A ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro reuniu em fevereiro um grupo de parlamentares mulheres na sede do PL, o seu partido, em um primeiro ato como dirigente do braço feminino da legenda. Logo no início do encontro, foi categórica ao negar qualquer interesse, ao menos por ora, de entrar na política. “Não sei como vai ser daqui a um tempo, mas hoje eu não tenho pretensão”, discursou. Em uma declaração tratada como um ato falho, emendou o discurso chamando as congressistas de “minhas colegas”, mas corrigiu-se. “Quer dizer, nós não somos colegas porque eu não sou deputada”, disse, aos risos.
A declaração foi interrompida pela deputada Amália Barros: “É deputada sim, pelo Mato Grosso”. Na sequência, o presidente do PL, Valdemar Costa Neto, completou: “E é senadora pelo Distrito Federal”.
Enquanto refuta alimentar qualquer pretensão política, Michelle já é tratada como alguém que tem dois “mandatos” no Congresso. Ela se engajou pessoalmente na campanha de Damares Alves (Republicanos-DF) para o Senado e de Amália Barros (PL-MT) para a Câmara. No caso de Damares, que era assessora do Senado e ganhou protagonismo enquanto ministra de Direitos Humanos, a atuação de Michelle é vista como definidora para a vitória sobre Flávia Arruda (PL-DF) – que corria na mesma raia em busca de eleitores conservadores, mas, diga-se, a ex-primeira dama não nutria muitos amores por ela.
Michelle participou de atos públicos e religiosos, gravou vídeos e não economizou nos pedidos de votos para a colega. Uma pessoa do núcleo mais próximo da ex-primeira-dama chega a afirmar que Damares não teria sido eleita se não fosse o apoio de Michelle.
Já no caso de Amália, o fator Michelle foi ainda mais emblemático. Cega de um olho, a jornalista conheceu a primeira-dama em 2021, quando tentava aprovar uma lei específica para deficientes visuais monoculares. Michelle encampou a proposta e trabalhou junto ao governo pela aprovação do tema, levando a recém-colega para conversas nos principais gabinetes ministeriais. Aprovada, a medida foi sancionada por Bolsonaro em março daquele ano. Em dezembro, Michelle convidou Amália para ingressar na política e sair candidata a deputada federal. Surpresa, ela ponderou que não tinha experiência política, mas topou a empreitada.
Após uma dezena de vídeos em que Michelle pedia votos, Amália foi eleita com mais de 70.000 votos. “Quando fui eleita, escrevi num bilhete para a Michelle: ‘Parabéns, a senhora foi eleita deputada federal pelo Mato Grosso’. Ela me deu uma visibilidade. Ninguém me conhecia, eu era uma ilustre desconhecida. Se eu estou aqui hoje, é graças a ela”, diz a deputada de primeiro mandato.
Na abertura do ano legislativo, em 1º de fevereiro, Michelle fez questão de fazer uma visita a Damares Alves no Senado, gerando uma corrida de jornalistas, assessores e fãs pelos corredores da Casa até o gabinete da ex-ministra. Já no caso de Amália, ela ainda está devendo uma ida ao seu novo escritório.
Passados o período eleitoral e uma temporada nos Estados Unidos, Michelle voltou ao Brasil antes mesmo de Jair Bolsonaro e já dá seus primeiros passos da carreira pública. A ex-primeira dama vai tomar posse como presidente do PL Mulher no próximo dia 21 – pelo planejamento inicial, o lançamento seria em 8 de março, Dia da Mulher, mas acabou adiado em meio à história ainda não explicada sobre as joias sauditas supostamente enviadas para ela.
Michelle pretende fazer um giro pelo país e expandir seu público alvo, antes mais restrito às pessoas com deficiência, às mulheres e mães de família – camada que corresponde a mais da metade do eleitorado brasileiro. Dentro do PL, há quem aposte que, com a possível inelegibilidade do marido, Michelle Bolsonaro pode ser uma sucessora natural em 2026. Enquanto nega ter essa vontade, ela já começa a dar seus primeiros passos na política.