PRORROGAMOS! Assine a partir de 1,50/semana

Carta ao Leitor: A lei do aborto

Será uma nova oportunidade para alterar o marco legal do assunto no país

Por Da Redação Atualizado em 4 jun 2024, 17h43 - Publicado em 10 ago 2018, 07h00

Em setembro de 1997, VEJA publicou uma reportagem de capa em que dezenas de mulheres tiveram a coragem de falar sobre um assunto proibido: como, quando e por que fizeram um aborto. Em oito páginas, a matéria trazia uma coleção de histórias de dor, solidão, culpa, angústia. Na época, a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados aprovara a regulamentação do aborto legal, prevista no Código Penal desde 1940, para os casos de estupro e de risco de vida para a gestante.

Hoje, mais de vinte anos depois, o aborto continua praticamente no mesmo lugar do ponto de vista legal. A única mudança substancial ocorreu em 2012, quando o Supremo Tribunal Federal ampliou a possibilidade do aborto legal ao permitir a interrupção da gravidez no caso de fetos com anencefalia, uma malformação do cérebro que inviabiliza a vida fora do útero.

Agora, o assunto voltou à pauta. O Supremo Tribunal Federal acaba de encerrar a fase de audiências públicas, em que ouviu opiniões contrárias e favoráveis a uma ação apresentada pelo PSOL. Nela, o partido propõe que o aborto realizado até a 12ª semana de gravidez deixe de ser considerado crime. Em favor de sua tese, o PSOL argumenta que a proibição fere direitos previstos na Constituição, como a dignidade, a igualdade em relação aos homens e o direito ao planejamento familiar. Em outro ponto, a ação afirma que a Carta Magna não garante o direito à vida desde a concepção. Prevê “aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida” e assegura “à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida”. A ministra Rosa Weber, relatora do caso, vai redigir seu voto e encaminhá-lo para discussão em plenário, o que deve acontecer apenas no ano que vem.

Será uma nova oportunidade para alterar o marco legal do aborto no país. O assunto desperta uma enorme gama de paixões, porque toca em questões morais, éticas e religiosas. Nas audiências do STF, as cenas de exaltação, intolerância e agressividade são uma mostra da alta combustão do tema. Mas, para além dos valores de cada um, é recomendável que o assunto seja tratado com racionalidade e, sobretudo, com uma atenção especial aos dados objetivos. E, objetivamente, nos países ricos e desenvolvidos, em cuja maioria o aborto é legalizado, morrem menos de duas mulheres para cada 100 000 abortos. Nos países em desenvolvimento, onde o aborto é normalmente considerado um crime, morrem 220 mulheres para cada 100 000 abortos. Ou seja: a legislação, ao criminalizar a interrupção da gravidez, mata um enorme contingente de mulheres.

No Brasil, uma mulher morre a cada dois dias devido a complicações do aborto, segundo os últimos números disponíveis do Ministério da Saúde. Outro dado: a incidência do aborto é o dobro entre mulheres pobres e o triplo entre mulheres negras. Os gastos com hospitalização em decorrência do aborto no SUS foram de 50 milhões de reais em 2017 e 500 milhões na última década.

Continua após a publicidade

A todas essas mortes, a toda essa desigualdade — e adicionem-se ainda o tormento, a dor, a solidão, a culpa, a angústia —, a lei brasileira acrescenta a prisão para as mulheres que interrompem a gravidez. Por mais valorosas e respeitáveis que sejam as objeções individuais de cada um de nós, talvez esse quadro, esse quadro dramático, seja por si só motivo suficientemente sólido para que o aborto deixe de ser considerado um crime no Brasil. E os depoimentos que VEJA colheu há mais de vinte anos entrem definitivamente para o passado.

Publicado em VEJA de 15 de agosto de 2018, edição nº 2595

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Black Friday

A melhor notícia da Black Friday

BLACK
FRIDAY

MELHOR
OFERTA

Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

Apenas 5,99/mês*

ou
BLACK
FRIDAY
Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba 4 Revistas no mês e tenha toda semana uma nova edição na sua casa (a partir de R$ 8,90 por revista)

a partir de 35,60/mês

ou

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$71,88, equivalente a 5,99/mês.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.