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Talíria Petrone: “Há espaço para esquerda e direita. Não para violência”

Deputada federal pelo PSOL tem sido alvo de ameaças de morte; em entrevista a VEJA, a parlamentar diz que quer combater a violência fazendo mais política

Por Felipe Mendes 14 nov 2020, 19h36

A deputada federal Talíria Petrone (PSOL-RJ) não irá às urnas neste domingo, 15. Apesar de o voto fazer parte da cartilha de direitos e deveres dos cidadãos brasileiros, a parlamentar tem sido alvo constante de ameaças de morte. Com uma filha recém-nascida, ela prefere não se arriscar. Em setembro, Talíria recorreu à Organização das Nações Unidas, a ONU, com gravações das ameaças recebidas e pediu que a entidade cobrasse comprometimento do governo brasileiro na apuração da denúncia. Hoje, a rotina da parlamentar envolve escolta da polícia legislativa e carros blindados. Defensora de políticas públicas sociais e amiga pessoal de Marielle Franco, assassinada em 2018, ela entrou na mira da milícia e de facções criminosas, como VEJA mostrou em reportagem. Um estudo elaborado pela Terra de Direitos e Justiça Global, com base em dados entre 2016 e 2020, aponta que, a cada mês, pelo menos dois vereadores, prefeitos ou vice-prefeitos eleitos, pré-candidatos ou candidatos foram assassinados ou sofreram atentados. “Um país em que as pessoas não podem fazer política sem serem vítimas de violência é uma nação que tem sua democracia ameaçada”, diz ela.

A violência se tornou um instrumento elementar na política brasileira. Além de atos de demonstração de força física, há grupos que se organizam na internet para difamar políticos. Como a senhora vê isso? É muito grave o que o Brasil está vivendo. Somos o país que mais assassina defensores de direitos humanos no mundo. Infelizmente, eu não entendo isso como uma simples divergência de opiniões na política. A divergência cabe. Mas a violência não deveria caber. A violência política está por fora da democracia. Ela só mostra o quão frágil é a democracia brasileira. Nos últimos anos, com o avanço do bolsonarismo, temos visto que a violência política tem se legitimado. E essa violência acontece de todas formas mais simbólicas. Eu já fui ameaçada de morte diversas vezes nas redes sociais. Fui xingada. Chamada de louca e de todos os nomes possíveis.

Acredita que essa violência de forma organizada pode ser uma ameaça à democracia? Nós precisamos garantir as divergências, o debate, fazer com que as pessoas possam expressar suas posições políticas livremente. Isso é parte da democracia. Infelizmente no Brasil isso não tem sido possível. A nossa democracia ainda é recente, é frágil. Neste momento, a gente vê que há uma legitimação e um fomento à violência por parte daqueles que ocupam o poder. Há espaço para esquerda e direita numa democracia. O que não cabe é violência por divergência política.

A senhora recentemente foi à ONU denunciar ameaças que tem sofrido. Essas ameaças geram medo? Desde o tempo em que eu era vereadora, eu vivencio uma série de violências. No início, elas se localizavam no plano das redes sociais, mas depois eu entendi que existem alguns grupos extremistas que se organizam na deep web e dark web. Antigamente, eu ia de ônibus para a Câmara Municipal de Niterói. Hoje, eu ando num carro blindado. E recentemente as coisas tomaram um patamar muito mais elevado, com planejamentos de execução. Obviamente, gera medo. Eu perdi uma amiga assassinada que, assim como eu, era uma parlamentar eleita. Eu perdi a minha amiga Mari. O Brasil perdeu a vereadora Marielle Franco. E mais de dois anos após a morte dela, o estado brasileiro não devolveu uma solução do caso. Eu sei que o meu caso não é isolado, que não é uma exceção. Infelizmente, é a situação de muitas pessoas que optam por fazer política no Brasil. Mas o medo não me paralisa. Não tenho outro caminho senão o de enfrentar esse quadro de violência política fazendo mais política.

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De 2015 a 2019, houve uma queda de 82% na aplicação de recursos aos projetos de combate à violência contra as mulheres e, por outro lado, um aumento de 68% nos casos reportados. O que a senhora tem a dizer sobre isso? A gente pode enfrentar à violência contra a mulher por dois caminhos. O primeiro deles é a prevenção. Existe todo um caminho antes de acontecer o feminicídio. É possível evitar isso. Mas, hoje, o governo tem desmontado qualquer estrutura de prevenção. Seja por meio de debate de gênero nas escolas, seja pelas campanhas para conscientizar a violência contra as mulheres. O governo tem cortado todos os recursos. O outro caminho é o do acolhimento. É preciso acolher essa mulher vítima de violência antes que ela seja assassinada. O programa Casa da Mulher Brasileira era o projeto do governo federal nesse sentido. E, na gestão Bolsonaro, ele foi desmontado. Não houve sequer um real de orçamento para ele. O pouco que teve para essa pasta da Mulher foi um orçamento remanejado pelo Congresso. Esse é um governo que desmonta a prevenção e corta o acolhimento a essas mulheres vítimas de violência. E, como se não fosse bastante, ainda tem um discurso misógino, que legitima o feminicídio e a violência contra a mulher. O Brasil é o quinto país com maior índice de feminicídios. Isso é muito grave.

Como a atuação da ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, contribui para isso? A Damares, infelizmente, tem atuado com políticas antimulheres e, por isso, antipovo, já que nós, as mulheres, somos a maioria do povo. Ela reproduz uma lógica machista que constitui as instituições brasileiras. Não posso falar que ela é machista, porque o machismo é uma questão relacional. Nenhuma mulher se beneficia do machismo. Mas, infelizmente, ela reproduz aquilo que ela mesma já foi vítima e deve ser vítima nesse governo, inclusive. É uma das poucas mulheres que compõem os ministérios do atual governo e faz parte de um campo fundamentalista religioso, esquecendo que o estado é laico.

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