A descriminalização do aborto até a 12ª semana de gestação é tema de audiência pública no Supremo Tribunal Federal (STF). O debate, que começou nesta sexta e termina na próxima segunda-feira, vai contar com a presença de mais de vinte especialistas da área da saúde, cientistas, religiosos e representantes de entidades de direitos humanos que devem se revezar no plenário da Primeira Turma do STF para apresentar diferentes posicionamentos e argumentos sobre o assunto. Na próxima segunda, a discussão será retomada.
Atualmente, no Brasil, a interrupção da gravidez é considerada legal em casos de estupro, fetos anencéfalos ou risco de vida para a gestante. Quem pratica o aborto fora desses aspectos pode ficar preso por até três anos.
Dos 53 expositores que participam da audiência, 33 devem apresentar argumentos favoráveis à legalização do procedimento. A organização Global Health Strategies, que antecipou o teor das falas da sessão, também apurou que 42% das argumentos em defesa da liberação do aborto serão articuladas a partir de dados científicos. O levantamento ainda constatou que 43,7% dos palestrantes é formado por especialistas da área jurídica; 82% deles é a favor da descriminalização. A mesma opinião prevalece entre os especialistas da área da saúde.
Do lado contrário ao aborto, informações com respaldo científico vão ser adotadas por apenas 1,9% dos participantes e mais da metade (55%) pretendem usar princípios religiosos como base das apresentações.
Autoridades da Organização Mundial da Saúde (OMS), do Ministério da Saúde, do Congresso Nacional e representantes de outras instâncias governamentais também devem participar das audiências.
Como funciona a audiência
Ao longo das duas datas, os candidatos habilitados serão distribuídos em dois turnos para defender sua posição durante 20 minutos. Ao final de cada bloco, eles poderão ser questionados pelos ministros da Corte, a fim de esclarecer algum ponto de sua manifestação, no chamado espaço deliberativo, que terá duração máxima de meia hora.
De acordo com o STF, a escolha dos expositores foi baseada em critérios como representatividade técnica na área e atuação (ou expertise) com relação ao assunto. Além disso, o tribunal destaca que buscou garantir equilíbrio entre os perfis dos participantes favoráveis à causa e os opositores. “Falar de democracia constitucional sem compreender os valores fundamentais que a viabilizam é incidir em mera retórica e indesejáveis palavras vazias”, comentou Rosa Weber, ministra do STF e relatora da ação.
“Este é um espaço de liberdade e estamos garantindo o princípio de pluralidade nesta audiência”, disse Cármen Lúcia, presidente do STF, ao abrir a sessão. Ela ainda destacou que “todas as opiniões são dignas de serem ouvidas e acreditadas”.
Depois das audiências, Rosa Weber vai avaliar o material e elaborar seu voto. Em seguida, deve encaminhar para a presidente do STF, que coloca o tema em pauta. O julgamento em que todos os ministros do Supremo podem votar é marcada por determinação de Cármen Lúcia. No entanto, não há um prazo para que isso aconteça. O período de decisão para temas semelhantes, como aborto em caso de anencefalia e uso de embriões para pesquisa em células-tronco, foi de 3 e 8 anos.
‘Ilegalidade mata’
Em 2017, levantamento conduzido pela Defensoria Pública do Rio de Janeiro mostrou que ao menos 42 mulheres que fizeram aborto no estado, entre 2005 e 2017, foram processadas e respondiam a processo criminal. A maioria delas era negra, pobre, tinha entre 22 e 25 anos e já era mãe.
Segundo Maria de Fátima Marinho de Souza, diretora do Departamento de Vigilância de Doenças e Agravos não Transmissíveis e Promoção da Saúde, uma em cada cinco mulheres já interrompeu a gravidez até os 40 anos; dados confirmados pela Pesquisa Nacional do Aborto, realizada em 2016, pela Anis Instituto de Bioética. Além disso, cerca de um milhão de abortos induzidos são realizados anualmente no país.
A médica afirmou que os procedimentos realizados de forma insegura resultam em 250 mil hospitalizações por ano, 15 mil complicações – 5 mil extremamente graves com risco de vida – e outras 203 mortes por ano. “É quase uma morte a cada dois dias. Essa carga gera superlotação, dificuldade de lidar com as complicações, traz para o SUS [Sistema Único de Saúde] sobrecarga evitável e gera custos humanos e financeiros”, alertou.
De acordo com uma reportagem da Folha de S. Paulo, entre 2008 e 2017 o SUS gastou 486 milhões de reais com internações para tratamentos relacionados a complicações do aborto: 75% delas foram provocadas. Ainda foi revelado que, entre 2000 a 2016, ocorreram ao menos 4.455 mortes de mulheres em decorrência da prática abortiva. Maria acrescentou que são as mulheres pobres, jovens e negras que mais sofrem as consequências por não terem acesso aos processos que, ainda ilegal, são mais seguros.
Entre 2006 e 2015, o Ministério da Saúde contabilizou 770 óbitos de mulheres por complicações após procedimentos de aborto. De acordo com a pasta, o aborto é a quarta causa de mortalidade materna no Brasil. Especialistas acreditam que esses números sejam ainda maiores.
(Com Agência Brasil)