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Rezek critica superpoderes, mas diz que ideia de mudar STF lembra ditadura

Em entrevista a VEJA, ex-ministro do STF analisa propostas de emendas que alteram engrenagens do tribunal

Por Laryssa Borges Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 5 mar 2023, 20h56

Em meio ao movimento parlamentar de tentar revitalizar propostas que alteram o dia a dia do Supremo Tribunal Federal (STF), corte que nos últimos quatro anos se tornou alvo dileto do ex-presidente Jair Bolsonaro nos ataques ao Judiciário, o advogado Francisco Rezek diz, em entrevista a VEJA, ver com enormes ressalvas movimentos legislativos que pretendem alterar as engrenagens da Suprema Corte, revelados na edição que chegou neste fim de semana às bancas e plataformas digitais. Unidos pelo ressentimento provocado por investigações como a Lava-Jato e por críticas a um suposto ativismo do tribunal contra o Congresso, parlamentares de diversos matizes ideológicos – do PT ao Centrão – trabalham, sem alarde, em propostas de emenda constitucional que vão desde regulamentar a definição de “notório saber jurídico”, um dos critérios para a escolha de ministros do STF, até a mais alarmante de todas: ampliar as atuais 11 cadeiras e empastelar o Supremo com aliados do presidente de turno.

Duas vezes ministro do STF e ex-juiz da Corte Internacional de Justiça, sediada em Haia, Rezek admite que o tribunal tem superpoderes que poderiam ser alvo de escrutínio parlamentar. Ele é simpático à ideia de fixar limites para decisões individuais de ministros em temas controversos, como a interferência no mandato de governantes, mas afirma que proposições hoje em debate, como a de instituir um mandato para futuros magistrados – plataforma de campanha do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG) – ou de tentar mais uma vez aumentar o número de vagas, trazem digitais ditatoriais. A seguir a entrevista:

Em um momento de menor tormenta entre Executivo e Judiciário, há riscos de o Legislativo, com essas propostas, desequilibrar a harmonia entre os poderes? Os fundadores da República adotaram, na Constituição de 1891, o modelo inventado mais de cem anos antes nos Estados Unidos, e criaram nossa corte suprema na estrita conformidade dessa ideia de um Estado federal, republicano e presidencialista. O candidato é escolhido pelo chefe do Executivo e submetido ao exame e aprovação (ou não) pelo Senado. O plano de alterar esse modelo elevando o número de ministros do tribunal, ou fixando mandatos, me parece motivado pelos mesmos sentimentos que levaram o governo Castello Branco a fazer algo semelhante em 1965 ou o governo Erdogan a mexer na corte suprema da Turquia em 2010. Não se trata aí de aperfeiçoar coisa nenhuma.

O presidente do Senado Rodrigo Pacheco utilizou como plataforma da campanha à reeleição dar seguimento à PEC que institui mandatos fixos para futuros ministros do STF, enquanto parlamentares falam em regulamentar o que seria ‘notório saber jurídico’ ou mesmo dar à Câmara e ao Senado a prerrogativa de indicar parte dos ministros. O que acha dessas ideias? As exigências constitucionais de notável saber jurídico e reputação ilibada não têm onde mudar: tudo que se impõe é que o Senado cumpra com rigor o seu dever de examinar os indicados pelo chefe do governo, não transformando a sabatina em um festival de galanteios, como já aconteceu tantas vezes. Alterar o sistema de escolha, estabelecendo, por exemplo, quotas de indicação pelo governo, pelo Senado, pela Câmara, por entidades de classe, seria uma lástima. O Supremo se converteria em algo como os tribunais de contas e certos conselhos de controle corporativo, onde é impressionante a variação de qualidade, em mais de um sentido.

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Pesquisa Quaest de fevereiro mostra que 29% dos brasileiros consideram a imagem do tribunal negativa (23% a acham positiva), e 43% dizem que o ministro Alexandre de Moraes, responsável por investigações que atingem a família Bolsonaro, está exagerando em suas decisões, contra 37% que pensam o contrário. Quão perigoso pode ser legislar sobre o funcionamento da Suprema Corte do país neste contexto? Compreendo o mal-estar reinante nos dois poderes políticos (um mal-estar velado no Executivo, e ostensivo no Congresso) por conta disto que a classe política vê como o ativismo excessivo do Judiciário, não raro conducente à assunção de poderes que o povo brasileiro não confiou pelo voto a nenhum juiz ou tribunal. Este é o lado positivo e oportuno de uma possível emenda à Constituição que eliminasse as decisões monocráticas sobre temas sensíveis, como a interferência da corte no exercício do mandato popular de governantes e legisladores. A Constituição da República pode perfeitamente (e deve, neste momento) estabelecer o justo limite da prerrogativa judiciária, que ganhou no Brasil do nosso tempo uma dimensão sem paralelo lá fora, mesmo no país que nos serviu de modelo.

O STF está empoderado demais? No restante do mundo, nos países numericamente majoritários, onde a Justiça é uma autoridade independente mas não chega a ser um poder do Estado, custam a entender o que se passa na democracia brasileira, onde o poder não eleito dispõe com tanta desenvoltura do destino dos eleitos. Há quem pense que na conjuntura dos últimos anos isso foi um mal necessário. Mas ninguém vê nisso o cenário definitivo ideal de um regime democrático.

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