Em 1971, numa entrevista concedida à televisão americana, a atriz sueca Bibi Andersson foi indagada sobre o que achava de seu “chefe”, o cineasta Ingmar Bergman, timidamente sentado a seu lado. Bibi mal teve tempo de ensaiar uma resposta, ajeitou o vestido florido e foi interrompida pelo próprio Bergman: “Não, ela é que é minha chefe — em cena, é ela”. Os dois fizeram uma das duplas mais fascinantes da história do cinema, ao longo de treze filmes. Bibi era, nas telas, a quintessência do que Bergman sentia e levava ao celuloide. Eles começaram a trabalhar juntos em um comercial para uma marca popular de sabão, ela ainda adolescente, ele dando os voos iniciais. Nos primeiros filmes, nos anos 50, Bibi encarnava a pureza, a delicadeza, a juventude — depois, já na década de 60, numa extraordinária mudança, traduzia complexidade, desilusão e dor. Em O Sétimo Selo (1957), na pele de uma jovem mãe medieval, quando aparecia era acompanhada do sol a brilhar e do canto franciscano dos pássaros. Em Morangos Silvestres (também de 1957), viveu duplo papel: a donzela virginal prima do protagonista, um professor já idoso, com quem tivera um compromisso no passado, sempre a colher frutas, e a feliz caroneira de beira de estrada que o faz lembrar do amor perdido. E então veio o susto, a ruidosa transformação com Persona (1966) — e a moça suave virou um vulcão.
Na figura de Alma, a enfermeira contratada para acompanhar uma atriz decadente (Liv Ullmann), que tivera um colapso e já não podia falar, o mundo descobriu outra Bibi Andersson, cuja virada pode ser resumida, e apenas resumida, tantas eram suas nuances, ao cabelo curto como o das francesas da nouvelle vague.
As duas mulheres, na ficção, começam a desenvolver no intenso drama uma relação forte, de grande intimidade e marcada pelo erotismo. “Quando li o roteiro de Persona, não fiquei lisonjeada. Não entendi por que eu tinha de interpretar aquele tipo de personalidade insegura e fraca quando estava lutando tanto para ter certeza de mim mesma e encobrir minhas inseguranças”, disse ela à revista American Film em 1977. Fluente em inglês, Bibi trabalharia também para outros grandes diretores americanos, como John Huston e Robert Altman, mas nunca mais descolaria sua imagem de Bergman e daquele dueto insinuante com Liv Ullmann em Persona. Em 2009, sofreu um derrame cerebral e não se recuperou. Morreu aos 83 anos, no dia 14, em Estocolmo, na Suécia.
Publicado em VEJA de 24 de abril de 2019, edição nº 2631