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O “dia D” da Lava-Jato

O plano da Polícia Federal para prender o ex-presidente Lula envolve 350 agentes, avião, helicóptero e até apoio militar

Por Laryssa Borges Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 2 mar 2018, 06h00 - Publicado em 2 mar 2018, 06h00
(Vagner Rosário; Infraero; Marcelo Camargo/Ag. Brasil; Leonardo Benassatto/Reuters; Evelson de Freitas/Folhapress; Aviation Pictures/VEJA)

Em março de 2016, o ex-presidente Lula, ao ser submetido a um mandado de condução coercitiva, ameaçou dois delegados e quatro agentes da Polícia Federal que participaram da operação: “Eu vou voltar a ser presidente em 2018 e lembrarei de cada um de vocês. Me aguardem”. Dois anos depois, o reencontro decisivo entre Lula e os investigadores da força-­tarefa da Lava-­Jato está prestes a se realizar, mas não da forma imaginada pelo ex-­presidente. Condenado pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região a doze anos e um mês de prisão, Lula tornou-se inelegível e será recolhido ao cárcere tão logo seu recurso contra a sentença seja julgado no TRF4, o que deve ocorrer a partir do próximo dia 23. A cadeia, se nenhuma reviravolta acontecer, é uma questão de dias. Por isso, um grupo restrito de delegados e agentes da PF vem discutindo, há três semanas, um plano para cumprir a ordem de prisão de Lula. O trabalho é sigiloso. Até o planejamento operacional foi registrado nos arquivos da polícia apenas como uma sequência numérica. O objetivo é impedir o vazamento de informações que dificultem o cumprimento da missão.

Pelo roteiro traçado até agora, todo o efetivo da Superintendência da Polícia Federal em Curitiba, de cerca de 350 pessoas, estará de prontidão para trabalhar no dia da prisão de Lula, chamado de o “Dia D” da Lava-Jato na corporação. A Polícia Militar também já foi acionada e alertada para a necessidade de conter protestos nas ruas e isolar as avenidas consideradas estratégicas para a segurança da operação. A Infraero, estatal responsável pelos aeroportos, tem recebido informes sobre como Lula, depois de preso, viajará de São Paulo a Curitiba, se realmente tiver de cumprir a pena na capital paranaense. A Polícia Federal em Brasília já disponibilizou um jato para o deslocamento do ex-presidente. Desde março de 2014, quando a Lava-Jato foi deflagrada, o juiz Sergio Moro expediu 212 ordens de prisão, mas nenhuma delas provocou o impacto político e simbólico que pode ter uma ordem de prisão contra Lula, o mandatário mais popular do país desde a redemocratização e o atual líder nas pesquisas eleitorais. Ciente do peso da biografia do alvo, a PF quer evitar erros cometidos em ações anteriores, para não vitaminar o discurso de Lula segundo o qual ele tem sido vítima de uma caçada judicial. Já foi acordado, por exemplo, que não haverá o uso de algemas nem de camburão.

A Polícia Federal espera deter Lula em sua casa em São Bernardo do Campo (SP), mas está disposta a negociar com a defesa do ex-presidente o local de rendição. Se for recolhido em São Paulo, Lula será encaminhado ao Aeroporto de Congonhas, provavelmente com destino ao Aeroporto Afonso Pena, em Curitiba. Diz-se “provavelmente” porque caberá à Justiça definir onde se dará o cumprimento da pena. Na capital paranaense, Lula fará exame de corpo de delito no Instituto Médico- Legal (IML) ou no próprio aeroporto, ao desembarcar. O passo seguinte ainda está sob estudo. A Polícia Federal listou cinco locais onde o ex-presidente pode cumprir sua pena. Um deles é um quartel do Exército em Curitiba. Outro, a base aérea, no Aeroporto de Bacacheri, a 5 quilômetros da Superintendência da Polícia Federal. Ambas as alternativas encerram, em tese, duas vantagens: mais segurança pessoal para o ex-presidente e desestímulo a manifestações em suas imediações, já que Lula ficaria muito distante dos populares. Apesar disso, há resistência sobretudo ao uso do quartel, porque abre o flanco para o discurso segundo o qual o ex-presidente é vítima de “prisão política” e está detido dentro de uma “masmorra militar”.

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Diz um policial envolvido no planejamento da prisão, que pediu para não ser identificado porque não tem autorização para falar publicamente: “A gente poderia dar munição para ele posar de vítima e de injustiçado. Isso certamente acontecerá se utilizarmos como alternativa de segurança uma unidade do Exército”. Entre as outras opções de prisão está a própria Superintendência da PF, no bairro de Santa Cândida, apontada como a mais adequada para a custódia inicial do ex-presidente. Como o local não está preparado para abrigar presos em cumprimento de pena, a ideia é utilizá-lo até que a Justiça decida o destino definitivo para onde o petista deve ser levado. A estada de Lula na superintendência provocaria uma reacomodação dos condenados ali alojados. Os policiais pretendem reunir todos os presos da Lava-Jato em duas celas, deixando uma terceira cela exclusivamente para o ex-presidente. Se isso não for possível, planejam esvaziar uma sala, transformando-a em cárcere temporário, para que Lula fique isolado dos demais.

Outra hipótese é levar o ex-presidente para o Complexo Médico-Penal (CMP), em Pinhais. Desde 2015, o CMP é o destino oficial dos presos condenados no petrolão. Apesar de ser reservado prioritariamente a sentenciados que precisam de tratamento médico, o complexo tem duas alas para corruptos e criminosos de colarinho-branco. Na ala 6, estão doze estrelas do petrolão — entre elas os ex-deputados Eduardo Cunha e André Vargas, o ex-governador Sérgio Cabral, o ex-presidente da Petrobras Aldemir Bendine e o petista João Vaccari Neto, ex-tesoureiro do partido. Lula reforçaria esse escrete de estrelas abatidas pela corrupção.

Protesto – Manifestação em defesa da candidatura de Lula: os últimos recursos devem ser analisados até o fim de março (Jefferson Coppola/VEJA)

Comparado aos presídios brasileiros, o CMP é tranquilo e dispõe de boas instalações. Tem banho quente, graças a uma obra patrocinada pelo empresário Sérgio Mendes, da empreiteira Mendes Júnior, que passou um tempo por lá e foi sentenciado a 27 anos e dois meses de prisão na segunda instância por envolvimento no escândalo da Petrobras. No local não há superlotação — mais de 30% das vagas para detentos estão desocupadas. Os policiais acham que o CMP só deve ser acionado depois de a Justiça decidir se o petista deve cumprir seus anos de cadeia em Curitiba. É que, no caso de presos como Lula, a lei oferece a possibilidade do cumprimento da sentença em local próximo aos familiares. Na situação do ex-presidente, esse lugar seria São Paulo, onde moram seus filhos e irmãos.

Precavido, o complexo de Pinhais também se prepara para receber Lula. Se isso ocorrer, a logística já está planejada. Ao chegar, o ex-presidente deverá ficar de quinze a trinta dias isolado para que seja avaliado o seu comportamento e, em seguida, será encaminhado a uma cela na ala dos condenados do petrolão. Não há chance de Lula ficar numa ala de prisioneiros comuns. “Existe prisão especial para ex-presidente? Não está escrito em lei nenhuma, mas como dirigente penitenciário não posso colocar um ex-presidente da República junto com a massa carcerária em geral. Não existe a possibilidade de ele não ocupar uma cela especial”, diz o diretor do Departamento Penitenciário do Estado do Paraná, Luiz Alberto Cartaxo Moura. “Ele vai ocupar uma cela especial não pela condição específica de ex-presidente, mas pela figura pública que é e pelas questões que envolvem a segurança do preso.”

São remotas as probabilidades de o TRF4 reverter a condenação de Lula, o que suspenderia a sua inelegibilidade e a sua prisão. Há, no entanto, a possibilidade de um tribunal superior em Brasília conceder uma liminar ou habeas-corpus livrando-o das duas penas. O ex-presidente faz pressão nesse sentido. Seus correligionários até lançaram uma campanha, “Eleição sem Lula é fraude”, a fim de garantir a sua participação no próximo pleito. A iniciativa padece, pelo menos até agora, de falta de apoio popular. Em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo, publicada na quinta-feira 1º, Lula disse que não fugirá do país, nem se matará. E prometeu brigar até o fim. O fim, no seu caso, está cada vez mais perto, seja o de sua liberdade, seja o do seu encarceramento.

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Publicado em VEJA de 7 de março de 2018, edição nº 2572

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