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Sergio Abranches: PT dá ‘sinal de fraqueza’ a Lira ao não pacificar ruídos

Em entrevista a VEJA, cientista político responsável por criar o termo 'presidencialismo de coalizão' avalia primeiros entraves de Lula no Congresso

Por Laísa Dall'Agnol Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 13 mar 2023, 09h27

Na edição que está nas bancas, VEJA mostra como o governo Luiz Inácio Lula da Silva tem tropeçado nas articulações com o Centrão por apoio no Congresso — em meio a um cenário de crescente união do grupo suprapartidário e de fragilidades impostas a Lula por ruídos gerados na própria base aliada do PT.

Para o sociólogo Sergio Abranches, o primeiro ponto para entender a atual relação do petista com o Centrão é observar que ela é diferente daquela experimentada em sua primeira gestão. Nas duas décadas que separam as eras petistas, o Legislativo ganhou força e autonomia em relação ao Executivo. “Houve no governo Bolsonaro, com o orçamento secreto e outras decisões que foram tomadas, uma redução do poder do presidente da República, e a transferência desse poder para o Legislativo, principalmente para a Câmara”. O analista e escritor foi quem cunhou, em 1988, o conceito de “presidencialismo de coalizão”, modelo em vigência até hoje e no qual, em meio à pulverização partidária, o sistema eleitoral fortalece o grupo com maioria política no Congresso, “impondo” a formação de uma coalizão que dê sustentação ao presidente.

Em entrevista a VEJA, Abranches avalia como a ofensiva de Lira no comando da Câmara é uma empreitada por recuperação de poder, e como o governo Lula tem sido minado pelo “fogo-amigo” de seus próprios auxiliares. “Você ouve a presidente do PT dizendo que o Fernando Haddad não está certo quando ele conversa com o presidente do Banco Central, ou quando toma determinadas decisões. Isso é usado contra o Lula pelos outros, que pensam: ‘Ele não controla nem o PT, imagina o resto’. Isso dá sinal de fraqueza, que faz com que a coalizão fique mais frouxa”, afirma. Leia abaixo os principais trechos da entrevista:

Lula tem patinado para conseguir apoio no Congresso. O Centrão realmente está mais forte? Como o senhor avalia a atuação do bloco nesse começo de governo? Há três aspectos a serem observados. O primeiro é que parte da reação do Arthur Lira tem a ver com o fato de que ele perdeu poder com o fim do orçamento secreto. Ele está num gesto de reconquistar poder, e isso foi visto primeiramente no movimento de montar uma aliança quase que consensual dentro da Câmara para ser reeleito presidente (…) O segundo aspecto é que uma das maneiras de se recuperar esse poder é criando dificuldade para Lula precisar da ajuda dele dentro da Câmara. Tem um jogo de poder muito caracterizado, construído de forma que Lula seja forçado a fazer a negociação da desobstrução desses obstáculos. A terceira questão é que uma coalizão funciona com um partido âncora que dá ao presidente o apoio integral. Hoje, o partido âncora é o PT, e o âncora “coadjuvante” é o MDB. Mas o PT tem dado demonstrações de que não se comportará como uma âncora fiel, sem criar obstáculos ao presidente. Pelo contrário, o partido demanda, busca poder adicional, quer ministério, quer cargos. Vai votar, mas cria muito problema, muito ruído. Você ouve a presidente do PT dizendo que o Fernando Haddad não está certo quando ele conversa com o presidente do Banco Central, ou quando toma determinadas decisões. Isso é usado contra o Lula pelos outros, que pensam: ‘O Lula não controla nem o PT, imagina o resto’. Isso dá um sinal de fraqueza, que faz com que a coalizão fique mais frouxa. É uma queda de braço permanente a gestão da coalizão no Brasil. 

Na última semana, Arthur Lira voltou a defender o semipresidencialismo, pauta que havia sido deixada de lado por ele desde que Lula foi eleito e que o PT fechou apoio à sua recondução à Presidência da Câmara. Resgatar o tema é mais um indicativo do protagonismo que Lira pretende ter? O Centrão só sobrevive sendo governo, porque a maneira pela qual esses parlamentares se elegem torna necessário que eles criem capacidade de carrear recursos do governo federal para seus redutos eleitorais. E, ao mesmo tempo, mostrar que têm poder em Brasília. Lira aderiu ao semipresidencialismo faz tempo. Políticos que não têm a menor capacidade de se eleger presidente da República, mas que têm poder no Congresso, têm uma tendência a defender esse sistema de governo. O que acontece é que houve no governo Bolsonaro, com o orçamento secreto e com outras decisões que foram tomadas, uma redução do poder do presidente da República, e a transferência desse poder para o Legislativo, principalmente para a Câmara. A defesa do semipresidencialismo por parte do Lira tem a ver com isso: ele só conseguiria ser chefe do Executivo nacional se fossemos regidos por tal regime.

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Outro ponto levantado tem sido a federação entre o PP e o União Brasil. Essa união é viável? Que tipo de obstáculos representaria ao governo Lula? Você vai ter uma ‘bancadona’ extremamente heterogênea, e que não vai se entender, que vai brigar o tempo todo por cargos dentro da federação. Essa ideia não funciona, é uma ficção. O próprio União Brasil tem esse problema, porque toda vez que você vai se discutir a legenda, você tem que separar o PSL do DEM. É a mesma coisa que você fazer bloco para aumentar o número de cadeiras que você controla. O bloco encaminha o voto numa direção, e quando você vai olhar, metade não vota na direção do bloco, sem falar nos que deixam os parlamentares escolherem como votar. Caso seja viabilizada, a federação vai aumentar o poder de chantagem sobre o Lula, de fato, porque tornando-se a maior bancada dentro da Câmara, você disputa mais presidências de comissão, de relatoria, tem mais controle de várias ferramentas dentro da Casa. E vai se criar dificuldade a fim de conseguir ganhar benefício. 

O próprio Arthur Lira tem mencionado que divergências locais colocam em xeque a materialização de alianças no Congresso, afirmando que há ‘inconformidade entre conversas partidárias e o resultado prático’ em Plenário. O cenário pode ser explicado, segundo ele, por ‘polarizações eleitorais por região’. Esses entraves podem ser superados? Estruturalmente, é insuperável, porque praticamente todos os partidos são espécie de federações dos partidos estaduais. Você pega o MDB, por exemplo. A legenda é a soma do MDB de Alagoas com o MDB do Pará, com o MDB do Rio Grande do Sul, e por aí vai. Esses chefes fazem ali um acordo entre eles, e às vezes eles divergem (…) Uma das dificuldades de se discutir reforma tributária, inclusive, é isso. Tem partidos que têm uma posição melhor em relação ao ICMS do que outros. Eles têm interesses antagônicos dentro do próprio partido em relação à reforma tributária. A negociação, a gestão da coalizão precisa de muita habilidade para costurar acordos minuciosos, e você não consegue fazer isso de forma permanente. Não é porque agora o Lula negociou, que a coalizão está fechada e que ele vai aprovar tudo o que ele quiser. A coalizão no Brasil nunca foi assim. O presidente dá cargos, dá ministérios, o que é visto pelos parlamentares como um sinal da formação da coalizão. A cada votação, tem que se negociar e criar uma maioria (…) Lembrando que, em paralelo, os parlamentares precisam das verbas e dos cargos federais para continuar exercendo seu poder local. Não tem como conciliar todas as diferenças locais e regionais em partidos que têm chefes locais. 

Uma das prioridades do governo no Congresso é encaminhar a reforma tributária. Grupo de trabalho liderado pelo deputado Reginaldo Lopes (PT-MG) tem como meta apresentar até o início de abril um texto em torno do qual haja convergência. No cenário atual, Lula terá dificuldades em aprovar a reforma? Não dá para aprovar a reforma tributária com rapidez. No entanto, de todos os projetos em discussão, ela tem um diferencial, que é o fato dela já estar tramitando há muito tempo. E só não se aprovou no governo Bolsonaro porque ele não quis. O acordo estava feito para governadores, parte importante dos prefeitos, de capitais poderosas, e dentro do Congresso. Mas não quiseram votar. Mudou-se o governo, mas não mudou só o presidente. Há um pedaço grande do Congresso que não foi reeleito, chegaram parlamentares novos, há governadores novos. Então daquele grupo que formou consenso sobre reforma tributária, tem um pedaço grande que está disposto a seguir adiante, mas tem um outro pedaço com o qual precisa ser negociado. Mas, com um pedaço bom do Congresso já “convencido”, fica mais fácil de convencer o pedaço menor, o que, ao mesmo tempo demanda tempo e habilidade.

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