Miliciano ligado a Escritório do Crime planejou ataque a deputada no Rio
Talíria Petrone (PSOL) seria alvo de membro investigado pela morte de Marielle; consórcio de assassinos foi fundado pelo capitão Adriano da Nóbrega
Alvo de ameaças desde quando ingressou na vida política do Rio de Janeiro em 2016, a deputada federal Talíria Petrone (PSOL) se viu em meio a outra intimidação que a fez deixar o estado de uma vez por todas – e a esconder seu atual paradeiro. VEJA apurou com exclusividade que um atentado estava sendo tramado pelo miliciano Edmilson Gomes Menezes, o Macaquinho, ligado ao Escritório do Crime, grupo de sicários fundado pelo ex-capitão da Polícia Militar Adriano Magalhães da Nóbrega, que atua há cerca de 15 anos na capital fluminense.
Foragido da Justiça, Macaquinho é protagonista de uma estranha coincidência no mundo do crime: ele já foi diretamente ligado como um dos executores do duplo homicídio da vereadora Marielle Franco, amiga pessoal e correligionária de Talíria, e de seu motorista, Anderson Gomes, ocorrido em março de 2018. Por outro lado, a polícia e o MP descartaram a participação de Macaquinho e apontam o PM reformado Ronnie Lessa e o ex-PM Élcio Queiroz como os responsáveis pela emboscada. Eles estão presos desde o ano passado na Penitenciária Federal de Porto Velho, em Rondônia.
A Delegacia de Repressão as Ações Criminosas Organizadas e Inquéritos Especiais (Draco) da Polícia Civil do Rio de Janeiro abriu um inquérito no mês passado para investigar o planejamento do atentado contra Talíria, mas ainda não se sabe o porquê da parlamentar estar na mira de um dos mais ferozes grupos paramilitares que atuam na cidade do Rio.
As informações sobre o planejamento do atentado contra a deputada foram reportadas ao Disque Denúncia, serviço que organiza relatos anônimos sobre a atuação da criminalidade dentro do território do estado. Classificadas como “muito graves”, as notificações de ameaça foram imediatamente encaminhadas por meio de textos à equipe da deputada, que passou a andar com escolta de agentes da Polícia Legislativa.
A ordem do plano contra a deputada federal do PSOL, segundo fontes anônimas, teria partido do presídio Bangu 9, no qual estão presos três detentos que também foram investigados no inquérito que apura o caso Marielle e Anderson. Milicianos, eles teriam articulado a empreitada criminosa contra Talíria de lá junto a Macaquinho, de acordo com os relatos.
Uma busca e apreensão foi feita dentro da unidade prisional do Rio, e um aparelho celular foi coletado pelos investigadores da Draco. Os policiais aguardam, agora, a autorização judicial para a quebra de sigilo do telefone na tentativa de entender por que a deputada federal estaria na mira dos criminosos – e quem teria ordenado uma eventual emboscada contra ela.
Quem é quem nas investigações
Macaquinho seria uma espécie de freelance do Escritório do Crime, um consórcio de assassinos que mata sob encomenda no Rio de Janeiro e que ainda é investigado no inquérito que apura a brutal execução de Marielle e Anderson, mortos a tiros no Estácio, região central do Rio, em 14 de março de 2018.
Réu por três homicídios e atualmente foragido da Justiça, o miliciano chegou a ser apontado como executor do atentado contra a vereadora e o seu motorista no inquérito da federalização do caso, que apurava as obstruções na investigação do duplo assassinato.
Quem revelou a existência do Escritório do Crime foi o miliciano Orlando da Silva Araújo, o Orlando da Curicica, em depoimento prestado ao Ministério Público Federal em agosto de 2018. Ele chegou a ser acusado pela morte da vereadora e de seu motorista, mas sempre negou as imputações, e pediu para ser ouvido pelos procuradores federais na tentativa de se livrar do envolvimento com o crime. Uma investigação sigilosa foi aberta pela Polícia Federal sob ordem da então procuradora-geral da República, Raquel Dodge.
De acordo com o relato de Curicica, além de capitão Adriano, o consórcio criminoso era formado por “major Ronald Paulo Alves Pereira; Hélio de Paulo Ferreira, vulgo Senhor das Armas; os irmãos Diego Luccas Pereira, o Playboy e Leonardo Luccas Pereira, o Leléo; ambos do Morro do Fubá; Edmilson Gomes Menezes, vulgo Macaquinho, que seria do Campinho; e ‘o pessoal do Rio das Pedras’, que seriam o Maurício Careca, o Valdemir, Dalmir, Jorge Alberto Moreth, vulgo Beto Bomba, Marcus Vinicius Reis dos Santos, vulgo Fininho, e o o pessoal do ex-PM Ronnie Lessa”. Porém, tanto as autoridades quanto a defesa de Lessa negam que ele fosse integrante do Escritório do Crime.
A maior parte dos arrolados por Orlando da Curicica em depoimento já foi presa no decorrer dos últimos dois anos. Playboy foi capturado pela Draco em setembro deste ano. Leléo, seu irmão e braço-direito, é foragido da Justiça, assim como Macaquinho.
Os dois últimos, junto com o major Ronald Pereira – encarcerado na Operação Intocáveis, em janeiro de 2019 – e com Leonardo Gouvea da Silva, o Mad (que foi detido em junho deste ano), foram apontados como executores de Marielle e Anderson dentro do inquérito da Polícia Federal e do MPF que apurou obstruções na elucidação do duplo homicídio.
Mantido em sigilo até o final do ano passado, o relato de Curicica é compatível com o que disse Beto Bomba, outro integrante do Escritório do Crime, em uma gravação encontrada pela PF no telefone do vereador Marcello Siciliano, registrada em fevereiro de 2019. Nesse áudio que baseia a denúncia da ex-procuradora geral da República Raquel Dodge, Domingos Brazão foi apontado como o mandante do crime, segundo revelou o site UOL. Tanto Brazão quanto Siciliano (que também havia sido implicado no decorrer das investigações) negam participação no duplo homicídio.
Há mais elos revelados entre Macaquinho, Playboy e Leléo e o Escritório do Crime. Ontem, o bicheiro Fernando Iggnacio foi assassinado em uma emboscada no Rio. Ao escrutinar o grupo de assassinos sob encomenda, os investigadores apontaram que uma arma calibre .50 teria sido comprada e guardada nos morros do Fubá e Campinho – exatamente as comunidades onde o trio mencionado mantém domínio.
No entanto, o Ministério Público do Rio e a Delegacia de Homicídios da Capital discordam da versão apresentada pela gravação entre o miliciano Beto Bomba e o vereador Marcello Siciliano no inquérito da federalização do caso Marielle, e apontam o PM reformado Ronnie Lessa e o ex-PM Élcio de Queiroz como os autores da emboscada contra a vereadora e seu motorista.
Dois delegados ligados às investigações de todos os suspeitos citados foram consultados pela reportagem e disseram que o grupo criminoso de Macaquinho, Leléo e Playboy não teria “sofisticação” para arquitetar os assassinatos da vereadora e de seu motorista.
Júri popular
Ronnie e Élcio são réus pelo crime e estão presos na Penitenciária Federal de Porto Velho, em Rondônia. Eles, que vão a júri popular ainda sem data definida, negam as acusações. O MP do Rio quer separá-los em unidades prisionais diferentes desde janeiro deste ano, conforme o jornal “Folha de S.Paulo” antecipou.
VEJA apurou que existe um grande temor entre os investigadores de que eles sejam absolvidos. Isso porque, até agora, não se conseguiu colocar Ronnie e Élcio no Cobalt prata clonado que monitorou Marielle e Anderson – além do fato de que a arma e o carro usados no crime jamais foram encontrados. Outra questão que causa problemas às investigações é o fato de que havia dois carros clonados com a mesma placa circulando no dia 14 de março de 2018 pelo Rio, conforme revelou uma reportagem veiculada no site The Intercept Brasil.
Um terceiro aspecto que atrapalha a junção de provas seria a batalha judicial que a promotoria vem travando com o Google, que se recusa a fornecer dados de pesquisas e que recorreu ao Supremo Tribunal Federal (STF) a fim impedir a ordem da Justiça.
As defesas de Ronnie Lessa e Élcio de Queiroz alegam que eles são inocentes. A prova mais contundente que a polícia e os promotores do Rio têm contra os dois é a busca feita no Google por Ronnie Lessa pelo endereço do ex-marido de Marielle, e que foi realizada exatamente no mesmo dia em que a vereadora visitou o local – segundo os investigadores, isso indica que Marielle estava sendo monitorada por Lessa.
Em depoimento prestado ao juiz Gustavo Kalil, da 4ª Vara Criminal do Tribunal do Rio, no mês de outubro do ano passado, Lessa alegou que a pesquisa foi realizada devido a uma proposta de troca de um imóvel que o PM reformado estaria vendendo – o endereço teria sido fornecido por um interlocutor que propôs a Lessa tal negócio.
As investigações que apuram os mandantes dos assassinatos de Marielle e Anderson seguem sob sigilo. Uma das principais linhas verifica se o ex-vereador Cristiano Girão Matias teria envolvimento com o crime, conforme o telejornal “SBT Brasil” revelou em agosto deste ano.