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Sergio Moro: Bolsonaro usou o governo para blindar o filho

“Um estadista tem o compromisso de dirigir o país pensando no bem-estar geral e não em proteger o filho ou a família da ação da lei", disse o ex-juiz

Por Laryssa Borges Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 28 mar 2022, 17h38 - Publicado em 30 nov 2021, 00h00

Era 1º de novembro de 2018 quando Sergio Moro, então juiz da Operação Lava-Jato, ouviu de Jair Bolsonaro garantias de que, se aceitasse o cargo de ministro da Justiça e da Segurança Pública, teria carta branca para combater escândalos de corrupção e reforçar mecanismos de investigação no governo que se iniciaria dentro de dois meses. Naquela época, a Polícia Federal e o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) já haviam reunido elementos sobre um esquema de rachadinhas na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) após vasculhar movimentações financeiras suspeitas de Fabrício Queiroz, então faz-tudo da família Bolsonaro, mas o caso só viria a público tempos depois, quando elevaria ao centro do noticiário policial o filho mais velho do presidente, o senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ).

Afastado do governo desde que acusou, em abril do ano passado, o chefe do Executivo de tentar interferir na Polícia Federal em benefício próprio e de seus familiares, Moro diz que o caso Queiroz se transformou em uma “assombração” para o presidente e afirma ter presenciado sucessivos episódios em que Jair Bolsonaro, longe de cumprir a promessa que havia feito a ele, atuou para enfraquecer mecanismos de combate à corrupção com o objetivo de blindar o filho das acusações de peculato e lavagem de dinheiro decorrentes da rachadinha. “Quando meus filhos fazem alguma coisa de errado, eu os corrijo, embora eles sejam bem mais novos e nunca tenham tido problemas similares. Isso é uma virtude e é o papel de pai. O presidente da República, um estadista, tem que ter um papel na mesma linha. A Justiça demanda que o fato seja apurado e as consequências sejam extraídas. Se a consequência for uma condenação criminal, é isso que tem que acontecer. É uma questão de justiça, de mostrar para todo mundo que a lei se aplica a todos”, disse Moro a VEJA.

Em um episódio emblemático de sua passagem pelo governo federal, após o ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF), atender a um pedido da defesa de Flávio e paralisar processos judiciais que usavam dados do Coaf, como o da rachadinha, Bolsonaro deu ordens expressas para que o ex-juiz não se intrometesse na decisão que beneficiava o filho senador. “Se não vai ajudar, então não atrapalhe”, declarou o presidente, segundo Moro registrou no livro de memórias “Contra o Sistema da Corrupção” (editora Sextante/Primeira Pessoa, R$ 49,90 a versão impressa e R$ 29,99 o ebook, 288 páginas) a ser lançado no próximo dia 2.

Contra o sistema da corrupção - livro que o ex-juiz Sergio Moro lança a um ano das eleições de 2022
(Divulgação/Divulgação)

“Um estadista, um homem público, tem o compromisso de dirigir o país pensando no bem-estar geral e não em proteger o filho ou a família da ação da lei e da Justiça”, disse ele. Na obra, Sergio Moro afirma que passou por “humilhações” em sucessivos processos de fritura promovidos pelo ex-chefe e avalia que o ex-presidente Lula e o presidente Bolsonaro são “muito parecidos” na falta de princípios éticos.

O ex-ministro afirma ter sido ingênuo ao acreditar no ex-capitão e diz ter pensado em abandonar o cargo ainda em 2019 ao detectar que “não poderia confiar” no chefe. “O que não se poderia admitir era a destruição do sistema de prevenção à lavagem de dinheiro com o propósito de salvar da lei o filho de alguém, mesmo sendo ele o filho do presidente da República”, resume. A seguir, as principais revelações de Sergio Moro.

  1. Nova prisão de Lula: Ex-eleitor de Lula, Moro afirma que a Lava-Jato sabia que investigar o ex-presidente seria “muito desgastante” e critica a naturalidade com que o petista se eximia de responsabilidades sobre o esquema de corrupção na Petrobras. “O pior não era o ex-presidente invocar esse tipo de argumento, o mais assustador era ver quantos seguidores políticos acreditavam – e ainda acreditam – nesse argumento”, diz. Em suas memórias, Moro relata que, após Lula não se entregar de imediato para começar a cumprir pena, um advogado do ex-presidente temeu que ele decretasse uma nova ordem de prisão, o que agravaria a situação jurídica do principal alvo da Lava-Jato. O ex-juiz diz nunca ter considerado tal hipótese.
  2. “Se fosse meu filho…”: Desde o início do governo, o relatório do Coaf que mostra sucessivos saques em espécie de Fabrício Queiroz na investigação das rachadinhas trouxe consequências para a agenda anticorrupção e para a permanência de Moro como ministro. O ex-juiz diz que a decisão de Bolsonaro de não vetar propostas como as que restringiam prisões e limitavam delações premiadas tinha como pano de fundo “as encrencas do filho dele com a Justiça”. “Na época fiquei extremamente preocupado com o caso Queiroz, mas o presidente disse que o fato seria apurado e que não protegeria ninguém. Ele até se sentiu compelido a dar explicações à minha equipe. O fato é que o desmantelamento do combate à corrupção colateralmente pode ter beneficiado os filhos dele nas investigações”, relatou Moro a VEJA. “Precisa ter vontade política para combater a corrupção, e essa vontade política não vai vir dos dois extremos políticos. O governo Lula falando de combate à corrupção é uma piada. E o governo Bolsonaro não tem o que apresentar”, completou ele.
  3. Quase uma coisa só: Esposa de Moro, a advogada Rosângela Moro certa vez classificou o marido e o presidente da República como “uma coisa só”, dando munição para desafetos do ex-juiz o vincularem a Bolsonaro mesmo após o rompimento político de ambos. Em suas memórias, Sergio Moro faz uma analogia semelhante. “Vejo atualmente o governo Bolsonaro muito parecido com o governo Lula, especialmente na parte ética”, diz ao se defender da alcunha de “traidor” atribuída a ele por bolsonaristas. A VEJA, o ex-ministro afirmou que “não é coincidência que dois governos que transigiram com a pauta ética tenham acabado em recessão. O mensalão e o petrolão plantaram as sementes da grande recessão de 2016, e o governo atual aparentemente nos entregará uma estagnação ou uma recessão no próximo ano”.
  4. A luta foi desigual: É assim que Moro define a insurreição da classe política e jurídica contra a Lava-Jato, mas diz que não vê o debacle da operação como uma “derrota pessoal”. Ele defende a decisão de ter divulgado trechos da delação premiada do ex-ministro petista Antonio Palocci às vésperas da eleição de 2018, reflete sobre dilemas pessoais de delatores, como Marcelo Odebrecht, com quem concorda sobre o papel de “bode expiatório” dentro da empresa, e rebate as recorrentes críticas de que as investigações de Curitiba “criminalizaram a política”. “Quanto à criminalização da política, quando alguém me convencer de que pagar ou aceitar subornos fazem parte do exercício da boa política, concordarei com o argumento”.
  5. Eu errei: Pela primeira vez Sergio Moro admite que errou ao aceitar se tornar ministro da Justiça de Bolsonaro. Não pelo perfil misógino ou homofóbico do presidente, que o ex-juiz conhecia de antemão e acreditou que seria moderado quando o chefe assumisse o Planalto, mas pela sequência de boicotes à pauta anticorrupção, pelo surgimento do caso Queiroz e pela aliança com parlamentares corruptos. “É fácil concluir que eu errei. Sabedoria retrospectiva não vale”, diz. A VEJA, Moro afirmou que teria sido “complicado” recusar o convite para ingressar no governo. “Mais de 57 milhões de brasileiros escolheram o presidente e havia uma esperança de que poderia dar certo. [Pensar que] vamos ajudar o país, vamos construir algo melhor é algo que mexe com a sua alma. Teria dado certo se eu tivesse tido o apoio do Planalto”, relata.
  6. Humilhações e rasteiras: O ex-ministro da Justiça diz que Bolsonaro tinha por hábito “constranger” e “humilhar” os subordinados, submetendo-os a frituras públicas e diminuindo seus poderes, como no ensaio do presidente para recriar o Ministério da Segurança Pública e esvaziar as atribuições do ex-juiz no governo. “Se ele não me queria mais no governo, poderia simplesmente me demitir”, relata. Moro revela que chegou a corroborar o nome de Alexandre Ramagem para a diretoria-geral da Polícia Federal porque outros dois indicados de Bolsonaro eram “absolutamente inaceitáveis”, mas diz que depois percebeu que sua anuência havia criado uma bola de neve com pressões recorrentes por substituições na PF. “Contornar aquelas crises com o presidente para satisfazer os seus caprichos tirava a minha concentração no trabalho”, relembra Moro.
  7. Alianças espúrias: Quando deixou o governo Bolsonaro, Moro acusou o presidente de se aliar com o que considera o pior da política partidária: deputados do Centrão. Em seu livro de memórias, o ex-juiz afirma que parcerias com políticos “com passado e histórico comprometidos” não funcionam e levam “o país para um caminho errado, apesar de eventuais ganhos de governabilidade a curto prazo”. Ele não faz ataques diretos, mas critica os superpoderes dos presidentes da Câmara e do Senado, capazes se paralisar votações cruciais para o país – ou, no caso dele, desidratar o projeto que foi a menina dos olhos de sua gestão, o pacote anticrime.
  8. O sonho do STF: Moro sempre cultivou o desejo de ser escolhido ministro do STF e chegou a ser aconselhado por amigos a estabelecer a nomeação à Corte como pré-requisito para entrar no governo. Ele disse que rejeitou o aconselhamento e afirmou que foi “ingênuo” ao acreditar que sua indicação viria “naturalmente” se desempenhasse um bom trabalho no ministério. Já desiludido com Bolsonaro, declarou que “se o meu objetivo fosse uma cadeira no STF, bastava ter concordado com a troca [na Polícia Federal] e permanecer no governo, dizendo ‘amém’ a todas as iniciativas do presidente”. “Eu havia deixado o governo por perceber a real falta de comprometimento de Bolsonaro com a agenda anticorrupção e, mais do que isso, pela constante sabotagem às iniciativas do Ministério da Justiça”.
  9. E o STF de Gilmar Mendes: Durante a pandemia, Moro participou de uma reunião com o presidente para tentar demovê-lo de atacar cotidianamente o então ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta. Naquele mesmo dia o ministro do STF Gilmar Mendes,  com quem Bolsonaro se consulta esporadicamente, havia aconselhado o presidente a unificar as ações de enfrentamento à Covid para evitar uma enxurrada de ações judiciais. Na reunião, o que Moro não sabe é que Mendes teceu duras críticas à suposta inação do Ministério da Justiça na coordenação de políticas públicas relacionadas à crise sanitária. Ao se encontrar com Bolsonaro, Moro recebeu uma estocada do chefe. “O Moro que me perdoe, mas são ministros como o Gilmar Mendes que resolvem as coisas”, disse o presidente segundo o ex-juiz. Gilmar, como se sabe, era o crítico mais ferrenho da Lava-Jato no Supremo e foi o mentor da estratégia de votações que levaram ao esvaziamento da operação e à anulação das sentenças contra Lula.
  10. Segredos bem guardados: Desafeto declarado do presidente Bolsonaro e político com quem pretende disputar o eleitor de perfil conservador em 2022, Sergio Moro diz que “algumas revelações” ainda não estão maduras o suficiente para virem a público e dá uma pista sobre os segredos que guarda sobre o governo Bolsonaro. “Quando saí do ministério, entendi que era necessário esclarecer, pelo menos parcialmente, os motivos de minha saída. Poderia, naquela manhã, ter prestado declarações muito mais pesadas contra o Presidente da República”, diz.

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