Carta ao Leitor: O fiel da balança
Não seria exagero dizer que o resultado final da eleição de outubro pode depender do desempenho e das escolhas de Ciro Gomes
Poucos políticos brasileiros têm uma trajetória tão singular quanto Ciro Gomes, candidato do PDT à Presidência da República, agora em sua quarta tentativa de chegar ao Palácio do Planalto. Dono de um extenso currículo, Ciro elegeu-se deputado estadual, federal, prefeito de Fortaleza, governador do Ceará e tornou-se ministro da Fazenda no fim da administração Itamar Franco e da Integração Nacional na primeira gestão de Lula. Em um intenso vaivém ideológico, já foi filiado ao PDS (ex-Arena), PMDB, PPS (ex-Partido Comunista), PSDB, PSB, Pros e PDT, migrando com desenvoltura de uma legenda que representava a direita autoritária no Brasil, escolha feita em sua juventude, para siglas mais à esquerda na maturidade — um caminho peculiar.
Ao avesso das negociações e da diplomacia nos bastidores, marcas de políticos clássicos do passado brasileiro, Ciro é conhecido também por ser dono de um temperamento mercurial. Desde o início, ele sempre seguiu a escola do “bateu, levou”, uma característica que já lhe custou caro. Na campanha de 2002, em sua segunda tentativa presidencial, ele quase chegou ao segundo turno — e, se chegasse, teria chances de vitória, de acordo com as pesquisas de opinião pública. Analistas políticos dizem que, naquela eleição, Ciro foi atrapalhado pelo próprio Ciro, ao dar declarações agressivas a um ouvinte num programa de rádio e ao dizer, de modo infame, que a função de sua então mulher, a atriz Patricia Pillar, naquela disputa era apenas dormir com ele. Ciro pediria desculpas pelo arroubo verbal, mas não adiantou.
Duas décadas depois, aos 64 anos, Ciro aparece novamente como um personagem a ser observado. É verdade que a posição nas pesquisas não chega a empolgar seus correligionários. O candidato do PDT tem em torno de 9% das intenções de voto. Mas não seria exagero dizer que o resultado final da eleição de outubro pode depender de seu desempenho e de suas escolhas. Hoje, ele é o único com potencial de romper o favoritismo do atual ocupante do Palácio do Planalto, Jair Bolsonaro, e do ex-presidente Lula. Mas há um dado ainda mais relevante: um ocasional apoio de Ciro ou de seu eleitorado pode, inclusive, definir o pleito no primeiro turno.
Pela lógica, seria natural uma aproximação com o PT. Mas as declarações recentes demonstram uma profunda amargura com Lula, a quem responsabiliza pela eleição de Bolsonaro em 2018. Em sua visão, Ciro acha que o PT poderia ter apoiado o seu nome naquela circunstância — e alguns nomes do partido defendiam esse caminho, até mesmo Fernando Haddad, que acabou sendo o escolhido. Evidentemente, endossar Bolsonaro não é uma opção, mas sair de cena pode fazer com que um pedaço significativo de seu eleitorado migre para o capitão ou simplesmente se abstenha. Na reportagem que começa na página 26, a repórter Letícia Casado realiza um profundo mergulho na candidatura de Ciro, conta sua estratégia para subir nas pesquisas e traça cenários, caso ele não chegue ao segundo turno. É difícil fazer projeções faltando ainda dois meses para a votação, mas uma coisa é certa: de um jeito ou de outro, Ciro Ferreira Gomes demonstra grande probabilidade de ser o fiel da balança neste pleito. Convém prestar atenção a todos os seus movimentos.
Publicado em VEJA de 10 de agosto de 2022, edição nº 2801