Carta ao Leitor: A agenda necessária
Governo e parlamentares precisam desviar os olhos das urnas de 2022 e ter apenas uma preocupação nos próximos meses: fazer o país decolar
Sim, existem obstáculos no caminho. A Covid-19 ainda preocupa e o mundo continua distante da normalidade pré-pandemia. Mas, como os ciclos não são permanentes, já é possível avistar alguns sinais alvissareiros no horizonte. No campo da ciência, os números de eficácia das várias vacinas desenvolvidas contra o vírus são alentadores. Na economia, entre outras boas notícias, houve uma melhora evidente no consumo e nos preços de commodities, como produtos agrícolas, petróleo e minério de ferro, pontos fortes das exportações brasileiras. Diante da possibilidade de recuperação, o mercado financeiro, que costuma antecipar tendências, também começa a reagir. A bolsa de valores retomou o patamar de fevereiro e os investidores estrangeiros se sentiram encorajados a retornar ao país, um fenômeno que transformou o mês de novembro no melhor da história, com o aporte de 26 bilhões de reais até aqui.
Tal cenário leva a uma constatação inevitável: com o alívio da catástrofe pandêmica, a economia mundial vai acelerar. Recursos que migraram para ativos mais cautelosos, como títulos do Tesouro americano, devem voltar a circular pelo planeta, favorecendo, por exemplo, a atividade econômica de países emergentes. Para que o Brasil se beneficie desse movimento, porém, será necessário enfrentarmos problemas que hoje afugentam recursos internacionais (e também brasileiros). São entraves estruturais bem conhecidos, mas ainda presentes no nosso cotidiano. Na reportagem que começa na página 48, VEJA elenca nove obstáculos (entre eles o desequilíbrio nas contas públicas, o caos tributário e o gigantismo do Estado) que podem atrapalhar a nossa retomada no momento em que o mundo, mais uma vez, oferecerá uma janela de oportunidade. Ouvimos também uma dezena de economistas e autoridades (entre ex-ministros da Fazenda, ex-dirigentes do Banco Central e dois ex-presidentes da República), que sugerem maneiras de solucioná-los.
Parte fundamental dessa agenda vai exigir maturidade política e entendimento. Em outras palavras, governo e parlamentares precisam desviar os olhos das urnas de 2022 e ter apenas uma preocupação nos próximos meses: fazer o país decolar. A história mostra que a combinação de decisões econômicas com eleições sempre foi nefasta para o Brasil. Um dos episódios clássicos dessa incompatibilidade ocorreu em 1986, durante o Plano Cruzado. Na ocasião, o combate à inflação lastreado no congelamento de preços garantiu excepcionais índices de popularidade ao então PMDB. O desdobramento econômico, no entanto, foi trágico, jogando o país à beira do colapso, com escassez de produtos e descontrole inflacionário. Infelizmente, o fantasma do oportunismo continua a pairar em Brasília. Ainda hoje, por motivos eleitoreiros, as pressões e tentações para que as medidas necessárias sejam adiadas ou abandonadas seguem firmes, tanto no Palácio do Planalto como no Congresso. Trata-se de um equívoco perigoso, uma vez que o caminho para o desenvolvimento é um só — e o momento de percorrê-lo é agora.
Publicado em VEJA de 2 de dezembro de 2020, edição nº 2715