A volta apoteótica das velhas polaroides
Ao preencherem a necessidade dos jovens da era digital por imagens palpáveis e duráveis, as fotografias instantâneas foram resgatadas para virar fetiche
O casamento dos atores Thaila Ayala e Renato Góes foi uma festança como se espera das bodas de celebridades. Realizado há três semanas em Olinda, o evento reuniu 400 convidados que vararam a madrugada se refestelando em torno de uma mesa que aludia à Última Ceia. Mas era o bolo que captava o “espírito instagramável” reinante: em vez dos bonecos na forma dos noivos, a iguaria era decorada com duas fotos instantâneas do casal, capturadas na cerimônia. Os convidados também podiam posar para as câmeras — e levar os registros para casa. Atualmente em alta em casórios e afins, esse tipo de celebração atesta um novo fenômeno da era millennial: a volta apoteótica das velhas fotografias instantâneas.
Surgida nos Estados Unidos na década de 40, a máquina que produz registros instantâneos — ou seja, impressos na hora no clássico filme com bordas brancas — se tornaria um fetiche nos anos 1970 e 1980. Na virada do século, a praticidade oferecida pelas máquinas digitais (e pelas câmeras dos smartphones) levou a fotografia analógica a um cenário insustentável. De queridinha por gerações, a Polaroid caiu no ostracismo. A empresa — cujo nome virou sinônimo de seu produto — faliu duas vezes e teve três donos entre 2001 e 2009. O caminho do ocaso parecia ser o destino inevitável também de sua rival, a japonesa Fujifilm. Até que uma notável mudança geracional veio resgatar os instantâneos do limbo.
Nos últimos quatro anos, as câmeras Instax, linha instantânea da Fujifilm, registraram aumento de 160% nas vendas globais. Só em 2019 já foram comercializados 10 milhões de unidades. O número é espantoso para um mercado que quase deixou de existir — e cujo ponto de virada se deu em 2009, quando a última fábrica da Polaroid, na Holanda, foi comprada por um fã disposto a resgatar seu glamour, o empresário austríaco Florian Kaps.
À maneira da ressurreição do vinil, o retorno da Polaroid tem a ver com a nostalgia ilimitada dos jovens millennials — que sentem saudade de coisas que nem viveram de fato. Esse apelo vintage explica o burburinho em torno de obras como Linda McCartney: The Polaroid Diaries, volume recém-lançado de fotos familiares registradas por três décadas pela ex-mulher do beatle Paul McCartney, morta em 1998. A adesão de celebridades, de Madonna a Bruna Marquezine, turbinou a tendência. Taylor Swift elaborou a identidade visual de seu álbum 1989, lançado em 2014, com polaroides. O resultado foi tão positivo que Taylor foi creditada como salvadora da marca pelo então CEO da empresa. A concorrência não titubeou: a Fujifilm criou uma versão da Instax assinada pela cantora.
O retorno da fotografia instantânea espelha a necessidade que a juventude de hoje sente de preencher certa lacuna deixada pela revolução digital. Com sua mania de clicar tudo o tempo inteiro para publicar no Instagram, ela viu a fotografia perder seu caráter único para se tornar um ato trivial. Com sede de diferenciação, os jovens acharam na velharia uma maneira de dar identidade a seus registros — tornando-os não só únicos, mas duráveis e palpáveis em meio à cacofonia de imagens virtuais. “As câmeras digitais democratizaram o simples, a foto perfeita. Mas as fotos instantâneas proporcionam ao fotógrafo o desafio, o significado especial”, disse a VEJA Oskar Smolokowski, CEO mundial da Polaroid. A opinião do executivo vai ao encontro do que diz Livia Camargos, estudante de 20 anos e fã típica: “A gente acaba tirando fotos à toa, sem perceber que fotografia é uma arte. A câmera instantânea ajuda a lembrar que precisamos pensar antes de apertar o botão”.
Como nem os millennials são de ferro, as marcas têm investido em inovações para fundir o apelo das polaroides às facilidades das câmeras digitais. A Instax lançou uma linha de impressoras de fotos instantâneas. Já a Polaroid tem um dispositivo que transforma fotos de smartphone em fotografias físicas — faz espécies de fotos analógicas das fotos digitais. “Todo mundo gosta de polaroide porque é como se você aplicasse um filtro do Instagram à foto mas não soubesse como vai ficar”, diz o fotógrafo Antonio Barros, que já fez instantâneos de celebridades como Rihanna e Karl Lagerfeld. Nada mais eterno que um prazer instantâneo.
Publicado em VEJA de 23 de outubro de 2019, edição nº 2657