Ao observar uma família em um café de Nova York, o fotógrafo americano Eric Pickersgill teve a ideia para o incômodo ensaio que inclui os retratos acima. “Estavam distantes uns dos outros”, anotou Eric naquele momento. “Não conversavam. O pai e as duas filhas viam seus celulares. A mãe ou não tinha um, ou escolheu deixá-lo de lado. Olhava pela janela, triste.” A cena tem um quê de banalidade aos olhos de hoje, comuníssima. Basta olhar para o lado. A grande ideia do artista foi clicar indivíduos debruçados em smartphones ou tablets para depois apagar os aparelhos da imagem.
O resultado, inquietante, revela um mundo exageradamente colado a equipamentos eletrônicos plugados na internet, como se a realidade dependesse deles para existir — o que, naturalmente, é irreal. Não tardou, diante de tanta ansiedade, para surgir uma nova onda. Do inglês: JOMO, o acrônimo de “joy of missing out”, a alegria de perder algo. Na maioria das vezes, o abandono significa deixar para depois a avalanche de informações que brotam do WhatsApp, do Facebook, do Instagram, do Twitter. “JOMO é a satisfação de saber que não é necessário estar constantemente em busca de oportunidades e conhecimento on-line”, disse a VEJA o psicólogo dinamarquês Svend Brinkmann, professor na Universidade de Aalborg (Dinamarca) e autor do livro de título óbvio e inescapável, The Joy of Missing Out (2019).
O JOMO é a resposta ao FOMO, o “fear of missing out”, o medo de perder algo, que levou o cidadão do século XXI a andar de olhos firmemente grudados em telas. E, insista-se, o algo esteve sempre conectado. O vício — chamemos assim — do FOMO virou doença moderna, tratada como distúrbio em consultórios psiquiátricos. Era esperado, como acontece em momentos de exagero, que viesse o troco.
O nome do jogo, agora, é desplugar-se — mesmo que não seja a regra, longe disso. Uma pesquisa realizada na Inglaterra com mais de 2 200 millennials — os jovens nascidos entre o começo da década de 80 e os anos 1990 — mostrou que 78% deles já praticam o JOMO de forma regular, e conscientemente. Um dos efeitos desse comportamento é o resgate de hábitos antigos, e não há até agora postura saudosista. Trata-se de não jogar na lata de lixo da história o que ainda tem imenso valor, educativo e lúdico, simultaneamente. Como ouvir discos de vinil — as vendas dos bolachões aumentaram em 50% em 2017, em aparente contramão na estrada da era do streaming. Ou entreter-se com RPG de mesa, aquele jogo no qual se interpretam papéis variáveis, como magos, guerreiros, vampiros etc., enquanto um “mestre” imagina o cenário da aventura.
Reflexo dessa vontade de dar um freio de arrumação é o estrondoso sucesso de um RPG brasileiro, o Tormenta 20. Totalmente analógica, avessa a avanços tecnológicos, a brincadeira de mesa quebrou o recorde de captação de recursos por meio de sites nacionais de financiamento coletivo. No Catarse, faturou quase 2 milhões de reais. “O fato de vivermos em uma época tão conectada é que nos leva a tentar o oposto”, diz Guilherme Dei Svaldi, editor-chefe da Jambô, a editora de Tormenta. “Quando se passa o dia olhando para uma tela, tudo o que você começa a querer é contato humano — e o jogo proporciona isso.”
Vale, na postura JOMO, para além do contato humano, tentar se concentrar, profundamente, em alguma atividade — ainda que, perdão, ela seja praticada na web. O problema não é a internet. O nó é a internet ter virado oxigênio. É ruim trabalhar e ao mesmo tempo ouvir música, mandar “zaps”, checar o Facebook… E simplesmente não prestar atenção na pessoa que está ao seu lado. “O JOMO é expressão de alegria de se dedicar a um interesse, ainda que seja só uma boa conversa”, diz o psicólogo Brinkmann. Um teste: se a resposta à seguinte pergunta for “não”, há um bom caminho — “eu deveria estar fazendo outra coisa?”.
Publicado em VEJA de 11 de dezembro de 2019, edição nº 2664