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Por que cresceu o número de turistas com surtos psicóticos em viagens?

Síndrome de Jerusalém, síndrome de Paris, de Stendhal... Esse tipo de doença que afeta turistas em visitas a centros históricos e religiosos já tem até nome

Por Redação
Atualizado em 28 Maio 2019, 19h48 - Publicado em 27 Maio 2019, 18h16

Imagine planejar a viagem dos sonhos para uma cidade histórica e, ao chegar lá, ter um surto psicótico. Parece estranho, talvez improvável? Mas é algo que está acontecendo há anos com diversos turistas no mundo inteiro — e o número não para de crescer. Em 2017, por exemplo, um homem de 29 anos, natural da Irlanda do Norte, estava em passeio por Israel quando desapareceu. Evidências encontradas no local onde ele foi visto pela última vez sugerem que o turista pode ter sido afetado pela síndrome de Jerusalém, considerado um estado psicótico ligado a experiências religiosas. Segundo especialistas, indivíduos que sofrem desse transtorno ficam paranoicos, obcecados e, às vezes, desaparecem.

Ele não foi o único. Um grupo de japoneses que visitava a França desenvolveu a síndrome de Paris. Esta surge quando a psicose está associada a quebra de expectativas, ou seja, a cidade visitada não é como na imaginação dos visitantes. Na Itália, um artista de 72 anos visitou a Ponte Vecchio, famoso cartão-postal da cidade de Florença, quando se convenceu de que estava sendo monitorado. Na mesma cidade, uma mulher de 40 anos achou que estava sendo seguida pelas ruas e que a mídia local estava constantemente escrevendo ou falando sobre ela. Os psiquiatras chamaram o problema de síndrome de Stendhal, provocado pela emoção de estar diante de obras de arte de valor inestimável.

Mas por que cidades históricas podem despertar transtornos mentais? De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), questões de saúde mental estão entre as principais causas de problemas de saúde entre turistas, com inúmeras “emergências psiquiátricas” sendo registradas pelo mundo. Geralmente, esses viajantes já têm uma condição psiquiátrica não identificada ou são afetados pelas condições de viagem, como longos voos, fuso horário e ansiedade, por exemplo.

Marco histórico

Pode parecer que esses eventos estão relacionados à modernidade, cheia de stress, à necessidade de otimizar os passeios turísticos ao máximo e à criação de expectativas altas e a incapacidade de lidar com a decepção subsequente. No entanto, especialistas indicam que esses casos vêm acontecendo antes mesmo da internet. Na Itália, por exemplo, o caso que deu nome à síndrome de Stendhal ocorreu em 1817. Já entre 1977 e 1986 foram registrados pelo menos 100 casos de turistas que frequentaram o hospital Santa Maria Nuova apresentando sintomas como palpitações, sudorese, dor torácica, tontura, desorientação, sensação de alienação, perda da identidade e até mesmo alucinações – características da síndrome.

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Algumas sintomas manifestam-se de forma física. Na Galeria Uffizi, também na Itália, um turista teve convulsão enquanto olhava para a pintura a Primavera de Sandro Botticelli. Uma das obras mais famosas do pintor italiano, O Nascimento de Vênus, pode ter sido a causa do ataque cardíaco de um turista que visitava o museu. Além disso, recentemente o local precisou socorrer um visitante que desmaiou diante do quadro Medusa, de Caravaggio. Para o diretor da galeria, o museu “constitui uma possível fonte de stress emocional, psicológico e até mesmo físico”, disse ao jornal italiano Corriere Della Sera, após o evento do ataque cardíaco.

No caso desses turistas, os fatores desencadeantes são a magnificência da arte e arquitetura da cidade. “Tudo isso foi resultado de uma personalidade impressionável, do stress das viagens e do encontro com uma cidade como Florença, assombrada por fantasmas dos grandes artistas, da morte e da perspectiva da história. Era tudo grandioso demais para o turista sensível”, explicou a psiquiatra florentina Graziella Magherini à BBC.

Marco religioso

Além da importância histórica, algumas cidades se destacam pela religiosidade, afetando o emocional de turistas religiosos. No Centro de Saúde Mental Kfer Shaul de Israel, por exemplo, uma média de 100 turistas foram recebidos por ano na virada do milênio; destes, cerca de quarenta precisaram de internação hospitalar. Segundo os médicos da instituição, a maioria eram cristãos, mas havia judeus e muçulmanos na contagem. Estudo publicado no British Journal of Psychiatry indica que a cidade “evoca a sensação do sagrado, do histórico e do celestial”, desencadeando uma forma de psicose batizada de síndrome de Jerusalém.

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A religiosidade extrema ou uma condição psiquiátrica prévia, como transtorno bipolar e esquizofrenia, pode levar às pessoas a desenvolver um delírio de missão sagrada. Esse delírio pode estar relacionado à constatação de que o ícone religioso é uma cidade como outra qualquer, destruindo o que havia sido imaginado. Nesses lugares, a desvalorização do sagrado pode despertar comportamentos psicóticos ligados ao fanatismo religioso.

Por exemplo, um turista americano diagnosticado com esquizofrenia passou a treinar em casa e se identificou cada vez mais com o personagem bíblico Sansão. O homem foi a Israel com o intuito de mover os blocos de pedra do Muro das Lamentações. No livro de Juízes, Sansão é descrito como um homem forte que derrubou os pilares do templo de Dagom, sacrificando a si mesmo para matar milhares de inimigos em um ato final de heroísmo. Já para o americano, a história terminou com internação, antipsicóticos e uma volta para casa acompanhado pelo pai.

Variedade de sintomas

Alguns turistas experimentam sintomas físicos, outros psicológicos. Eles podem ser estimulados por vários fatores, como insônia, desidratação, fuso horário, álcool durante o voo ou pílulas para dormir. O medo de voar, a ansiedade e as altas expectativas também interferem. Some-se a isso o stress de passar pela segurança aeroportuária, longas filas fora dos museus, barreiras linguísticas e diferenças culturais. Muitos podem não conseguir lidar com os agravantes e ter um surto psicótico, que em alguns casos chega a durar uma semana. A única cura, dizem os especialistas, é o distanciamento físico do local.

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