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Eduardo Leite: “Minha maior preocupação é fortalecer o centro democrático”

Novo presidente nacional do PSDB, o tucano tenta se credenciar para liderar a refundação do partido e defender a moderação política em meio à polarização

Apresentado por Atualizado em 2 dez 2022, 10h16 - Publicado em 2 dez 2022, 06h00

Foi apostando na neutralidade entre o petismo e o bolsonarismo, as principais correntes políticas nas últimas eleições nacionais, que Eduardo Leite (PSDB) conseguiu o inédito feito de se eleger duas vezes seguidas ao governo do Rio Grande do Sul. Apesar de ter trilhado um caminho errático, que incluiu a renúncia ao comando do estado para tentar viabilizar a sua candidatura presidencial, o gaúcho chegou ao segundo turno após superar por poucos milhares de votos o terceiro colocado na corrida estadual e bateu na votação final o ex-ministro Onyx Lorenzoni (PL), o candidato apoiado pelo presidente Jair Bolsonaro em um dos estados mais bolsonaristas do Brasil. Com a vitória, tornou-se o tucano que irá governar o maior número de eleitores no país — a legenda também venceu em Pernambuco e Mato Grosso do Sul. A condição dá a ele um papel de liderança na legenda — tanto que, na última quarta-feira, 30, foi anunciado como novo presidente nacional do PSDB, com a missão de liderar a Executiva Nacional a partir de fevereiro de 2023 para não só voltar a ser relevante no cenário nacional, como promover o reagrupamento do centrismo político, combalido pela dura derrota nas urnas neste ano. A VEJA, diretamente do Centro Administrativo do seu estado, de onde coordena a transição gaúcha, Leite falou sobre os aprendizados da campanha eleitoral, as expectativas em relação ao governo Lula e a dura missão de devolver protagonismo à moderação política em meio à radicalização do eleitorado.

Desde que foi eleito governador, o senhor se reuniu com lideranças do PSDB em Brasília e São Paulo. O que conversaram? Viajei para fazer essas reuniões porque, assim que terminei de estruturar a transição no meu estado, o PSDB me demandou mais participação nas discussões nacionais. Conversei com a bancada federal, a Executiva Nacional e outros membros importantes de diferentes estados para entender onde estará a minha contribuição nesse novo período.

E qual será essa contribuição? A minha maior preocupação, mais do que pensar no PSDB, é fortalecer o campo político que se convencionou chamar de centro democrático. Entendo que é necessário aumentar a representatividade de uma posição que não é neutra, mas que defende olhar para a economia com equilíbrio fiscal e modernização a partir de concessões, privatizações e desburocratização, ao mesmo tempo que também se preocupa com o social e com programas de transferência de renda em um país de imensas desigualdades como o Brasil. Esse centro ficou com um caminho estreito e precisa ocupar mais espaço.

Como o PSDB se encaixará nesse contexto? É preciso olhar para o PSDB a partir da força que tem — ou que já teve —, associando-se a outras forças políticas para dar mais consistência e capacidade para enfrentar a polarização. Já temos a federação com o Cidadania, além de conversas incipientes com Podemos (que incorporou o PSC) e setores do MDB. Meu desejo é, feita uma discussão de fundo programático, avançar no caminho de fusão ou federação com essas siglas.

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“Não manifestamos nossa posição no segundo turno porque seria um suicídio político. Não é neutralidade, é defender o que acreditamos, que não é representado nem por Lula nem por Bolsonaro”

Como será liderar o PSDB nesse processo na função de presidente? Aceitei esse posto com a condição de que a estrutura montada não deverá prejudicar o meu desempenho como governador, que é minha prioridade. A crise do partido também é uma oportunidade para a melhor distribuição de forças, com quadros aparecendo em Pernambuco (com a governadora eleita Raquel Lyra) e Mato Grosso do Sul (que será comandado por Eduardo Riedel). O Bruno Araújo, que é o atual presidente, tem o nosso respeito, se esforçou para conduzir o partido em um período difícil. Não acho que o seu desempenho à frente da Executiva Nacional tenha sido negativo, mas todos entendemos que é preciso uma renovação.

Seu objetivo é se candidatar à Presidência em 2026? Ainda não estou olhando para 2026. Vou contribuir nacionalmente defendendo a ideia de que o candidato daqui a quatro anos possa mostrar à população um caminho de moderação e responsabilidade fiscal e social. O segredo da mudança está em focar a energia em construir o novo, e não em destruir o velho. Se entenderem que eu deva liderar esse processo, vou assumir esse papel.

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Qual sua análise sobre o desempenho ruim do PSDB em 2022? Sabíamos que a eleição seria muito difícil nacionalmente, porque a polarização radical complicou o nosso caminho. Nas prévias presidenciais, houve priorização do projeto para São Paulo — que foi alavanca e âncora do PSDB, deu importância e relevância ao partido, mas fez o olhar sobre o estado se sobrepor ao projeto nacional. Foi escolhida a candidatura que melhor atenderia à eleição paulista. Foi legítimo, ainda mais sabendo que a eleição nacional seria difícil. Isso não é uma mágoa, é uma análise.

Não foi um erro a falta de apoio a João Doria, o vencedor das prévias? Após as prévias, o projeto nacional aconteceu atendendo a interesses e alianças locais, que são muitos em um país continental como o nosso. Nessas circunstâncias, acho que se fez o possível apoiando Simone Tebet. Só acho que teria sido uma campanha de maior sucesso se o nome dela tivesse sido resolvido de forma mais antecipada. Mas é fácil falar depois que o jogo terminou. Disso se extrai um aprendizado, inclusive para repetirmos as prévias sem os mesmos erros.

O PSDB teve quadros como FHC e José Serra apoiando Lula, enquanto outros como Rodrigo Garcia ficaram do lado de Bolsonaro no segundo turno. Como explicar tamanha divisão? O fortalecimento do PSDB se deu em contraposição ao PT, com diferenças fortes do ponto de vista econômico. Isso fez com que, para muitos tucanos, a distância para os petistas fosse maior do que qualquer outra coisa. Ao mesmo tempo, nosso jeito de fazer política é absolutamente oposto ao de Bolsonaro. Essa radicalização gerou confusão dentro do partido. É importante, portanto, sobretudo em um processo de federação, fazer congressos e reuniões para alinhamento de posicionamento. Precisamos ter uma maior unidade, ainda que com algumas divergências, e esclarecer qual é a nossa espinha dorsal.

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Como recuperar o eleitor de centro capturado pela polarização? O primeiro passo é não nos render à radicalização e ter coragem para propor algo diferente, como eu e Raquel Lyra fizemos com sucesso. Não manifestamos nossa posição no segundo turno presidencial porque seria um suicídio político, e assumimos essa posição de forma indignada. Não é simplesmente neutralidade, é defender o que acreditamos, que não é representado nem por Lula nem por Bolsonaro.

Uma das maiores vitrines do seu mandato foi a responsabilidade fiscal. Como deve ser a relação com o governo Lula, sobretudo frente aos recentes desatinos do presidente eleito ao se referir ao mercado? O PSDB deve fazer uma oposição responsável. Não existe um abismo entre os partidos. Só que responsabilidade fiscal é fundamental. Vejo pouca compreensão do governo eleito de que é preciso cuidar das contas para cuidar das pessoas. Talvez sejam até necessários alguns relaxamentos no teto de gastos para atender a emergências, mas é fundamental apontar caminhos responsáveis no médio e longo prazo. O novo presidente está sendo incapaz de mostrar isso, o que já seria suficiente para acalmar o mercado.

A presença de Geraldo Alckmin como vice não deveria sinalizar um movimento em direção ao centro? Ele é um amigo e com quem também me reuni. Alckmin facilita a interlocução e nos gera a expectativa de que a visão mais próxima do que pensamos seja defendida no governo.

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A prioridade de Lula deveria ser o ajuste fiscal? A prioridade deve ser cuidar das pessoas mais pobres. Ajuste fiscal é meio para atingir esse objetivo, mas não prioridade. As prioridades devem ser retomar uma agenda para a educação nacional, combater a fome e resgatar projetos de habitação digna. Para isso é preciso apresentar um horizonte de equilíbrio fiscal.

“Vejo pouca compreensão do governo eleito de que é preciso cuidar das contas para cuidar das pessoas. É fundamental apontar caminhos responsáveis no médio e longo prazo”

Na eleição, o senhor sofreu ataques baixos, inclusive homofóbicos, do bolsonarismo. Ao mesmo tempo, teve apoio da esquerda no segundo turno e tem as portas abertas com Lula. Não teme que a neutralidade seja mal interpretada pelo eleitor? Não fiquei em cima do muro e não caio nessa divisão entre o bem e o mal. Não considero que 56,3% dos gaúchos que votaram em Bolsonaro no segundo turno compartilhem as ideias de desrespeito com quem pensa diferente. As pessoas me conhecem e eu não preciso ser medido por essa régua estreita entre Lula e Bolsonaro. Posso ser avaliado pela minha forma de fazer política, e não pelo voto que dou a um ou a outro. O que precisa estar em debate é o meu desempenho como governador. Já o meu respeito às instituições, à democracia, às diferenças e a abertura ao diálogo com todos os campos são valores muito claros. Defendo essas bandeiras sem precisar levantar a de outro candidato.

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Quais são os maiores desafios do seu mandato? O mais importante será mostrar que a ponderação e o respeito a quem pensa diferente produzem mais resultados. O nosso papel é apontar soluções, e não culpados. Ultimamente, tenho notado um país muito radicalizado, onde a preocupação é apontar a culpa para nós mesmos, sobretudo para as minorias que foram ocupando mais espaço, como mulheres marginalizadas, negros, gays e indígenas. Aqui no Rio Grande do Sul nós viramos o jogo. Havia um processo de deterioração das contas públicas e tivemos superávit depois de doze anos, o que nos possibilitou investir em grandes obras e formatar novas políticas públicas. Agora temos de melhorar a performance nas outras frentes, principalmente a educação, que é a nossa maior prioridade e onde vamos colocar toda a nossa energia.

O momento pós-eleição presidencial foi marcado por manifestações que contestam o resultado e pedem até golpe militar. Como o senhor vê esses episódios? Manifestações que pedem intervenção militar ou são de cunho neonazista e neofascista são inaceitáveis. É preciso que se tenha consequências, no maior rigor da lei, a quem defenda essas ideias. A democracia não pode servir de escudo para aqueles que atacam a democracia. A liberdade não é autofágica. Nesse regime, quem perde a eleição sabe que poderá exercer a oposição através do Parlamento, da imprensa livre e até de questionamentos judiciais, se for o caso. E ainda terá a oportunidade de concorrer novamente daqui a quatro anos. Essa é a regra.

Publicado em VEJA de 7 de dezembro de 2022, edição nº 2818

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