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A nova meritocracia

Na primeira semana de Bolsonaro, o filho do vice-presidente da República ganha a promoção mais espetacular de sua vida

Por Marcelo Rocha
Atualizado em 11 jan 2019, 07h00 - Publicado em 11 jan 2019, 07h00

Durante a campanha eleitoral, Jair Bolsonaro condenou a distribuição de cargos a parentes e afilhados de políticos, defendeu a meritocracia e disse que escalaria para o governo quadros com capacitação técnica. A promessa era acabar com os favorecimentos, as boquinhas, as mamatas de amigos, familiares e aliados, que, segundo ele, eram a tônica da gestão petista, e decretar o império da meritocracia. Bastou uma semana de mandato para que esse vento perdesse o ímpeto.

Na segunda-feira 7, Antônio Rossell Mourão, filho do vice-presidente Hamilton Mourão, deu um salto triplo carpado na sua carreira. Funcionário concursado do Banco do Brasil há quase duas décadas, Rossell Mourão passou os últimos dez anos dando expediente como assessor da área de agronegócio do BB, com salário de 12 900 reais. Nesse período, nutriu a esperança de ser promovido a assessor da vice-presidência, o que dobraria sua remuneração. Nos governos de Lula e Dilma, não conseguiu. Na primeira semana da gestão de Bolsonaro e seu pai, ele finalmente chegou lá. Ou melhor: foi ainda mais além.

Rossell Mourão foi promovido a assessor especial do novo presidente do Banco do Brasil, Rubem Novaes, cargo com salário de 36 300 reais. Até este momento, ele já está entre os brasileiros mais bem-sucedidos do novo governo, com seu aumento de salário de 181%. A promoção não tem nada de ilegal nem afronta o estatuto da instituição, já que Rossell Mourão é funcionário concursado e, além do mais, o cargo que passou a ocupar pode ser preenchido até por gente de fora do banco. Mas sua ascensão meteórica abalou o palanque do discurso da meritocracia. Nem que fosse apenas para manter as aparências, será que, entre os 97 232 funcionários do BB, não havia ninguém com capacidade técnica para ocupar o novo cargo sem despertar a óbvia suspeita de favorecimento?

Como era previsível, servidores do BB usaram a rede de comunicação interna para criticar a decisão e acusar o novo presidente do banco de ignorar quadros mais qualificados para favorecer o filho do vice. Em tom de provocação, disseram esperar que a mulher de Rossell Mourão, também funcionária do BB, não entre na lista das próximas promoções. A VEJA, integrantes da antiga cúpula da instituição, que pediram para não ser identificados, mostraram-se surpresos, pois Rossell Mourão furou a fila de técnicos credenciados para a vaga de assessor.

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ASCENSÃO – Tomaz, com Bolsonaro: das redes sociais para o palácio (Facebook/Reprodução)

Depois das eleições, Rossell Mourão tirou férias do BB para colaborar informalmente com as equipes de transição de Jair Bolsonaro e de Ibaneis Rocha, o novo governador do Distrito Federal. De Rocha, recebeu sondagem para ocupar uma diretoria no Banco de Brasília (BRB). De Rubem Novaes, a quem conheceu nos tempos da transição, ouviu a oferta de sua vida — e aceitou. O vice-presidente foi às redes sociais defender o rebento: “Meu filho Antônio ingressou por concurso no BB há dezenove anos. Com excelentes serviços, conduta irrepreensível e por absoluta confiança pessoal do presidente do banco, foi escolhido por ele para sua assessoria”. Mourão ainda disse que o filho só não chegou lá antes porque foi perseguido nos governos petistas. “Meu filho possui mérito e foi duramente perseguido.” Bem, deve ter sido uma perseguição bem generosa. O BB informa que, de janeiro de 2003 a julho de 2008, durante os mandatos de Lula, Rossell Mourão foi promovido três vezes até chegar ao cargo de assessor de agronegócio e, agora, dar seu grande salto.

O caso do filho do vice incomodou até as hostes bolsonaristas, incluindo um dos coordenadores do Movimento Brasil Livre (MBL), que disse que a promoção desacreditava a promessa do presidente de implantar uma política diferente de tudo isso que estava aí. Assessores do presidente espalharam a versão de que não concordavam com o salto funcional de Rossell Mourão e, também, de que o próprio Bolsonaro teria ficado irritado com a decisão, que o colocou na ribalta. Há outros casos de saltos profissionais no governo, mas sem laços de sangue.

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O próprio Bolsonaro nomeou Tercio Arnaud Tomaz, de 31 anos, como “assessor especial do Gabinete Pessoal do Presidente da República”. Tomaz é formado em biomedicina, mas não atua na área, e foi funcionário de um hotel antes de ganhar o novo cargo como prêmio por ter criado a página humorística Bolsonaro Opressor 2.0, que amealhou milhares de fãs no Facebook ao publicar baixarias contra os adversários do então deputado. Na campanha, publicou montagem de Lula e Fernando Had­dad, nus e abraçados, acompanhada da legenda: “Dia de visita íntima”. A retribuição da família presidencial veio em etapas. Em abril de 2017, Tomaz foi contratado pelo gabinete de Jair Bolsonaro na Câmara, ganhando 4 000 reais. Em dezembro do mesmo ano, foi para o gabinete do vereador Carlos Bolsonaro, com cerca de 3 000 reais. Agora, no Palácio do Planalto, seu holerite será de 13 000 reais.

Quem também deve ter cargo no governo é Adriana Ramos, que traduziu o discurso em libras, a linguagem brasileira de sinais, feito pela primeira­-dama na cerimônia de posse. As duas são amigas e, nas redes sociais, se chamam de “tchutchuca” e “amor”. Ressalte-se que não é ilegal dar emprego a amigos, mas é recomendável que tenham capacitação técnica para o cargo que vierem a ocupar. A VEJA, Adriana, mestre em educação, afirmou que vai morar em Brasília, onde provavelmente não exercerá mais o trabalho de intérprete, mas sua nova função ainda não está definida. Na semana passada, ela atuou como assessora de Michelle Bolsonaro diante dos pedidos de entrevista. Antes disso, acompanhou a primeira-dama em reunião com os ministros Osmar Terra, da Cidadania, e Damares Alves, da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos.

Publicado em VEJA de 16 de janeiro de 2019, edição nº 2617

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