Assine VEJA por R$2,00/semana
Continua após publicidade

Acabou a lua de mel

A Argentina vive nova crise cambial e pede socorro ao FMI, o que ameaça a recuperação econômica e põe fim à trégua do mercado com o governo de Macri

Por Bianca Alvarenga Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 30 jul 2020, 20h20 - Publicado em 11 Maio 2018, 06h00

Dramático como um tango, o pedido de socorro da Argentina ao Fundo Monetário Internacional (FMI), anunciado na semana da maior crise cambial no país desde 2001, joga dúvidas sobre seu futuro e põe em xeque um plano que vinha sendo bem-­sucedido para retomar o crescimento. A eleição de Mauricio Macri para presidente, há dois anos e meio, sinalizou para o mundo uma reversão de expectativas. Saíam de cena as políticas populistas de Cristina Kirchner, como o controle de preços, a concessão farta de subsídios e o isolamento comercial. Em seu lugar, entrava Macri, um político de centro-direita, que prometeu cortar privilégios, acabar com o controle de preços e reabrir a Argentina para o mundo. A estratégia era correta, mas sua execução demorou demais. O sucesso da missão dependia da redução dos gastos do governo, do controle sustentável da inflação e da abertura das portas do país ao mercado de capitais externo. O principal desafio era aprovar as medidas de aperto no Congresso, cuja maioria ainda é kirchnerista. Macri optou então por uma reforma gradual — e esse foi seu erro. As metas de inflação, por exemplo, previam o retorno da normalidade só em 2019.

Tudo caminhou bem enquanto o cenário externo esteve benigno, com o mundo desenvolvido e, em especial, os Estados Unidos mantendo os juros próximos de zero, o que significou sobra de recursos de investidores para mercados emergentes como a Argentina e o Brasil. Mas, como sempre se soube, esse período de calmaria tinha os dias contados. A economia americana voltou a crescer com vigor (o desemprego é o mais baixo desde 2000) e a atividade começou a pressionar os preços. Tal situação fez o Federal Reserve, o banco central americano, elevar os juros básicos, que servem de referência para o rendimento dos títulos do Tesouro americano, considerados a aplicação mais segura do mundo. Resultado: ini­ciou-se uma fuga de capitais de países emergentes, a começar por aqueles com a economia mais fragilizada. Nesse quesito, a Argentina é a campeã. Somente neste ano, o peso já perdeu 20% do valor em relação ao dólar, levando as cotações para níveis não vistos desde a crise de 2001.

Diante da disparada da moeda americana, Macri promoveu um aumento brutal dos juros básicos, que saltaram de 27% para 40%, com o objetivo de tornar os investimentos no país mais atraentes. É, hoje, a maior taxa de juros do planeta. Além disso, o governo se comprometeu a buscar um ajuste fiscal mais agressivo: a meta para o déficit fiscal passou de 3,2% para 2,7% do PIB. A preocupação com o câmbio tem razão de ser. O endividamento da Argentina em moeda estrangeira é alto: estima-se que 70% do total de empréstimos do país esteja indexado à moeda americana. Subir os juros, no entanto, significa aumentar o custo do crédito para consumidores e empresas, sacrificando o crescimento econômico. Antes do aumento dos juros, o governo tentou estabilizar o câmbio com a venda de parte das reservas do país em moeda estrangeira. Não deu certo. Foram gastos cerca de 5 bilhões de dólares, o que derrubou o saldo das reservas para 55 bilhões de dólares, valor insuficiente para saldar os compromissos até o fim de 2018. Nessa pindaíba, restou a Macri formalizar o pedido de socorro ao FMI. O pleito é de 30 bilhões de dólares, que serão usados só em caso de necessidade. É um sinal inequívoco do fracasso das medidas adotadas para lidar com a crise cambial. Como contrapartida, o FMI deve exigir cortes adicionais e o controle dos gastos públicos, incluindo um aperto em salários e benefícios dos servidores.

Aquecido – Fábrica da Tesla na Califórnia: a expansão econômica pressiona a inflação nos EUA, fazendo os juros subir (Noah Berger/File Photo/Reuters)

A promessa de arrocho pode reabrir uma ferida histórica. Em 2001, a Argentina anunciou um calote na dívida externa. Na ocasião, as tentativas de negociar um socorro com o FMI foram frustradas. O país só voltou a ter acesso a crédito no exterior com Macri. Os gastos descontrolados do governo, no entanto, fizeram o país se endividar rapidamente. Além disso, economistas dizem que Macri cometeu erros na condução da economia. O governo não cumpriu as metas de inflação em 2017, e, ainda assim, resolveu reduzir os juros no início deste ano. “Foi uma tentativa desastrada de reanimar a economia antes de pôr a inflação nos eixos”, diz Marcos Casarin, economista-chefe para a América Latina da consultoria Ox­ford Economics. A alta dos preços, antes estimada em 17% para 2018, deve superar os 20%.

Continua após a publicidade

Embora a Argentina seja o terceiro maior parceiro comercial do Brasil, os analistas afirmam que o risco de contágio é limitado. O Brasil tem um nível confortável de reservas, inflação controlada e juros mais baixos. Mas o real também está sofrendo com a alta dos juros americanos. O dólar chegou a 3,60 reais na semana passada, a maior cotação em dois anos, o que pode pressionar a inflação. O governo Temer, por ora, minimiza os riscos, mas o drama do país vizinho é um eterno lembrete sobre a importância de estar com a economia fortalecida para prevenir crises.

Publicado em VEJA de 16 de maio de 2018, edição nº 2582

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Domine o fato. Confie na fonte.

10 grandes marcas em uma única assinatura digital

MELHOR
OFERTA

Digital Completo
Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 2,00/semana*

ou
Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba Veja impressa e tenha acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 39,90/mês

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$96, equivalente a R$2 por semana.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.