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Tarcísio de Freitas: A saída é privatizar

O ministro da Infraestrutura diz que teremos um boom ferroviário, com os trens dobrando sua participação no transporte de cargas até 2025

Por Roberta Paduan Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 15h11 - Publicado em 10 jan 2020, 06h00

Até o momento, o discreto carioca Tarcísio Gomes de Freitas, de 44 anos, conseguiu duas façanhas: ficou longe das polêmicas do governo Bolsonaro e é uma das poucas unanimidades da equipe ministerial. Seu desempenho recebe aplausos dos colegas e também de gente de fora da equipe, como os congressistas (leia mais). Engenheiro do Exército até 2008, ele começou a se aproximar do poder em 2011, quando assumiu uma diretoria no Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes durante a Presidência de Dilma Rousseff. Na ocasião, já havia deixado a carreira militar e atua­va como auditor da Contro­la­doria-­Geral da União, órgão que trocou ao ser aprovado para o cargo de consultor legislativo, na Câmara. No Dnit, chegou à presidência, em 2014. Na gestão de Michel Temer, coordenou o programa de parcerias privadas. No primeiro ano à frente do Ministério da Infraestrutura de Bolsonaro, bateu o recorde de leilões de concessão e cristalizou a fama de “tocador de obras”. De seu gabinete, em Brasília, Freitas falou de planos para sua área, como o de duplicar a participação do transporte ferroviário, e afastou a possibilidade de uma nova greve de caminhoneiros.

Com a expectativa de um maior aquecimento econômico para 2020, há a preocupação de que ocorram sérios gargalos de infraestrutura pela falta de investimentos nos últimos anos. Corremos o risco de um apagão? Não. Estamos seguindo exatamente o que foi planejado, demos um arranque em 2019 e a infraestrutura do país vai suportar a retomada. No ano passado, fizemos 27 leilões de concessão, entre estradas, aeroportos e ferrovias. O número é recorde. Os projetos já vinham sendo estruturados antes? Sim. Mas o presidente Bolsonaro manteve equipes, manteve projetos e encarou a infraestrutura como deve ser: um tema de Estado, não de governo. Os leilões também deram certo porque as pessoas estão olhando para a frente. Os investidores acreditam na condução da política econômica e na capacidade de fazermos reformas estruturais.

Qual a principal reforma prevista em sua área? Temos leilões programados até 2022. Ocorrerão 44 neste ano. Só de aeroportos serão 22. Os dois maiores, Santos Dumont, no Rio, e Congonhas, em São Paulo, passarão ao setor privado até 2022.

É preciso mesmo transferir tudo para empresas privadas? Tudo o que pudermos entregar para investimento privado temos de entregar. O Brasil precisa enfrentar o gap da infraestrutura para aumentar a produtividade. Para isso, temos de investir muito, o que só será possível se conjugarmos investimento público e privado. O braço privado vai ser responsável pela maior parte dos investimentos, o que é desejado. Chegaremos a 2022 com 220 bilhões de reais de obras contratadas com recursos privados e cerca de 20 bilhões de recursos públicos. Onde a iniciativa privada não entra, por falta de viabilidade econômica, nós entramos com a folga fiscal criada pela transferência de outros ativos para o setor privado.

Além das privatizações, que outras mudanças importantes estão previstas? Vamos plantar as bases para que a participação do modo ferroviário dobre na matriz de transportes brasileira. Hoje, 15% das cargas são transportadas por trens. Em 2025, serão 30%. Isso acontecerá com os investimentos contratados até 2022. Haverá o maior boom ferroviário em muitas décadas. Vamos aplicar de 25 bilhões a 30 bilhões de reais em ferrovias nos próximos oito anos.

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“Em vez de pagarem multas, as empresas que cometeram crimes e fecharam acordo de leniência deveriam ser obrigadas a concluir as obras que estão paralisadas”

Quantos quilômetros acrescentaremos à malha ferroviária até 2022? Passaremos de 28 000 para 32 000 quilômetros, mas a maior parte do acréscimo de carga virá da recapacitação dos trechos já existentes. Acabamos de aprovar no Tribunal de Contas da União (TCU) a prorrogação da concessão da malha paulista. Esse contrato foi fechado com o compromisso de a concessionária investir 6 bilhões de reais em cinco anos, o que vai elevar a capacidade de transporte de 35 milhões para 75 milhões de toneladas por ano.

O Brasil tem cerca de 14 000 obras paradas. Como resolver isso? A maio­ria dessas obras é de pequeno porte, como postos de saúde, escolas, creches, que estão fora do meu ministério. Uma ideia que poderia ajudar, dada pelo ministro Bruno Dantas, do TCU, é colocar as empresas que cometeram crimes e fecharam acordo de leniência para concluir obras paralisadas. A lógica do acordo de leniência é que a companhia assuma o crime que cometeu, pague por ele e se comprometa a não reincidir. Há a expectativa de que esses acordos gerem pelo menos 7 bilhões de reais em multas, e não estou falando do ressarcimento a quem elas lesaram com sobrepreço, por exemplo. Em vez de esse cara pagar a multa, por que não o fazemos assumir um lote de obras e terminar a escola, a creche? O cara roubou, assumiu o crime, pagou o prejuízo, certo? Fazer essas obras pode servir até para ele resgatar a imagem da empresa, além de girar a economia. É a mesma lógica de colocar o preso para trabalhar.

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Do lote de obras entregues em 2019, qual considera a mais importante? A pavimentação da BR-163, que é uma obra que espera há quarenta anos por conclusão. Terminamos em novembro a pavimentação que estava pendente. Não vamos mais ver aquelas cenas impressionantes de filas quilométricas de caminhões no atoleiro. No Carnaval do ano passado, fui para a região e vi motorista parado por mais de uma semana, sem ter o que comer, sem tomar banho. Prometi que eles não passariam mais por aquilo. Agora, com o fim da obra, os caminhões saem de Cuiabá, em Mato Grosso, e vão até o Porto de Miritituba, no Pará, pelo asfalto, com tudo sinalizado, passando por ponte de concreto, em vez de madeira. Recuperamos cerca de 1 000 quilômetros de pavimento já existente, de Mato Grosso ao Pará. E pavimentamos 71 quilômetros que nunca haviam sido asfaltados dentro do Pará. Não é fácil fazer isso dentro da Amazônia.

Por que tanta demora para asfaltar uma estrada? Conseguimos planejar melhor. Na Amazônia, você trabalha quatro ou cinco meses por ano, no máximo, por causa das chuvas. Então, produzimos muito material, brita e areia no período chuvoso. Armazenamos tudo nas margens do trecho que ia ser pavimentado para que, quando chegasse o verão, pudéssemos aplicar o asfalto. Toda sexta-feira tínhamos reunião no Dnit sobre a BR-163, acompanhando passo a passo o que estava acontecendo no campo, corrigindo os desvios do cronograma. Dessa forma, conseguimos concluir o trabalho. E neste ano vamos transferir a rodovia para a iniciativa privada, com o leilão de concessão de Sinop, em Mato Grosso, até Miritituba. Pode anotar. A gente é bom de entregar.

Embora o senhor seja bastante elogiado pela capacidade de entregar, algumas alas do governo o criticam justamente por isso. Dizem que o senhor é um mero entregador de obras, sem uma visão estratégica de futuro. Como responde a isso? Tudo o que fazemos tem lastro em um plano de longo prazo. Avaliamos o comportamento da demanda, com base na origem e destino das cargas, e confrontamos com a oferta de transporte para identificar os gargalos logísticos. Uma obra bem planejada tem uma repercussão social enorme, pode salvar vidas. O alargamento da BR-135, no Piauí, realizado em 2019, por exemplo, reduziu em um terço o número de acidentes.

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“Estamos atuando para melhorar a vida dos caminhoneiros com a criação de serviços como um cartão de saúde. A possibilidade de greve da categoria hoje é muito remota”

Bolsonaro dedica sempre uma atenção especial ao que chama de limpar as áreas ocupadas pela administração petista. Como o senhor, que fez parte do governo Dilma Rousseff, consegue sobreviver? Bolsonaro teve o mérito de apostar na continuidade na minha área. Continuidade, aliás, é fundamental para quem trabalha com infraestrutura. Se fosse outro presidente, eu não estaria hoje onde estou. Tenho um perfil técnico, e as nomeações para os ministérios costumavam ser políticas. Bolsonaro me abriu essa porta.

O presidente sempre critica o movimento ambientalista por criar entraves ao desenvolvimento. O senhor considera a legislação ambiental um entrave à infraestrutura? Creio que já nos adaptamos à legislação existente. Estamos comprometidos em fazer novos e melhores estudos para os projetos. Estamos fazendo parcerias com organismos internacionais para incluir considerações relacionadas às mudanças climáticas.

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Então é possível preservar o meio ambiente e avançar com a infraestrutura? Não só é possível como é desejável. Existe um componente prático do ponto de vista econômico, que é habilitar nossos projetos a receber financiamentos verdes. Temos de aproveitar esses recursos. E o Brasil tem vários bons exemplos de conciliação de infraestrutura com sustentabilidade. A Estrada de Ferro Carajás, que margeia a Floresta Nacional de Carajás, combina exploração de minério com preservação da floresta. Mas também é preciso lembrar que não há preservação com pobreza. O desenvolvimento é uma importante alavanca para a preservação ambiental. Onde impera a pobreza, o meio ambiente é prejudicado.

O senhor é o principal interlocutor do governo com os caminhoneiros autônomos. Corremos o risco de ter uma nova greve da categoria? A possibilidade de greve hoje é muito remota, em decorrência do diálogo que construímos juntos. A grande maioria dos caminhoneiros tem tido compreensão do esforço que estamos fazendo. O que eu digo a eles é que temos de construir um conjunto de soluções para os problemas, mas aqueles que o governo pode resolver. O maior problema do setor atualmente é excesso de oferta. Passamos por um período de financiamento de caminhões em massa, até por volta de 2014, seguido por uma expressiva queda do PIB, após 2015. Foram oito semestres seguidos de retração econômica. Com o excesso de oferta houve queda de preço. Esse é um movimento de mercado. Tem gente que quer mais contrato (de frete), mas isso eu não posso resolver.

Onde o governo pode atuar? Estamos atuando para melhorar a prestação de serviços aos caminhoneiros. Os novos contratos de concessão de rodovias obrigam à construção e operação de postos de descanso, o que é importante para a segurança deles. Trabalhamos no desenvolvimento do cartão de saúde, que dá assistência médica e odontológica ao caminhoneiro na estrada. Trabalhamos com a Petrobras e o Ministério de Minas e Energia para criar o cartão Petrobras, que garante o preço do combustível na estrada. Foi uma maneira de amortecer a variação do combustível, sem interferir na política de preços da estatal. Também estamos trabalhando para reduzir a burocracia de transporte. Os caminhoneiros, em sua grande maioria, têm tido compreensão do esforço que está sendo feito, e a categoria demonstra paciência para aguardar, na crença de que estamos caminhando na direção de resolver os problemas.

Publicado em VEJA de 15 de janeiro de 2020, edição nº 2669

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