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Divergências internas entre caciques marcam os bastidores do União Brasil

Os planos de difícil conciliação na fusão entre DEM e PSL, recém-validada pelo TSE, se tornaram explícitos devido à disputa de posições entre os líderes

Por João Pedroso de Campos Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 13 fev 2022, 08h00

Validada pelo Tribunal Superior Eleitoral na terça-feira 8, a fusão entre DEM e PSL criou o União Brasil, partido que já nasce com o caixa mais recheado do país, com cerca de 800 milhões de reais do fundo para financiamento das suas múltiplas ambições eleitorais neste ano. Depois de um namoro tumultuado, a certidão de casamento assinada pelo TSE, no entanto, não garante a unidade esculpida no nome da mais nova legenda do país. A lua de mel começa sob o signo da confusão, pois os dois maiores caciques da agremiação, o deputado federal Luciano Bivar (PE), ex-mandachuva do PSL, e o ex-prefeito de Salvador, ACM Neto, que era presidente do DEM, têm planos políticos e cálculos eleitorais de difícil conciliação sob o mesmo teto. Divergências internas que já existiam agora se intensificaram devido a essa disputa de posições entre os dois líderes.

As confusões do momento se dão em relação ao rumo nacional do partido entre os grupos de ACM Neto, candidatíssimo ao governo da Bahia, e de Bivar (PE), que se manteve como cabeça do União Brasil (ACM Neto é o secretário-geral da nova sigla). Diante das chances inexistentes de sucesso do nome lançado pelo DEM à Presidência, o do ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta, o próprio Bivar passou a se movimentar na corrida, de olho em uma barganha que o catapulte à vaga de vice-presidente em uma chapa presidencial, preferencialmente a do ex-ministro da Justiça Sergio Moro (Podemos). Enquanto a ala do União Brasil egressa do PSL vê com bons olhos uma aliança com um candidato da terceira via, líderes do DEM ligados a ACM Neto defendem a ideia de que as chapas do União Brasil nos estados possam decidir quem apoiar no plano nacional, com cada localidade jogando conforme as próprias conveniências eleitorais.

PRIORIDADE - ACM Neto: o ex-prefeito de Salvador está focado na disputa pelo governo da Bahia -
PRIORIDADE – ACM Neto: o ex-prefeito de Salvador está focado na disputa pelo governo da Bahia – (Pedro Ladeira/Folhapress)

Os exemplos que costumam ser citados pela turma do DEM na defesa dessa posição são os do próprio Neto e o de outro cacique da legenda, o governador de Goiás, Ronaldo Caiado. Na busca por quebrar a hegemonia petista na Bahia, construída entre as eleições de 2006 e 2018, Neto lidera as pesquisas de intenção de voto e quer distância do jogo nacional — seu provável adversário, o senador e ex-governador Jaques Wagner (PT), encosta nele nas pesquisas quando tem o nome atrelado ao do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Já Caiado, embora faça questão de demarcar hoje algum distanciamento entre ele e o presidente, tentará a reeleição em um estado de forte influência do bolsonarismo — a mesma situação de dois outros colegas de União, o governador de Mato Grosso, Mauro Mendes, e o prefeito de Florianópolis, Gean Loureiro, pré-candidato ao governo de Santa Catarina. Há ainda um grupo que contemporiza e defende um meio-termo: que haja liberalidade aos estados mesmo que o União Brasil acabe no posto de vice de algum dos presidenciáveis de centro, não necessariamente na chapa de Moro (a despeito do desejo de Bivar, as chances de composição com o ex-juiz são hoje quase nulas). “Nosso partido não tem amarras ideológicas”, afirma o deputado federal Delegado Waldir (PSL-GO), possível candidato ao Senado na chapa de Caiado.

SELADO - União Brasil: casamento de PSL e DEM estreará nas urnas em 2022 -
SELADO - União Brasil: casamento de PSL e DEM estreará nas urnas em 2022 – (Pablo Jacob/Agência O Globo)

Os políticos que não veem vantagem na adesão do partido a um único candidato presidencial citam como motivo, além das disputas pelos governos estaduais, outro objetivo: a eleição de nomes ao Senado e de uma bancada robusta à Câmara dos Deputados, base de cálculo para os montantes a receber dos fundos partidário e eleitoral e do tempo de TV a partir de 2023. “Queremos sair das urnas como o maior partido do Congresso”, diz o líder do DEM na Câmara, Efraim Filho, candidato ao Senado pela Paraíba. De acordo com o cientista político e sociólogo Antonio Lavareda, caso nenhum outro nome decole na corrida ao Palácio do Planalto, só existem dois candidatos à Presidência que ajudam na construção de bancadas: Lula e Bolsonaro. “Os outros ainda são irrelevantes”, completa o especialista.

É verdade que o União Brasil, atualmente com 81 deputados, perderá parte da gordura com a saída da ala bolsonarista do PSL — pelo menos vinte parlamentares devem deixar a legenda e rumar sobretudo ao PL, de Valdemar Costa Neto, que filiou Bolsonaro. Dentro da lógica de fortalecimento no Legislativo, naturalmente também interessa estar em posição privilegiada no Congresso para negociar com o presidente que tocará o país a partir do próximo ano e, quem sabe, fazer frente ao Centrão na disputa pela presidência da Câmara, ainda mais cobiçada e empoderada pelo manuseio do bilionário “orçamento paralelo”.

PALANQUE - Mandetta e Doria: com o ex-ministro fora do páreo, o novo partido pode ainda apoiar outro presidenciável -
PALANQUE - Mandetta e Doria: com o ex-ministro fora do páreo, o novo partido pode ainda apoiar outro presidenciável – (Flavio Corvello/Futura Press)

Dentro da estrutura do União Brasil, a ala demista, simpática ao “libera geral” nos estados, tem uma vantagem: as decisões do novo partido são tomadas por 60% dos votos do diretório nacional, que é composto de 51 representantes do PSL e 49 do DEM. Só que os “demistas” agem de forma mais coesa, sob forte influência de ACM Neto. Por ironia, é o mesmo comportamento de obediência quase cega que os aliados do cacique criticam ao falar do comportamento dos seus novos aliados pesselistas. A contradição é mais um exemplo das muitas incongruências do casamento. “No PSL, a palavra final é de Luciano Bivar. No DEM, a cultura é de soluções negociadas”, alfineta um político próximo de Neto.

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OPONENTE - Wagner: o ex-governador é principal adversário de Neto na Bahia -
OPONENTE - Wagner: o ex-governador é principal adversário de Neto na Bahia – (Geraldo Magela/Ag. Senado)

Outra movimentação do União Brasil nos bastidores também está longe de ser unanimidade dentro do novo partido: a negociação por uma federação partidária com o MDB. As tratativas são vistas por alguns como oportunidade para criar um fato político novo e relevante na terceira via e “zerar o jogo” nesse campo, nas palavras de um dos aliados de Bivar. Apesar disso, há ainda em algumas alas bastante ceticismo em relação à aliança diante de divergências locais entre os partidos. A turma demista, em particular, desconfia do pendor lulista dos caciques nordestinos do MDB, como o senador Renan Calheiros (AL) e os ex-senadores Eunício Oliveira (CE) e José Sarney (MA), e o prazo é curto para concluir esse tipo de acordo. Pelo lado do MDB, a iniciativa conta com esforços do ex-presidente Michel Temer. “É uma equação difícil de fechar, não dá para fazer a toque de caixa”, diz o deputado federal Junior Bozzella (PSL-SP), aliado de Bivar. Os entusiastas da aliança com os emedebistas comemoraram a decisão do STF de estender o prazo para a costura das federações, inicialmente fixado em 2 de abril, para 31 de maio. A conclusão das tratativas, avaliam esses integrantes do União Brasil, só faria sentido após o fim da janela partidária, entre 3 de março e 1º de abril.

Com a criação aprovada no TSE e as articulações do novo partido nos bastidores, o União Brasil representa oportunidades distintas a seus dois braços políticos. Jurado de morte pelo ex-presidente Lula no auge da popularidade do petista, em 2010, o DEM decaiu de 105 deputados eleitos para apenas 29 nas duas décadas entre 1998 e 2018, mas manteve alguma capilaridade municipal, caciques relevantes e chegou a comandar as duas casas do Congresso entre 2019 e 2020. Agora, tem a chance de voltar a ser uma força expressiva. Já para o PSL, dono da segunda maior bancada eleita em 2018, mas agora sem seu maior puxador de votos, Bolsonaro, a nova sigla representa um passo definitivo para longe de suas origens de partido nanico e irrelevante. A união do dinheiro de um com o “berço” político do outro parece ser, a distância, um casamento de conveniências perfeito, regado por um dote eleitoral de quase 1 bilhão de reais. As divergências mostram que a acomodação interna diante da política real vai exigir ainda muita discussão de relação. Só isso para dar conta do desafio de ter muitos caciques para pouco partido.

Publicado em VEJA de 16 de fevereiro de 2022, edição nº 2776

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