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A terceira revolução da medicina

Para Aaron Ciechanover, Nobel de Química, a era das terapias personalizadas já desenvolveu ótimos tratamentos, sobretudo para diversos tipos de câncer

Por Natalia Cuminale Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 19 ago 2017, 06h00 - Publicado em 19 ago 2017, 06h00
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  • Na década de 80, o bioquímico israelense Aaron Ciechanover, em parceria com dois pesquisadores, descobriu um processo celular seminal: a degradação das proteínas no corpo humano. O achado, que lhe deu o Nobel de Química em 2004, permitiu compreender como é o controle de diversos mecanismos bioquímicos, atalho para o desenvolvimento de tratamentos, incluindo as terapias personalizadas contra o câncer. Ciechanover, de 69 anos, esteve no Brasil para o ciclo de palestras Nobel Prize Inspiration Initiative, a convite da empresa farmacêutica AstraZeneca. Ele falou a VEJA.

    Qual é a relevância, hoje, da terapia personalizada no tratamento de doenças? Ela é fundamentalmente precisa. Um câncer de mama em uma mulher não é o mesmo câncer de mama diagnosticado em outra mulher. Por ser precisa, portanto, a conduta torna-se mais eficaz e benéfica, com menos efeitos colaterais. Não falamos mais de tipos de câncer a ser tratados, mas de subtipos de um mesmo câncer. Existe uma complexidade enorme. É preciso rastrear e conhecer o papel que determinada proteína desempenha em determinado organismo e, conforme os resultados, desenvolver terapias individuais. Temos ainda um longo caminho até o método tornar-se amplo, mas já há ótimos tratamentos para cânceres muito específicos. É o que chamo de terceira revolução da medicina.

    Quais foram as revoluções anteriores? A primeira foi a revolução do acaso. Refiro-me à descoberta acidental de medicamentos como a penicilina e a aspirina. A penicilina foi o primeiro antibiótico, salvou milhões de vidas combatendo infecções. A aspirina era usada no início para controlar febre e inflamação. Hoje, é uma das principais substâncias indicadas para prevenir doenças cardiovasculares. A segunda revolução ocorreu em torno da triagem de novos compostos, um método computadorizado que serviu para encontrar substâncias capazes de combater doenças. O caso mais emblemático é a estatina, medicamento para reduzir o mau colesterol.

    Tratamentos mais específicos custam mais caro e são menos acessíveis. Como resolver essa equação? Depende do sistema de saúde de cada país. Nem todos os tratamentos serão incorporados ao cotidiano, mas é preciso criar comitês para pensar quais vão ser escolhidos. O processo de desenvolvimento é caro, não há dúvida. Governo algum, porém, pode cobrir todos os gastos. Mas há uma saída para gastar menos.

    Qual? Apostar na prevenção. Por melhor que sejam os tratamentos personalizados, prevenir será sempre mais efetivo e mais barato. Podemos combater o fumo, a poluição do ar, da água e do solo e fatores que causam doenças com novos hábitos. É preciso investir muito nessa área.

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    Gasta-se muito atualmente nas pesquisas sobre terapias genéticas. Elas são um bom caminho na direção do tratamento individualizado? Sim, mas é difícil prever quanto tempo levará para se tornarem de fato uma realidade nos consultórios. Talvez mais algumas décadas. Isso facilitará a criação de tratamentos personalizados. A dificuldade é que, muitas vezes, o problema não está em apenas um gene. Precisamos descobrir qual a contribuição de cada um deles para uma doença. Pense nas doenças psiquiátricas: a maioria não é causada pela mutação em apenas um gene, mas provavelmente em vários. E cada um deles contribui com uma parte. Não será fácil.

    Como o senhor vê a medicina em vinte anos? Estaremos bem e mal, ao mesmo tempo, como em tudo na vida. Os tratamentos serão mais eficientes, mas menos acessíveis a pessoas que não podem pagar. Também haverá imensos problemas éticos que terão de ser solucionados em cada sociedade. O Brasil não é Israel, que não é o Japão. As pessoas têm diferentes culturas, crenças e tradições.

    Temos, portanto, dilemas éticos incontornáveis? Essa questão é complexa, mas deve ser discutida. Dependerá de cada doença. Por exemplo, se você tem genes que o predispõem para um ataque cardíaco, talvez seja interessante saber sobre isso, pois é possível adotar um estilo de vida mais saudável, com a prática de atividade física ou a redução do colesterol para prevenir o problema. Agora, se você tem genes relacionados a doenças que não têm cura ou prevenção, não ajudará em nada saber sobre eles. É preciso escolher entre os genes com que podemos lidar e aqueles a respeito dos quais não há nada a fazer. Isso é parte da questão bioética que precisamos discutir. Contar para o paciente ou esconder? Por que contar se você não pode ajudá-lo? Há ainda outro perigo: utilizar essas informações para questões não relacionadas a doenças, como a escolha por gerar uma criança com olhos de determinada cor. Não tenho certeza se a sociedade está preparada para lidar com tantas nuances, mas precisará estar. Não há escolha. A ciência está em movimento. A ciência não pode esperar, tem pressa.

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    Foi sempre assim, não? Sim, mas hoje há muito mais complexidade nas descobertas, nos avanços. Durante o século passado, foram muitas e muitas revelações científicas. Hoje, conseguimos analisar tudo com mais profundidade e sofisticação. Pode até ser que tudo pareça um pouco mais lento, é melhor.

    Publicado em VEJA de 23 de agosto de 2017, edição nº 2544

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