Manteiga, mais manteiga”, exigia o francês Joël Robuchon, ao comandar os quinze minutos de preparação de seu prato mais louvado, o purê de batata que recebia 250 gramas da gordura derivada do leite para 1 quilo do mais banal dos tubérculos — e energia, muita energia, para movimentar vigorosamente o batedor de arame até deixar a massa macia como uma seda. “Em 1981, quando criei a receita, a batata tinha sido banida dos grandes restaurantes”, disse numa entrevista recente. “A ideia era levar as pessoas aos sabores da infância, da casa da vovó.” Era o casamento da escolha de bons produtos locais com a perfeição técnica. Foi a receita que o transformou no chef do século, na definição do guia Gault & Millau, dono de 31 estrelas do Michelin ao longo da carreira, em restaurantes de Paris, Tóquio, Macau, Mônaco, Hong Kong, Las Vegas e Bangcoc. Era o representante mais celebrado da chamada pós-nouvelle cuisine — na nouvelle cuisine, nascida nos anos 70 do século passado, os tempos de cozimento tinham diminuído, os tamanhos foram infinitamente reduzidos e os molhos e massas, subtraídos. Robuchon deu um passo atrás — ou à frente.
“Quanto mais velho fico, mais percebo que a verdade é esta: quanto mais simples a comida, mais excepcional ela pode ser”
Como não gostava de rótulos, em 1996, aos trinta anos de carreira, mandou tudo às favas e decidiu tirar o toque blanche. No entanto, ao modo de Sinatra, despediu-se para retornar — e voltou com uma ideia que revolucionaria a gastronomia. Inspirado nos endereços de tapas da costa valenciana, na Espanha, onde se exilara, criou um novo conceito, os “ateliers” de cozinha, que replicaria por todo o mundo. Um balcão comprido com bancos altos em redor, pequenos pratos de tirar o fôlego e uma experiência quase privada, sem fronteiras entre cozinha e mesa. Sem reservas antecipadas, sem a pompa e a circunstância do passado. Tinha uma regra, que definia lindamente: “Quanto mais velho fico, mais percebo que a verdade é esta: quanto mais simples a comida, mais excepcional ela pode ser. Nunca tento misturar mais do que três sabores no prato. Gosto de entrar numa cozinha e saber que os pratos são identificáveis e os ingredientes, fáceis de detectar”.
Robuchon morreu na segunda-feira 6, aos 73 anos, em decorrência de um câncer no pâncreas. Nos últimos anos, ironicamente, abandonara as gorduras e açúcares de modo a manter uma dieta mais saudável, mas certamente menos gostosa, apartada daquele purê de batata dos deuses.
Publicado em VEJA de 15 de agosto de 2018, edição nº 2595