A reputação dos suplementos alimentares, que já não andava boa, acaba de sofrer um novo golpe. Desta vez, as vítimas foram as populares cápsulas de ômega-3. Até pouco tempo atrás, acreditava-se que seu consumo seria capaz de prevenir problemas cardiovasculares, como infarto e acidente vascular cerebral. Um estudo encomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), porém, mostrou que não existem evidências de que isso ocorra. “Há muitas coisas que podemos fazer para proteger nosso coração, como não fumar, ter uma alimentação saudável e uma vida mais ativa”, disse a VEJA a líder da pesquisa, Lee Hooper, da Universidade de East Anglia, na Inglaterra. “Mas as cápsulas de óleo de peixe não vão nos ajudar.” Estima-se que 54% da população brasileira consuma suplementos alimentares — sendo o ômega-3 um dos mais populares entre eles. Nos Estados Unidos, o índice de adeptos dos multivitamínicos chega a 68%.
O levantamento que apontou a inocuidade do ômega-3 foi encomendado ao instituto Cochrane, organização inglesa que avalia estudos médicos. Seus pesquisadores revisaram os principais trabalhos já publicados na literatura científica sobre o tema. Analisaram 79 pesquisas e examinaram os dados de 112 000 pessoas. Levantamentos desse tipo garantem uma síntese mais precisa dos resultados ao reunir um grande volume de dados e elevado número de participantes. E a síntese, nesse caso, não foi nada positiva para as cápsulas: mostrou que elas trouxeram pouco ou nenhum benefício para a saúde cardiovascular dos indivíduos. A incidência de morte entre pessoas que aumentaram a ingestão de ômega-3, por exemplo, foi de 8,8%. Entre os indivíduos que mantiveram a dieta habitual ou ingeriram placebo, o índice foi de 9%.
A boa fama do composto surgiu na década de 70, quando cientistas identificaram um menor risco cardíaco em esquimós que viviam na Groenlândia. Ao investigarem, viram que a dieta deles era composta essencialmente de peixes, baleias e focas — fontes naturais de ômega-3. A substância tem ação anticoagulante, anti-inflamatória, diminui o acúmulo de placas de gordura, dilata os vasos, reduz a pressão arterial, baixa os triglicérides e aumenta o colesterol bom. Por que então os suplementos não conseguem alcançar esses efeitos? “Uma das hipóteses é que a ação do ômega-3, seja na dieta, seja em cápsulas, não é suficientemente potente para modificar o curso de doenças”, diz o cardiologista Raul Dias dos Santos, da Universidade de São Paulo. É mais ou menos como a relação entre o consumo de carne vermelha e a incidência de câncer — estudos já comprovaram que ela existe, mas isso está longe de significar que quem come filé vai desenvolver a doença.
Na virada dos anos 1990, os suplementos vitamínicos passaram a ser anunciados como o Santo Graal da saúde. Seriam capazes de acabar com a queda de cabelo e até de prevenir o câncer. Mas descobertas de falhas na metodologia dos testes de eficácia das pílulas, assim como o surgimento de medicamentos com efeitos bem mais poderosos que os das vitaminas, acabaram por reduzir as expectativas. No caso do ômega-3, porém, estudos ainda podem comprovar sua eficácia — só que para fins mais específicos e com outra dosagem. Duas pesquisas em curso testam o uso do composto, em doses altíssimas, no tratamento de pacientes resistentes a medicações para normalizar o nível de triglicérides. Mas, quanto ao resto da população, o levantamento encomendado pela OMS é claro. Não há por que gastar dinheiro com suplementos. “Sabemos que uma alimentação com consumo de peixe faz bem à saúde de forma geral. Mas as pessoas preferem contar com a facilidade das cápsulas, não querem mudar o estilo de vida”, diz Daniel Magnoni, chefe do setor de nutrição do Instituto Dante Pazzanese, em São Paulo. A boa notícia para os adeptos do óleo de peixe comprado em farmácia é que mal para a saúde ele não faz — só mesmo para o bolso.
Publicado em VEJA de 25 de julho de 2018, edição nº 2592