“A proposta é usar todo o nosso conhecimento para construir um programa de computador que saiba e, também, conheça”, resumiu o cientista da computação John McCarthy, em 1956, durante uma conferência na Universidade Dartmouth, nos Estados Unidos, na qual apresentou o termo “inteligência artificial”. Naquele momento, era formalizada a busca por máquinas capazes de livrar os seres humanos de tarefas repetitivas, além de ser atualizada, por um novo termo, uma antiga ambição humana que nasceu muito antes dos chips de silício. Uma lenda judaica já apresentava, milênios atrás, a ideia de um ser artificial pensante, o Golem, feito de barro e subserviente aos homens. Na Idade Média, alquimistas chegaram a sonhar em dar vida à criatura por eles batizada de Homunculus. O tempo tratou de fortalecer esse desejo e a ciência o converteu em realidade. Hoje em dia, a inteligência artificial (IA) se faz onipresente.
Para se ter uma ideia clara de como a inteligência artificial está ativa na vida moderna, basta visitar a loja física do mercado Zaitt, em São Paulo. Nela, não há humanos em nenhum ponto do atendimento. Quando o cliente escolhe um item nas gôndolas, sensores de movimento conectados a um poderoso software monitoram se o produto foi escaneado no caixa. Na hora de pagar, não há fila: o valor é debitado da conta do cliente, que teve de se cadastrar antes de entrar no estabelecimento. Para isso, basta passar o celular em um sensor que está sincronizado com um aplicativo bancário. Nesse exemplo, trabalhadores humanos existem só nos bastidores, recebendo as ordens da IA que faz o balanço dos produtos que devem ser repostos.
As inovações geradas pelo desenvolvimento tecnológico estão inseridas até em atividades que, teoricamente, precisam do olhar humano. Na cervejaria Ambev, uma máquina está encarregada de selecionar novos talentos para a empresa. Logo após os candidatos se inscreverem no site da companhia e realizarem uma série de testes, as informações são imediatamente capturadas pela IA e analisadas por algoritmos que sabem, graças a escolhas anteriores, apontar quais são os melhores profissionais para determinadas vagas. Um dos pontos positivos de incumbir a IA de realizar a tarefa é que são desconsideradas pelo robô as informações pessoais, como gênero e idade, dos candidatos. “Na triagem feita pela máquina, são avaliadas somente as competências, evitando uma escolha enviesada”, diz o gerente de recrutamento e seleção da Ambev, Caio Zaio.
O mundo admiravelmente novo criado pela inteligência artificial provocará efeitos colaterais severos. O mais visível deles diz respeito aos empregos que poderão ser perdidos com o avanço inexorável das máquinas. Em outras palavras: muitos humanos vão ficar para trás. Um levantamento da consultoria americana McKinsey mostra que 50% das atividades tidas como repetitivas estão em processo de serem completamente transferidas para a IA até a próxima década. Em todo o mundo, o legado da mecanização avançada será de 800 milhões de pessoas sem oportunidades de trabalho. Outro estudo, dessa vez realizado pela Universidade de Oxford, na Inglaterra, virou meme ao pôr no ambiente on-line um sistema que indica quais são as chances de muitas carreiras serem extintas pela ascensão dos computadores (veja o quadro). Apesar de a análise ainda ser vista como brincadeira, é muito alta a probabilidade de profissões facilmente automatizáveis, como a de operador de telemarketing, sumirem do mapa de empregos nos próximos dez anos.
Mesmo os profissionais mais capacitados terão de absorver competências novas para não correr o risco do desemprego. Quem estiver disposto a aprender — ou, se for o caso, a se reinventar – poderá encontrar oportunidades. De acordo com a Associação Brasileira das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação (Brasscom), a demanda média por programadores com competências como a criação de códigos de IA deve ser de 70 000 profissionais por ano até 2024. E há também as atividades que não deverão ser afetadas. São aquelas que exigem capacidades demasiadamente humanas e que envolvem sensibilidade e perspectivas que só um cérebro biológico é capaz de oferecer. Ou seja: humanizar-se parece ser a escolha certa para garantir trabalho no futuro.
Publicado em VEJA de 5 de agosto de 2020, edição nº 2698