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O centro do Centrão

Quem são e como operam os deputados fisiológicos que impõem derrotas ao governo. Em comum, eles têm apetite por cargos e muitos rolos na Justiça

Por Edoardo Ghirotto
Atualizado em 17 jul 2019, 17h47 - Publicado em 31 Maio 2019, 07h00

“Bom trabalho, gordinho.” Com essa frase e um amistoso tapa no ombro, o presidente Jair Bolsonaro encerrou o encontro, de pouco mais de um minuto, que teve com Felipe Francischini (PSL-PR), presidente da Comissão de Constituição e Justiça, ao tempo em que a reforma da Previdência estava sendo debatida lá. O objetivo da reunião era montar a estratégia para a aprovação do texto, mas Bolsonaro, a despeito de seus 28 anos na Câmara, não tem mesmo muita habilidade nessas situações. Resultado: a reforma ficou por quase um mês na CCJ, prazo moroso até para os padrões do Legislativo. Desprovido de uma base partidária consistente no Congresso, o governo tem se tornado refém de uma turma que é, sim, profissional na política, mas nem sempre em defesa dos interesses do país: o Centrão. Assim é chamado um bloco informal constituído por cerca de 200 deputados — grosso modo, os filiados ao PP, PL, PSD, PRB, PTB, Solidariedade e DEM (embora o prefeito de Salvador, ACM Neto, tenha declarado depois das passeatas do domingo 26 que o seu DEM “nunca será Centrão”). Nesse vasto bloco, três deputados despontam como os grandes atravessadores da agenda do governo: Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), Arthur Lira (PP-AL) e Elmar Nascimento (DEM-BA). Esse trio é o centro do Centrão.

O Centrão deita raízes na Constituinte de 1987/1988, quando surgiu, apoiando o presidente José Sarney. Os personagens e a composição partidária vêm mudando, mas algumas características permanecem: é um contingente de deputados de corte conservador mas sem solidez ideológica, e com apego ao poder. Deu amparo ao impeachment de Dilma Rousseff e barrou processos contra o então presidente Michel Temer. O trio que comanda o jogo do Centrão hoje faz jus à tradição. Tanto Ribeiro quanto Lira são fruto de clãs políticos do Nordeste e estão no terceiro mandato na Câmara. Colecionam também escândalos dos mais variados. Atualmente, a principal preocupação da dupla é a denúncia contra o “quadrilhão do PP”, na qual eles são acusados de arrecadar propina em estatais e órgãos públicos entre 2004 e 2015. A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) ainda não decidiu se transformará os parlamentares em réus.

Ribeiro e Lira têm bom diálogo com a esquerda — Ribeiro foi até ministro das Cidades de Dilma Rousseff. “Eles passam a credibilidade e o conteúdo que faltam aos bolsonaristas”, diz André Figueiredo, líder do PDT. Ribeiro é visto como um interlocutor de Maia na Casa. Arthur Lira mantém uma relação protocolar com o presidente da Câmara, a quem, é sabido no Congresso, pretende substituir em 2021. Foi a dupla que, em uma demonstração de força, organizou, em reunião na casa de Maia, a primeira grande derrota do governo no Legislativo: a derrubada do decreto do vice Hamilton Mourão que ampliava o sigilo sobre documentos públicos. Deputados do Centrão e da oposição contam que os dois também foram os responsáveis pelo sumiço do relator da reforma da Previdência, delegado Marcelo Freitas (PSL-MG), na sessão da CCJ em 17 de abril — para adiar a votação marcada para esse dia, o relator foi retido pelo grupo em uma reunião burocrática. Nos bastidores do Congresso, Artur Lira é tido como o arquiteto da manobra — ele estaria descontente com certas atitudes do ministro da Economia, Paulo Guedes.

AMIGO DO REI – Elmar Nascimento: ele já dividiu apartamento com Rodrigo Maia (Luis Macedo/Câmara dos Deputados)

Terceiro expoente do Centrão, Elmar Nascimento ascendeu à liderança do DEM na Câmara graças a uma articulação de Maia, seu amigo, com quem já até dividiu apartamento. Sua eleição se deu depois que o presidente da sigla, ACM Neto, concordou que não seria saudável emplacar um líder próximo ao grupo do chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni. Elmar vem agindo em consonância com Arthur Lira — o que não agrada a ACM.

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O Centrão gostou do prestígio que ganhou no governo Temer. Seus líderes partidários avaliam que, no governo do PT (do qual o grupo foi aliado quase até o impeachment), o Centrão era só um chancelador de projetos do governo. Não querem mais voltar a essa condição. Em tese, o núcleo do Centrão é simpático à reforma da Previdência, mas teme que o presidente e seu ministro da Economia ganhem sozinhos os eventuais louros do projeto. O bloco ressente-se de ver o presidente chancelando manifestações nas quais figuram bonecos infláveis de Rodrigo Maia com picolés de dinheiro. E o governo que diz recusar o toma lá dá cá já acena com liberação de emendas orçamentárias para deputados que apoiarem as reformas. O Centrão não gosta de ser visto como fisiológico — mas entende bem (e adora) essa linguagem.

 

Publicado em VEJA de 5 de junho de 2019, edição nº 2637

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