Fazer flexões ou abdominais com roupa molhada e levando choque em diversas partes do corpo não parece ser a mais agradável das atividades, mas trata-se de uma tendência fitness cada vez mais procurada pelos brasileiros. Antes restritas a celebridades e atletas de elite, as máquinas de eletroestimulação muscular (EMS, na sigla em inglês) chegaram às academias e parecem responder perfeitamente aos anseios de uma sociedade apressada — “ligada no 220”, para usar uma expressão recorrente.
As sessões duram menos de meia hora e são, obrigatoriamente, acompanhadas por um profissional responsável por controlar a carga dos impulsos. Os choques acontecem durante quatro segundos (intercalados pelo mesmo período de descanso) e são leves. Provocam um formigamento suportável e alguns clientes relatam cócegas como efeito colateral. Sua eficácia é incontestável. “Vinte minutos de EMS equivalem a um treino convencional de mais de uma hora”, diz Marcio Lui, personal trainer de famosas como Sabrina Sato e Yasmin Brunet. “O EMS potencializa o resultado, pois estimula mais de 300 músculos de uma vez e atinge camadas mais profundas da musculatura que nenhum outro exercício consegue atingir.”
Os choques funcionam para o ganho de força, resistência, tonificação muscular, emagrecimento, prevenção e tratamento de lesões. E o melhor: os resultados aparecem em poucas semanas. “A diferença de tônus muscular é visível”, afirma a apresentadora Adriane Galisteu, adepta da modalidade. “Antigamente, fazíamos tratamento de celulite com os choques da chamada corrente russa. Essa é uma versão muito melhorada.”
Os eletrodos foram desenvolvidos na Alemanha e funcionam ao entrar em contato com roupas específicas e umidificadas, capazes de conduzir eletricidade aos músculos. Atualmente, existem pelo menos três marcas reconhecidas que fabricam o aparelho. Qualquer pessoa pode contratar um personal trainer e usar um espaço da academia para a prática dos exercícios. Os treinos em estúdios custam, em média, 120 reais, mas é possível obter descontos em planos de longo prazo, o que explica a explosão da atividade.
A alemã Miha, líder global do setor, informa que vendeu 24 equipamentos (custam cerca de 100 000 reais) e abriu dez clínicas especializadas em 2020. Agora, tem 150 parceiros nas cinco regiões do Brasil, entre academias e estúdios de bem-estar. Mas atenção: por sua intensidade, o trabalho deve ser realizado no máximo duas vezes por semana e com alguns dias de intervalo. É contraindicado para grávidas, pessoas com marca-passo cardíaco ou implantes, além de portadores de doenças como hérnia, tuberculose e hemofilia.
Nem mesmo o novo coronavírus, que fechou academias durante alguns meses, freou o sucesso da eletroestimulação. Ao contrário, tornou o procedimento ainda mais praticado. “As atividades são realizadas de forma individual, em espaços específicos e arejados e com a devida higienização”, diz a personal Cau Saad, dona de um dos principais estúdios da capital paulista que atende, inclusive, idosos. “É ótimo para eles, é bom para a postura, reduz dores e dá disposição.” Nas academias, o uso de máscara é obrigatório; nos treinos em casa, como o de Adriane Galisteu, é opcional.
Os estímulos elétricos são conhecidos desde o século XVIII e se desenvolveram nas últimas décadas, primeiro pelas mãos dos antigos soviéticos e depois por outros países da Europa. Heróis do esporte consideram os choques aliados dos treinamentos. O jamaicano Usain Bolt, o homem mais veloz de todos os tempos, e o tenista espanhol Rafael Nadal tornearam os músculos graças ao EMS. No futebol, o Bayern de Munique, que conquistou a última Liga dos Campeões com sobras e que exibiu uma capacidade física superior mesmo após a parada pela pandemia, usa há mais tempo a tecnologia. No Brasil, o Corinthians trocou recentemente a tradicional máquina alemã por uma nova tecnologia espanhola, que funciona sem fios, via bluetooth. “Dá para conciliar a estimulação neuromuscular com corrida ou bicicleta”, explica Joaquim Grava, o médico que batiza o centro de treinamento do clube. Em Pernambuco, um fisioterapeuta vem utilizando o EMS com sucesso no tratamento de pacientes que relataram fadiga após se curarem da Covid-19. “A eletroestimulação acelera a recuperação neuromuscular, cardiorrespiratória e metabólica”, diz Francimar Ferrari Ramos, que trabalha no Hospital Esperança, do Recife. Ele utilizou o método em mais de vinte pacientes e, em breve, pretende publicar um estudo para comprovar a eficácia do tratamento. Nessa nova onda, os brasileiros parecem mesmo estar ligados.
Publicado em VEJA de 14 de outubro de 2020, edição nº 2708