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O futuro da inteligência artificial

Ela já faz parte do cotidiano, mas as próximas ondas de inovação definirão o mundo como o conhecemos

Por Sergio Figueiredo Atualizado em 12 mar 2021, 16h12 - Publicado em 8 jan 2021, 06h00

Em janeiro de 1921, há exatos 100 anos, estreava a peça A Fábrica de Robôs, do escritor checo Karel Tchápek. Misto de ficção e crítica social, o texto de Tchápek — disponível em português — fazia uma previsão assustadoramente acurada do futuro, considerando-se que foi escrito quando a linha de produção de Henry Ford não tinha nem dez anos de funcionamento. Da fábrica imaginada pelo escritor checo saíam seres mecânicos feitos para substituir o homem em atividades braçais, causando uma crise social. O termo original robot, usado pela primeira vez na peça, foi adotado pelas principais línguas europeias até se tornar corriqueiro. E, uma vez que hoje é ouvido à exaustão, é fundamental saber que advém do substantivo feminino robota, que significa “trabalho forçado” ou “escravidão”.

Contudo, os robôs continuam a ser mal compreendidos. Em uma rádio paulistana, um comentarista afoito, ao ouvir a notícia de que 30% da mão de obra seria substituída por autômatos até 2030, prometeu nadar no rio poluído da cidade se isso acontecesse. Se alguém lhe explicasse que robô não é a máquina da antiga série Perdidos no Espaço, ele retiraria a promessa. A IA (inteligência artificial) está entre nós há algum tempo e não para de se espalhar. Enquanto você lê esta reportagem, um chip acaba de ganhar mais capacidade de processamento e, em algum lugar do mundo, um novo software foi inventado ou instalado para realizar a função que antes era de uma, dez ou 100 pessoas.

Em fevereiro de 2020, nos Emirados Árabes, um robô conduziu uma orquestra com músicos de carne e osso. Foi a melhor performance de Alter 3, androide japonês que marcou sozinho o ritmo da música e até cantou. Mas os céticos disseram que ele havia sido apenas o maestro da sinfonia, não seu compositor. Eles seriam menos ferinos se soubessem que, na Califórnia, o programa de computador Experiments in Musical Intelligence (EMI) aprendeu, por sete anos, tudo sobre Bach, um dos maiores compositores clássicos, para então fazer a própria música. Diante de uma plateia, três peças foram executadas por pianistas: uma composição do EMI, uma original de Bach e uma terceira de Steve Larson, autor contemporâneo. Ao final, o público foi convidado a apontar quem tinha feito o quê. A maioria disse que a peça de Bach fora composta por Larson, que Larson era o computador e, espantosamente, que a música do EMI era Bach autêntico.

O que se conclui dos dois casos é que, se a IA terá ou não forma humanoide, é irrelevante. O que faz um robô aprender, indo além de sua programação original, é o Deep Learning, ou aprendizado profundo, constituído de velocidade de processamento e volume de dados. Durante 100 anos, desde a peça de Tchápek, cientistas da computação correram atrás do cálice sagrado que temos hoje: poderosos programas e bilhões de pessoas municiando-os de dados, voluntariamente ou não.

Isso nos traz ao momento de transformação que o doutor em computação, o taiwanês-americano Kai-Fu Lee, define como as “quatro ondas de IA”. Segundo Lee, autor de um reputado livro sobre o tema, duas dessas ondas já estão em andamento. A primeira é a da internet, que já mudou hábitos de compra, relacionamento, educação e informação, apenas para citar alguns. Nessa fase, a IA aprendeu mais do que ensinou, já que a internet extrai de nós mais dados do que nós pegamos dela. E foi isso que viabilizou a segunda onda: o Banco Central acaba de lançar o Pix, que permite pagamentos sem cartão e transferências instantâneas. Trata-se de mais um avanço em serviços já oferecidos por aplicativos de transporte, música e comida. O Pix não passa de um escravo cibernético, mas a cada transferência ele aprende mais sobre o usuário.

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As demais ondas, quando arrebentarem na praia, mudarão a paisagem para sempre. A seguinte é a da percepção: os dispositivos da Amazon já conversam com pessoas, mas em breve todos os eletrodomésticos se comunicarão com seus donos de uma forma ou de outra. Geladeiras estarão conectadas ao mercado para que nunca falte o que o cliente deseja, enquanto sensores sofisticados monitorarão a saúde substituindo exames de rotina. Mas o maior desafio, tanto para implementar quanto para lidar com as consequências, será a quarta onda: a da automação. É vital esclarecer que autônomo não é o mesmo que automático. Robôs de verdade não necessitam de supervisão: são drones que se autoabastecem e decolam para pulverizar a plantação ou caminhões que vão de um ponto a outro sem interferência humana. Para chegar a esse estágio, as máquinas continuarão aprendendo com os dados que são fornecidos a elas, não por programadores, mas por bilhões de pessoas. Teoricamente, se a IA da Tesla pudesse ver como todos os motoristas dirigem, os carros autônomos já estariam à venda. E o que será da humanidade quando a quarta onde chegar? Analistas estimam que a IA adicionará mais de 15,7 trilhões de dólares à economia mundial até 2030. Por outro lado, profissões como contador, bancário, operador, controlador, caminhoneiro, assistente jurídico e muitas outras estarão extintas antes que esta década acabe. Kai-Fu Lee afirma que a China superará os Estados Unidos em IA porque terá mais hardware e mais dados sem as restrições de privacidade ocidentais. Analistas e jornalistas, ele vaticina, também precisarão arrumar outra coisa para fazer. Em relação aos últimos, pelo menos, tomara que Lee esteja errado.

Publicado em VEJA de 13 de janeiro de 2021, edição nº 2720

 

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