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“Não vai rir, não?”

Apesar da apatia do presidente, o governo ensaia uma contraofensiva para tentar recuperar o apoio do Congresso e salvar a Previdência

Por Marcela Mattos Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO , Daniel Pereira Atualizado em 29 mar 2019, 07h00 - Publicado em 29 mar 2019, 07h00

Era manhã da quarta-feira 27 quando tocou o celular do deputado Major Vitor Hugo (PSL-GO), líder do governo na Câmara. Do outro lado da linha estava o presidente Jair Bolsonaro. Acossado por parlamentares governistas, que reclamam de sua atuação à frente da articulação política, o deputado logo pensou que seria demitido, já que na noite an­terior o governo sofrera uma derrota acachapante na Câmara, com a aprovação da proposta de emenda constitucional que engessa ainda mais o Orçamento da União. Deu-se, então, a surpresa: “Ô, major, e aí? Não vai rir, não?”, perguntou Bolsonaro, esbanjando bom humor. “Eu não sei, presidente…”, respondeu o deputado, um tanto constrangido. “Se eu estou rindo, por que você não vai rir, rapaz?”, continuou o presidente. Àquela altura, o dólar disparava, e a bolsa operava em baixa. Na Praça dos Três Poderes, consolidava-se o entendimento de que a reforma da Previdência estava ameaçada e que o Planalto precisava reagir a fim de reconstruir pontes com os parlamentares. Para tanto, era necessário, antes de mais nada, reconhecer a gravidade da situação.

Bolsonaro, no entanto, agia como se nada de preocupante tivesse acontecido. Na conversa telefônica, até desdenhou da tese de que fora vencido na votação sobre o Orçamento. O presidente lembrou que, quando era deputado, apoiou a apresentação do texto, que reduziria a margem para o fisiologismo. Mais tarde, o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, manteve a mesma toada: “Ninguém está considerando uma derrota. É uma reafirmação da independência e da autonomia do Legislativo”, declarou.

PREVIDÊNCIA – Paulo Guedes: “Vai ser um prazer ter tentado” (Ueslei Marcelino/Reuters)

O presidente e seu chefe da articulação política entoavam uma narrativa farsesca para tentar negar o óbvio — a fragilidade do governo no Congresso. Enquanto se mostravam distantes da realidade, outros ministros e líderes governistas saíam a campo para conter danos e tentar restabelecer um diálogo com os parlamentares. Foi o caso do titular da Economia, Paulo Guedes, que passou cinco horas numa comissão do Senado defendendo a reforma da Previdência.

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Durante a sessão, o líder do PSL no Senado, Major Olimpio (SP), cobrou da equipe econômica o repasse de informações que ajudem a bancada a trabalhar em favor das propostas consideradas prioritárias. Os bolsonaristas, disse o senador, reforçando as queixas sobre a desorganização vigente, estão atuando no escuro. Guedes prontificou-se a resolver o problema. O ministro sabe que nem mesmo o PSL está satisfeito com o tratamento recebido pelo Planalto. Tanto que, aos senadores, admitiu ter faltado a uma audiência em comissão da Câmara, no dia anterior, com medo de levar “pedradas” da oposição e também dos aliados. O ápice da explanação de Guedes não foi a defesa enfática de pontos específicos da reforma, mas o aviso de que, se não houver empenho verdadeiro pela aprovação das mudanças, ele poderá deixar o governo. Entre os destinatários do recado estava o próprio Bolsonaro. “Se o presidente apoiar as coisas que podem resolver o Brasil, estarei aqui. Agora, se o presidente ou a Câmara, ninguém quer aquilo, eu vou obstaculizar o trabalho dos senhores? De forma alguma, voltarei para onde sempre estive”, declarou o ministro. “Se ninguém quiser o serviço, vai ser um prazer ter tentado. Não tenho apego ao cargo, como também não tenho a inconse­quência e a irresponsabilidade de sair na primeira derrota”, acrescentou.

Guedes também se reuniu com governadores, a quem propôs o aumento do repasse de recursos em troca de ajuda para convencer as bancadas de seus respectivos estados a votar favoravelmente à reforma. O ministro, que começou sua caminhada recomendando “prensa” no Congresso para garantir a votação do texto, rendeu-se ao diálogo, assim como alguns de seus colegas de governo. Na semana passada, Lorenzoni, da Casa Civil, disparou telefonemas a deputados. A ideia era conversar com as bancadas de cada partido separadamente, mas acabou juntando representantes de catorze legendas na principal sala de reuniões da Câmara.

OFENSIVA – O ministro Lorenzoni, a deputada Joice e a nova estratégia do governo: “Botão fofo ativado, entendeu?” (Pedro Ladeira/Folhapress)

Enquanto o presidente mantém o discurso de que não negocia com partidos, seu articulador político faz o contrário. Durante quase duas horas, Lorenzoni ouviu e anotou queixas dos deputados. A principal delas diz respeito à insistência de Bolsonaro de repetir, mesmo empossado presidente, a estratégia de campanha de demonizar a classe política. Os deputados cobraram o direito de fazer indicações para cargos em órgãos federais nos estados.

Eles também se queixaram de que não são recebidos nos ministérios. Pior: não ganham, às vezes, nem resposta aos pedidos de audiência. Criticaram ainda os ataques virtuais disparados pelo vereador Carlos Bolsonaro, o Zero Dois, e pelo astrólogo Olavo de Carvalho, guru da primeira-família da República. Em resposta, Lorenzoni afirmou que os ministros serão mais solícitos e que o próprio Bolsonaro vai, enfim, se reunir com presidentes de partidos, do DEM ao PRB, passando pelo PR e pelo PP, estrelas dos escândalos do mensalão e petrolão. As promessas do ministro, que não goza de boa fama no Congresso, não convenceram. Para complicar, o próprio Bolsonaro não para de insinuar em entrevistas que a classe política não passa de uma falange fisiológica pronta para tomar de assalto os cofres e os cargos da União. “Não vou jogar dominó com Lula e Temer no xadrez”, chegou a dizer o presidente a empresários na semana passada, segundo o jornal Folha de S.Paulo.

PERORAÇÃO –  O ministro Santos Cruz: “Vamos levantar da cadeira, conversar e estreitar as relações” (Pedro Ladeira/Folhapress)

O alto escalão do governo, no entanto, parece ter entendido que sem diálogo político não haverá avanço. Os auxiliares do presidente se mostram dispostos a entrar em campo. “Vamos levantar da cadeira, vamos ao Congresso conversar e estreitar as relações”, disse a VEJA o ministro da Secretaria de Governo, general Santos Cruz. “Isso é conversa, é aproximação, procurar as outras pessoas para identificar os objetivos comuns e também as diferenças. A Câmara e o Senado são fundamentais na governança do Brasil”, acrescentou. O general trabalha para montar uma espécie de quartel-general da Previdência na Câmara, no qual dariam expediente representantes do Ministério da Economia e especialistas em comunicação, com a missão de municiar a base governista com dados sobre os benefícios que serão alcançados com a aprovação da reforma. O plano é produzir estudos específicos sobre os ganhos que serão obtidos por cada região do país. A resistência ao texto por parte de deputados do Nordeste, por exemplo, é maior do que a dos colegas do Sudeste.

É uma iniciativa necessária. Na terça-feira da semana passada, Santos Cruz foi à Câmara para se reunir com deputados do PSL. O líder da legenda na Câmara, Delegado Waldir (GO), havia criticado a proposta de mudança nas regras previdenciárias dos militares, acusando-a de perpetuar privilégios, e declarado que ainda não estava convencido do mérito da reforma. Parlamentares do PSL também já tinham reclamado do fato de a família Bolsonaro pouco se empenhar na defesa da reforma. O presidente da República é pendular sobre o tema. Ora diz ser prioritário, ora defende concessões a granel. Seu filho Eduardo Bolsonaro, o Zero Três, apesar de ter sido o deputado federal mais votado pelo Estado de São Paulo, dedica-se à rotina de chanceler informal do país. “Ele é o filho do rei. Só se reúne com Donald Trump para cima”, ironiza um colega de PSL, que pediu para não ser identificado, referindo-se ao fato de Eduardo ter participado de reunião com o presidente dos Estados Unidos na Casa Branca. As ponderações de Santos Cruz surtiram efeito. Na quinta-feira 27, o PSL anunciou fechamento de questão a favor da reforma da Previdência. Significa que quem votar contra o texto poderá ser expulso do partido. Até o deputado Delegado Waldir, antes um tanto reticente, se mostrou entusiasmado. “Estamos dando a demonstração que o mercado esperava, que o presidente Rodrigo Maia esperava, de ser o primeiro partido a fechar questão. Estamos dando o exemplo”, disse. O PSL tem 54 deputados. Para aprovar a reforma, são necessários 308 votos na Câmara. O governo, portanto, ainda tem de garimpar centenas de apoios em outras siglas. Não será fácil. Os parlamentares alegam que Bolsonaro exige um sacrifício enorme, a votação de uma matéria impopular, sem lhes dar nada em troca para atenuar o desgaste perante os eleitores. Seria fundamental, segundo os congressistas, repartir melhor o bônus e o ônus, o que não implica descambar para o fisiologismo. Até a líder do governo no Congresso, deputada Joice Hasselmann (SP), que adora um bate-­boca nas redes sociais, passou a engrossar o coro da moderação. “O que nós temos de fazer a partir de agora é política séria e madura. É uma política pelo Brasil. A gente não pode transformar a política numa colcha de retalhos”, afirmou. Como fazer isso? Joice tem uma receita bem comezinha: “Eu tenho brincado dizendo que é para parlamentar ser recebido com cafezinho, com agrado, com carinho. Botão fofo ativado, entendeu?”.

Os esforços da tropa moderada esbarram no radicalismo de seu comandante, que parece seguir em campanha. Enquanto ministros e parlamentares estendiam a mão ao diálogo no Congresso, Bolsonaro insistia em criminalizar as negociações políticas, como se todas descambassem para roubalheira e corrupção. Nos últimos anos, o fisiologismo campeou, mas não é o único caminho. Prova disso é o próprio Bolsonaro, que, quando era deputado, votou a favor de projetos apresentados pelo governo do PT, sem que tenha recebido, pelo que se saiba, nenhuma contrapartida criminosa. Disse Bolsonaro em entrevista à TV Bandeirantes na semana passada: “Uma minoria pede, você sabe o que quer…”. E emendou: “Não me venha me pedir Ceagesp (companhia de abastecimento de São Paulo), como alguns pouquíssimos me pedem”. Está claro que Bolsonaro, apesar de ter estado quase trinta anos na Câmara, não quer lidar com deputados e senadores, sobretudo com seus antigos colegas de baixo clero.

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CONTRAPONTO – O vice Hamilton Mourão, em São Paulo: “Temos de dialogar com eles (parlamentares), e não fugir do diálogo” (Nilton Fukuda/Estadão Conteúdo)

Um presidente da República não precisa mesmo tratar diretamente com congressistas no varejo — para isso existem os chamados articuladores políticos. Mas o chefe do Executivo não tem como escapar de um diálogo institucional com os comandantes dos outros poderes. No caso específico da reforma da Previdência, uma relação amistosa com o comandante da Câmara, Rodrigo Maia, pode ajudar na tramitação. Maia defende o texto, o que em tese facilita a conversa. Ainda assim, Bolsonaro prefere alimentar polêmicas com ele. Ao comentar rusgas com o deputado, o presidente disse: “Não tenho problema com Rodrigo Maia. Nada. Ele está um pouco abalado com questões pessoais que vêm acontecendo na vida dele”. Era uma referência, em tom de provocação, à prisão do ex-ministro Moreira Franco, casado com a sogra do parlamentar. Maia retrucou à altura: “Abalados estão os brasileiros que estão esperando desde 1º de janeiro que o governo comece a funcionar. São 12 milhões de desempregados, 15 milhões de brasileiros vivendo abaixo da linha da pobreza… E o presidente brincando de presidir o país”. O bate-­boca repercutiu de novo no mercado, e o dólar superou a barreira dos 4 reais na manhã da quinta-feira 28. “Essas declarações jogam por água abaixo toda a articulação que foi feita pelo governo. Não dá para aceitar”, afirmou o líder do PR na Câmara, deputado Wellington Roberto (PB).

Além da reforma da Previdência, a outra prioridade apresentada pelo governo está em banho-maria: o pacote anticrime do ministro da Justiça, Sergio Moro. Na semana passada, ele também enfrentou uma audiência no Senado para defender o seu pacote. Moro falou por mais de cinco horas, mas não foi capaz de demover as resistências já anunciadas à sua proposta. Na quinta-feira de manhã, em encontro patrocinado por Joice Hasselmann, Sergio Moro tomou café da manhã com Rodrigo Maia, com quem andava em atrito desde a semana anterior, numa tentativa de acertar os ponteiros para a tramitação do pacote anticrime. Posaram para foto sorridentes e trocando um cumprimento.

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EMBATE –  O ministro Sergio Moro: “Eu só compro briga uma vez” (Ueslei Marcelino/Reuters)

Como Paulo Guedes, Moro assumiu com muitas expectativas e agora lida com muitas dificuldades. No mês passado, foi obrigado pelo presidente da República a desistir de uma indicação para um conselho do Ministério da Justiça porque os bolsonaristas mais radicais discordaram do nome escolhido e promoveram uma rebelião digital. Na época, Moro não manifestou contrariedade em público, mas, em privado, pensou em deixar o governo, assim como fez Guedes na semana passada. “Eu só compro briga uma vez”, avisou o ex-juiz.

Diante dos sinais crescentes de desgoverno, presidente e vice reagiram de forma diferente. Na terça-feira à noite, enquanto a Câmara derrotava o Planalto, o general Hamilton Mourão se reuniu com a nata do PIB em São Paulo e defendeu a reforma da Previdência: “Temos de dialogar com eles (parlamentares), e não fugir ao diálogo. Vai levar pedrada? Vai, faz parte da vida política”. Já Bolsonaro, na quarta-feira de manhã, em plena ressaca governista, foi ao cinema com a primeira-dama, Michelle. Assistiram a um filme religioso. Essa diferença de comportamento tem consequências. Em conversa no Congresso, representantes de dois dos maiores bancos do país chegaram a perguntar ao líder do Cidadania na Câmara, Daniel Coelho (PE), se “a solução não seria Mourão”. O deputado desconversou. Como reza o mantra, não há vácuo em política.

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Colaborou Marcelo Rocha

Publicado em VEJA de 3 de abril de 2019, edição nº 2628

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