a partir do dia 15 de maio, este número deve crescer muito mais graças ao WhatsApp.

Embora fatos comprovem que a empresa coleta e venda ilegalmente informações pessoais de milhões de pessoas, interfere em eleições, conduz experimentos psicológicos sem autorização, não atuou para evitar o genocídio promovido na plataforma em Mianmar nem a invasão no Congresso dos Estados Unidos e foi central na infodemia em torno da Covid-19, as consequências ainda são majoritariamente pífias diante dos estragos que ela causa. Uma advertência aqui, uma multa milionária ali e acolá e bola pra frente.

Mas onde o WhatsApp entra nisso tudo? Simples, o aplicativo, com 2 bilhões de usuários, pode acrescentar mais de 10 bilhões de dólares à receita do Facebook do dia para a noite. Como? Com a coleta de mais dados pessoais de seus clientes a partir da implantação da sua nova política de privacidade, prevista para daqui poucos dias. Só no Brasil são 120 milhões de pessoas – equivalente a mais da metade da população brasileira, onde 99% dos celulares têm o aplicativo instalado. O poder de mercado da empresa é sem precedentes, também conhecido como monopólio.

A receita recorde de 86 bilhões de dólares em 2020 não é o bastante para Zuckerberg e cia. Eles querem mais, doa a quem doer. O grupo está trabalhando incessantemente para que a nova política de privacidade do aplicativo torne o compartilhamento de dados entre WhatsApp e Grupo Facebook obrigatório a partir do dia 15 de maio (com exceção da União Europeia e o Reino Unido, que declararam a prática ilegal desde 2016). Quem não aceitar terá a conta congelada.

A nova política cruzará dados como nome, telefone, contatos, foto de perfil, mensagem de status, informação do dispositivo e conexão, sistema operacional, informações de browser, endereço IP, informação de rede móvel, identificadores de dispositivo e localização. E eles se dão o direito de compartilhar estes dados com terceiros sem definir o que constitui “terceiros”, incluindo os números de celular dos contatos. Além do mais, o teor de conversas com contas empresariais também poderá ser compartilhado.

Foi para alertar as autoridades e sociedade civil brasileiras que a SumOfUs, ONG internacional de proteção ao consumidor com mais de 18 milhões de membros no mundo, encomendou parecer jurídico imparcial que constatou a ilegalidade da política e notificou os órgãos responsáveis: a iniciativa do WhatsApp fere claramente o Código do Consumidor, o Marco Civil da Internet e a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).

Seria ingenuidade acreditar que é por mera coincidência que ela será implantada durante a pandemia, quando milhões de pessoas dependem do aplicativo para se comunicar e/ou trabalhar. As autoridades brasileiras estão, aos poucos, a exemplo dos órgãos estaduais de São Paulo, PROCON e Defensoria Pública, percebendo que essas normas têm de ser esclarecidas. Mas é preciso agir rápido e de forma contundente como fizeram a Índia, Turquia, Alemanha e União Europeia, que proibiram a nova política até que seja investigada.

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Perder o controle dos dados pessoais coletados e para o que serão utilizados é perder o controle de nós mesmos. É no on-line que decisões cruciais de nossas vidas são tomadas. Nossas informações, colhidas e cruzadas a partir de nossos rastros de navegação, inclusive e principalmente nas redes sociais, alimentam os “sistemas” e os “algoritmos” e dali passam a ditar nossa vida prática.

O crédito pré-aprovado, a categoria de seguro de saúde e carro, as chances de seu currículo ser selecionado, a qual investimento você tem acesso. Tudo. Do rico ao pobre, somos todos afetados. A política do WhatsApp reflete a arrogância e o faroeste normativo no qual as bigtechs atuam. Portanto, se essa política passar no Brasil, abrirá um precedente perigosíssimo. Mas não precisa ser assim.

O Brasil tem uma das legislações de proteção do consumidor e direitos digitais mais completas e respeitadas do mundo. Estamos com a faca e o queijo na mão para usar todo esse aparato e ser um exemplo global nesse campo. Além do mais, é preciso tornar este debate popular. Precisamos, como sociedade, entender que temos direitos e essas empresas têm deveres, como toda relação comercial. Seus dados são seus.

* Flora S. Rebello Arduini é coordenadora sênior da SumOfUs, ONG internacional que luta por respeito aos direitos humanos e ambientais pelas grandes empresas. Formada em Relações Internacionais pela Universidade de Milão, mestrado em Direitos Humanos pela Universidade de Maastricht.

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