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‘A política brasileira é machista’, diz senadora Vanessa Grazziotin

Em entrevista ao site de VEJA, autora do projeto que defende a reserva de 30% das cadeiras do Parlamento para mulheres afirma que elas precisam de mais cargos de liderança

Por Felipe Frazão 10 Maio 2015, 08h46

Em meio aos acalorados debates em torno do ajuste fiscal na semana passada, uma discussão extrapolou os limites do plenário e pode parar na Justiça: diante de um bate-boca entre os deputados Jandira Feghali (PCdoB-RJ) e Roberto Freire (PPS-SP), Alberto Fraga (DEM-DF) subiu ao pedestal para bradar que “mulher que participa da política e bate como homem, tem que apanhar como homem também”. A frase fazia menção ao puxão que Freire deu no braço da colega – gesto pelo qual o parlamentar do PPS pediu desculpas. As deputadas presentes à sessão interpretaram a declaração como uma agressão, e Jandira prometeu processar Fraga. Intervenções como a do democrata, ou declarações agressivas como a menção ao estupro por Jair Bolsonaro (sem partido-RJ) em discussão com a colega Maria do Rosário (PT-RS), felizmente não são rotineiras no Parlamento. Mas chamam a atenção para a questão da igualdade de gênero no Congresso. Na Câmara dos Deputados, as mulheres representam apenas 9,5% dos parlamentares em exercício (49). “A política brasileira é machista”, afirma a senadora Vanessa Grazziotin, que defende uma proposta para a reforma política com inclusão de cotas femininas na Câmara e no Senado. Em entrevista ao site de VEJA, ela diz que os partidos precisam dar mais cargos de liderança a mulheres e explica por que pleiteia a reserva de 30% das cadeiras no Parlamento – e não apenas nas chapas de candidatos, como na lei atual – para elas.

Qual sua a opinião sobre o episódio envolvendo a deputada Jandira e Alberto Fraga? Foi um fato isolado por causa dos ânimos exaltados? Isso nunca é um fato isolado. Sempre quando há uma discussão mais acalorada no Parlamento brasileiro e qualquer mulher se sobressai ou toma a linha de frente, eles perdem a razão e apelam para o machismo e para a discriminação para se referir às mulheres. Estamos acostumadas com isso e ela é casca grossa, está tranquila. O que ele quis dizer chega até a justificar a violência contra a mulher. A pessoa quando perde o equilíbrio acaba falando a verdade, não tem sangue frio para esconder o que verdadeiramente pensa, assim como alguém alcoolizado fala tudo que pensa.

O que precisa mudar para aumentar a participação das mulheres na política? A legislação política-eleitoral. A discriminação da mulher acontece no mundo inteiro, é uma questão cultural muito forte. A primeira senadora da República no Brasil [Eunice Michiles] assumiu em 1979. É a minha geração. Foi a primeira vez que uma mulher chegou ao Senado. A política brasileira, toda a história da nossa República, é muito machista, é eminentemente masculina. Os partidos políticos são dominados pelos homens. Eles acham que política é coisa de homem. Você tem de tratar todos iguais, mas isso não é aplicar a mesma prova. Para tratar homens e mulheres de forma igual, você tem de trabalhar as diferenças. A nossa cota não é eficiente.

Mas e a questão dos 30% de gênero na lei eleitoral [70% dos candidatos homens e 30% mulheres]? Eleição após eleição, ainda existem vários casos de mulheres sem aptidão eleitoral sendo usadas só para completar a chapa de candidatos. São usadas como laranjas. Até 2009, na minirreforma eleitoral, era opcional, tinha que reservar as vagas para outro gênero. A lei é bonita. Ela diz que uma chapa não pode ter mais de 70% dos candidatos de um mesmo gênero. Então pode ser que um dia o homem ganhe com ela, que o homem precise usar essa cota. Não é cota de mulher, é de gênero. O que a gente quer é cadeira de gênero. Nenhum parlamento pode ter mais de 70% do mesmo gênero. Assim funciona no mundo. Uns reservam vagas, outros fazem lista fechada com alternância de gênero, e outros já absorveram na própria cultura político-partidária, como a Inglaterra e a França.

O Brasil deve ter uma cota, reservar parte do Parlamento? Sim. O tipo de representação que vamos ter já é definido na formatação da legislação político-eleitoral. Por isso que a gente mudou e estamos apresentando um projeto consensuado, uma defesa de 30% das cadeiras ocupadas obrigatoriamente por mulheres. A mulher já é muito importante na sociedade e precisa repetir o protagonismo nos espaços de decisão. Todos os países chegaram lá com uma cota. É uma cota positiva, mas é uma cota necessária. Aí os homens dizem ‘a gente vai atrás das mulheres, mas elas não querem se candidatar’. Mas eles vão atrás para as mulheres serem candidatas sem horário na TV, no rádio, sem dinheiro do Fundo Partidário para fazer campanha. São as tais laranjas, que eles colocam na marra porque do contrário a chapa não é inscrita [pela Justiça Eleitoral]. Se eles chamarem a mulher e disserem ‘venha ser candidata que você terá 30% do dinheiro, 30% do tempo de televisão’, aí tudo bem. Mas isso eles não fazem.

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A senhora fala em machismo dentro dos partidos. Será necessário que as mulheres passem a liderar os partidos nos seus cargos internos? Sim, claro. A Luciana Santos, deputada federal, vai assumir a presidência no PCdoB. Nosso partido tem a maior participação de mulheres na bancada, são 40% há três ou quatro legislaturas. Nós não tínhamos cota interna até pouco tempo como o PT já tinha, mas aprovamos a cota. Sempre que possível, revezamos líder homem e líder mulher na bancada e os homens já estão para usar a cota a favor deles, porque há uns cinco anos é uma mulher quem lidera. Se o partido der espaço permanente para a mulher ela chega lá.

A presidente Dilma tentou dar visibilidade à Secretaria de Políticas para as Mulheres e nomeou mais ministras. Há uma pressão por corte de ministérios, do PMDB, por exemplo e pelo ajuste fiscal. Há risco de a pasta se enfraquecer? Se mostrarem para a presidente e para todos nós que cortar alguns ministérios e a Secretaria de Políticas para as Mulheres resolve o problema fiscal do país eu defenderei a ideia. Mas não é esse o problema. O gasto do ministério é muito pequeno. Se for cortar, não tem de ser ele, não tem de iniciar pelos mais frágeis.

Manaus terá candidata mulher no ano que vem, a senhora pretende se candidatar de novo a prefeita? Talvez tenha mais de uma, viu? A única pessoa em que eles acreditam é em mim, porque mesmo quando eu dizia que não era candidata eu virei. Eu sou muito disposta e quero mudar minha cidade para melhor. Mas se eu for serei muito diferente, a gente tem de promover algumas revoluções na política brasileira.

E o PCdoB deveria deixar de ser sempre um aliado do PT, partido que está sofrendo grande desgaste com a Operação Lava Jato? A gente sabe que tem muita coisa errada que precisa ser corrigida, mas não é por causa do PT. Tem um projeto de nação em curso, que nós apoiamos, do qual participamos e com o qual concordamos. Todo o esforço que a gente faz é para mudar para melhor. O slogan da presidente Dilma era avançar nas mudanças, por isso ela ganhou a eleição. Só que agora estamos paralisados. Temos de superar a crise e só depois ir para as mudanças. É isso que defendemos.

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