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Um ano depois, ‘astros’ da CPI da Pandemia enfrentam o teste das urnas

Dos onze titulares da comissão, eclodiram um pré-candidato à Presidência da República, oito candidatos a governador de estado e dois candidatos à reeleição

Por Hugo Marques e Ricardo Chapola
16 abr 2022, 08h00

Dependendo do depoente, o senador Omar Aziz (PSD-AM) modulava o tom grave de sua voz para afagar ou para constranger — mais para constranger, especialmente se do seu lado estivesse algum aliado de Jair Bolsonaro. O senador Renan Calheiros (MDB-AL), experiente, procurava chegar sempre bem antes do início da sessão para falar com os jornalistas. A senadora Simone Tebet (MDB-MT) empolgava a plateia com sua oratória incisiva. Já o senador Alessandro Vieira (PSDB-­SE), com a frieza de um delegado de polícia, preferia ficar isolado num canto da sala, lendo documentos e fazendo anotações, enquanto aguardava sua vez de interrogar os suspeitos, o que ele fazia com extrema habilidade, dificultando o trabalho do aparentemente confuso senador Luis Carlos Heinze (PP-RS) ou do performático senador Marcos Rogério (PL-RO), ambos fiéis escudeiros do governo. Em linhas gerais, essa foi a rotina da CPI da Pandemia, que produziu poucos resultados práticos depois de encerrada, além de ampliar o horizonte de alguns dos principais personagens envolvidos — investigadores e investigados.

Durante seis meses, o país acompanhou depoimentos reveladores, troca de acusações, denúncias de corrupção e debates eletrizantes sobre a ação ou inação das autoridades diante do maior desastre sanitário do planeta. De um lado, oposicionistas tentando provar que o desemprego, a inflação, os hospitais em colapso e os milhares de mortes provocados pela Covid-19 tinham como pano de fundo o negacionismo e a incompetência do governo. Do outro, uma tropa empenhada em defender o presidente da República, a favor do uso de medicamentos sem comprovação científica para tratar a doença e contra a política de isolamento social. Ao final, a comissão produziu um relatório de 1 200 páginas, recomendando o indiciamento de 77 pessoas, entre elas Jair Bolsonaro, acusado de praticar crimes como prevaricação e charlatanismo. As conclusões foram encaminhadas ao Ministério Público, que solicitou a abertura de dez processos criminais, todos ainda em fase inicial. Um ano depois de criada, a CPI, na prática, rendeu mesmo foi dividendos eleitorais.

Dos onze titulares da comissão, eclodiram um pré-candidato à Presidência da República, oito candidatos a governador de estado e dois candidatos à reeleição. Simone Tebet, por exemplo, está em seu primeiro mandato como senadora. Antes da CPI, ela era considerada não mais que uma promessa de renovação, um quadro que tentava confrontar a supremacia dos velhos caciques que há décadas controlam o seu partido. Depois da CPI, tudo mudou. A parlamentar teve dois grandes momentos: primeiro, quando conseguiu que um depoente revelasse a identidade de um personagem importante que ele insistia em preservar. E, graças às suas intervenções cortantes, foi chamada de “descontrolada” pelo controlador-geral da União. Ela não só recebeu a solidariedade dos colegas como consolidou o título de a “voz feminina” da comissão. Na sequência, Tebet foi indicada como presidenciável do MDB. “O que me movia era a comoção e a indignação com tudo o que estava acontecendo. Mas é fato que muita gente passou a me conhecer pela minha atuação”, disse a senadora.

O sucesso da comissão parlamentar de inquérito alimentou outros planos eleitorais ambiciosos. Em seu primeiro mandato, Alessandro Vieira, ex-delegado de polícia, era desconhecido pela grande maioria da população. Terminada a CPI, ele foi anunciado como candidato a presidente da República pelo Cidadania. O partido, porém, acabou fechando um acordo com o ex-governador João Doria, o senador se transferiu para o PSDB e agora vai disputar o governo de Sergipe — o que não deixa de ser um salto. “A CPI, de fato, nos deu muita visibilidade naquele instante. As pessoas perceberam que meu objetivo era investigar e não participar de encenações políticas”, disse o parlamentar, que já aparece em segundo lugar na preferência dos eleitores. Os congressistas permaneceram 183 dias e 369 horas em frente às câmeras. Essa superexposição, de certa forma, acabou beneficiando todos os grupos envolvidos.

Os três representantes da bancada governista na CPI, inclusive, estão se preparando para voos políticos mais altos. Defensor do uso de medicamentos sem comprovação científica no combate à Covid, o senador Luis Carlos Heinze (PP-RS) pretende concorrer ao governo do Rio Grande do Sul, onde desponta como um dos favoritos. O senador Jorginho Mello (PL-SC), um fiel guardião do presidente Bolsonaro na comissão, também aparece como um dos favoritos ao cargo de governador de Santa Catarina. “No aeroporto, as pessoas até hoje me cercam e perguntam: ‘Você é aquele cara que acabou com o Renan Calheiros?’ ”, lembra o parlamentar, que, durante uma sessão, quase chegou às vias de fato com o colega alagoano. O senador Marcos Rogério (PL-­RO), o terceiro e mais atuante soldado da tropa de choque oficial, é pré-candidato ao governo de Rondônia.

Diante da grande exposição, até mesmo alguns investigados decidiram testar nas urnas a popularidade conquistada depois da CPI. A médica Nise Yamaguchi se filiou ao PROS e pretende disputar uma vaga no Senado por São Paulo. Defensora do uso de medicamentos sem comprovação científica, ela ganhou notoriedade diante da virulência com que foi interrogada pelos parlamentares — situação semelhante à da pediatra Mayra Pinheiro, ex-secretária de Gestão do Ministério da Saúde, conhecida como “capitã cloroquina”, que deixou o cargo, filiou-se ao PL e também vai concorrer a uma vaga de deputada federal pelo Ceará. “Diante da péssima qualidade técnica e ética de alguns dos nossos parlamentares da CPI, me sinto mais motivada a colocar meu nome à disposição”, diz Mayra. “O fato de o meu depoimento ter sido transmitido ao vivo fez com que a população pudesse julgar melhor a integridade das pessoas que participaram, tanto no papel de arguidores, como de depoentes como eu”, ressaltou Yamaguchi a VEJA.

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Dois dos maiores alvos da comissão de inquérito também decidiram se submeter às urnas em outubro. Apontado como um dos responsáveis pela demora do governo em adquirir as vacinas, o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello pretende disputar uma vaga de deputado federal no Rio de Janeiro pelo PL, não por acaso o mesmo partido do presidente da República e do ex-ministro da Defesa general Braga Netto, também acusado. O general, aliás, nem sequer foi ouvido pela CPI. Na época, surgiram rumores de que ele, se convocado, não compareceria. Com receio de um impasse institucional, os senadores recuaram e encerraram os trabalhos sem o depoimento do general, anunciado depois, também não por acaso, como candidato a vice-presidente na chapa de Jair Bolsonaro. Resta agora aguardar o julgamento dos eleitores sobre cada um desses personagens.

OS INVESTIGADORES…

Omar Aziz (PSD-AM) -
Omar Aziz (PSD-AM) – (Cristiano Mariz/VEJA)

Omar Aziz (PSD-AM)
O senador nunca foi um político de projeção nacional. Antes da CPI, não tinha certeza sequer se conseguiria renovar o mandato. A presidência da comissão lhe rendeu fama e popularidade. Durante os seis meses de trabalho, seu gabinete virou um polo de atração de lobistas, empresários, militares e oposicionistas. Percebendo a oportunidade, ele contratou uma equipe de profissionais apenas para cuidar de suas redes sociais, interagindo com eleitores e respondendo a suas perguntas. Está em segundo lugar nas pesquisas para o Senado do Amazonas

Simone Tebet (MDB-MT) -
Simone Tebet (MDB-MT) – (Cristiano Mariz/Agência O Globo)

Simone Tebet (MDB-MT)
Antes da CPI da Pandemia, Simone Tebet chamava a atenção no Congresso por se contrapor aos velhos caciques de seu partido. Durante a CPI, suas intervenções precisas foram responsáveis por alguns dos melhores momentos da apuração. No episódio mais ruidoso, foi chamada de “descontrolada” pelo controlador-geral da República. O embate rendeu a ela o título de a “voz feminina” da comissão. Depois da CPI, foi lançada como pré-candidata à Presidência da República pelo MDB

Alessandro Vieira (PSDB-SE) -
Alessandro Vieira (PSDB-SE) – (Pedro Ladeira/Folhapress/.)

Alessandro Vieira (PSDB-SE)
O senador Alessandro Vieira está em seu primeiro mandato. Antes disso, era delegado da Polícia Civil em Sergipe. Na CPI, dizia-se independente, ou seja, não defendia os interesses da oposição nem do governo. Hábil interrogador, ganhou destaque com intervenções fundamentadas, que, muitas vezes, colocavam os depoentes em uma saia justa. O parlamentar chegou a se lançar como pré-candidato à Presidência da República pelo Cidadania, trocou de partido e vai disputar o governo de Sergipe

Luis Carlos Heinze (PP-RS) -
Luis Carlos Heinze (PP-RS) – (Roque de Sá/Ag. Senado)

Luis Carlos Heinze (PP-RS)
Antes de se eleger senador, Luis Carlos Heinze foi deputado por cinco legislaturas. Em 2018, foi eleito senador na onda bolsonarista. Na CPI, chamou a atenção pela defesa irresponsável do uso de medicamentos sem comprovação científica no combate à Covid-19, além de tratamentos considerados ineficazes. Ruralista, pretende disputar o cargo de governador do Rio Grande do Sul. De acordo com pesquisas divulgadas no estado, está em segundo lugar

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Renan Calheiros (MDB-AL)
Renan Calheiros (MDB-AL) (Edilson Rodrigues/Ag. Senado)

Renan Calheiros (MDB-AL)
Um dos velhos caciques do partido, Renan Calheiros enfrentava um processo de desgaste e perda de influência na legenda. A CPI resgatou parte do poder que evaporou depois da Operação Lava-Jato. Como relator do caso e na condição de opositor ao governo Bolsonaro, o senador conseguiu um extraordinário protagonismo, ao mesmo tempo que viu seu nome retornar à lista de políticos importantes e seu gabinete voltar a ser frequentado por muita gente que havia lhe virado as costas

Jorginho Mello (PL-SC) -
Jorginho Mello (PL-SC) – (Roque de Sá/Ag. Senado)

Jorginho Mello (PL-SC)
Antes de se eleger senador, em 2018, o ponto mais visível da carreira de Jorginho Mello foi quando ele assumiu interinamente o governo de Santa Catarina. Ele já havia sido deputado federal por dois mandatos. Na CPI, o parlamentar se dedicou a defender o presidente Jair Bolsonaro. Em certos momentos, cumprindo esse papel, quase chegou às vias de fato com Renan Calheiros. Atualmente, o senador aparece em segundo lugar nas pesquisas para o governo do seu estado, tecnicamente empatado com o atual governador

Marcos Rogério (PL-RO) -
Marcos Rogério (PL-RO) – (Geraldo Magela/Ag. Senado)

Marcos Rogério (PL-RO)
Radialista e bacharel em direito, o senador combinou o conhecimento das duas áreas para reforçar a bancada de defesa do governo na CPI. Pode-se dizer que foi relativamente bem-sucedido na missão — ao menos no que se refere à própria popularidade. Num estado de maioria bolsonarista, Marcos Rogério foi lançado pelo seu partido como pré-candidato ao governo de Rondônia. Na última pesquisa, ele aparece em segundo lugar

…E OS INVESTIGADOS

Eduardo Pazuello -
Eduardo Pazuello – (Sergio Lima/AFP)

Eduardo Pazuello
Eduardo Pazuello assumiu o comando do Ministério da Saúde no início da pandemia. A CPI pediu o indiciamento dele pelos crimes de epidemia, emprego irregular de verbas públicas e prevaricação. Em seu depoimento à comissão, o general defendeu as ações do governo. Sua lealdade rendeu prestígio pessoal junto ao presidente da República, que o encorajou a entrar para a política. O militar filiou-se ao PL, mesmo partido de Bolsonaro, e disputará uma vaga de deputado federal pelo Rio de Janeiro

Walter Braga Netto
Walter Braga Netto – (./PR)

Walter Braga Netto
O general ocupou o cargo de ministro da Defesa até o mês passado. Antes, chefiou a Casa Civil do governo. Segundo os parlamentares da comissão, no gabinete dele ocorreram reuniões que definiram a estratégia, equivocada, de combate à pandemia. O militar nem sequer foi ouvido pela comissão, mas acabou indiciado por cometer crime de epidemia com resultado em morte. Filiado ao PL, ele já foi anunciado por Bolsonaro como o provável candidato a vice na chapa presidencial

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Mayra Pinheiro -
Mayra Pinheiro – (Evaristo Sá/AFP)

Mayra Pinheiro
Ex-secretária de Gestão do Trabalho do Ministério da Saúde, a pediatra ficou conhecida como “capitã cloroquina”. Em seu depoimento à CPI, admitiu que recomendou o uso do medicamento sem eficácia comprovada para tratar a Covid-19. Ela também fez campanhas nas redes sociais contra a vacinação de crianças. No relatório final da comissão, acabou indiciada por crimes contra a humanidade, crime de epidemia e de prevaricação. Filiada ao PL, pretende concorrer à Câmara dos Deputados pelo Ceará

Nise Yamaguchi -
Nise Yamaguchi – (Egberto Nogueira/Ímãfotogaleria/VEJA)

Nise Yamaguchi
A médica foi um dos principais alvos dos senadores oposicionistas. Defensora do uso de medicamentos para tratamento da Covid, como a cloroquina, ela foi investigada por supostamente integrar um gabinete paralelo de assessoramento do governo. Depois de prestar depoimento, a infectologista ingressou com uma ação na Justiça alegando que foi vítima de um “massacre moral”, “desrespeito e humilhação” por parte de alguns parlamentares. Ela se filiou ao PROS e pretende disputar uma vaga no Senado

Publicado em VEJA de 20 de abril de 2022, edição nº 2785

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