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Crise não é desculpa, diz David Vélez, fundador do Nubank

O multibilionário fala das dificuldades para criar o maior banco digital do mundo e sobre doar sua fortuna às causas sociais

Apresentado por Atualizado em 23 jan 2022, 10h12 - Publicado em 21 jan 2022, 06h00
David Vélez -
David Vélez – (Nubank/Divulgação)

Conhecido por seu cartão de crédito roxo, por ter a cantora Anitta em seu conselho de administração e por uma entusiasmada base de clientes, o brasileiro Nubank deixou de ser apenas um caso de sucesso local para ser reconhecido como o maior banco digital do planeta, com quase 50 milhões de usuários. Ao abrir o seu capital em Nova York, no fim de 2021, desafiou a maré desfavorável que acometia as empresas de tecnologia e acabou avaliado em mais de 40 bilhões de dólares, à frente de todos os bancos tradicionais do país. Desde então, com o mercado mais inóspito, o Nubank perdeu 10% desse valor, um movimento que não preocupa o seu fundador, o colombiano radicado em São Paulo David Vélez, 40 anos. Em entrevista por videochamada a VEJA, a primeira concedida desde a chegada do banco à bolsa, ele lembra que o normal para a empresa é lidar com instabilidades. Ainda impressionado com o tamanho alcançado por seu banco, criado como opção às instituições financeiras tradicionais, Vélez diz que nunca imaginou que poderia ser tão rico. Dono de uma fortuna estimada em 7,5 bilhões de dólares, ele afirma que vai doar a maior parte ainda em vida, para não estragar o futuro dos filhos (três crianças com 4, 3 e 2 anos e um bebê que está a caminho).

A abertura de capital na bolsa de Nova York foi bem-sucedida, mas aconteceu num momento em que o grande crescimento das empresas de tecnologia durante a pandemia dava lugar a um maior pessimismo nos mercados. Como foi esse processo? Tivemos várias semanas de bastante volatilidade no mercado. Não foi o ambiente perfeito para fazer o IPO. Várias aberturas de capital planejadas para acontecer na época não saíram. Mas correu tudo bem. Além do IPO em si, a gente fez um programa para dar de graça aos nossos clientes brasileiros uma BDR (recibo de ação) para a maior quantidade de pessoas possível. No fim, doamos 7,5 milhões de BDRs e tivemos cerca de 800 000 clientes que investiram no IPO diretamente pelo nosso aplicativo. Na verdade, fizemos dois IPOs ao mesmo tempo, ao vender ações nos EUA e BDRs no Brasil.

Apesar da abertura bem-sucedida, as ações das empresas de tecnologia têm sentido bastante as atuais circunstâncias econômicas, e o próprio Nubank teve uma queda de 10% em seu valor. Como planejam superar isso? Para a gente, é basicamente conviver com mesma volatilidade, o mesmo cenário macroeconômico ruim, que enfrentamos durante toda a nossa existência. Não tem nada novo. Lançamos o Nubank em 2014. Desde então, o PIB do Brasil teve uma contração de cerca de 7%. A empresa viveu duas recessões, um impeachment, a pandemia de Covid-19. O único Brasil que conhecemos é o Brasil na recessão. A gente sonha em algum dia ver o Brasil crescendo 7% ao ano, mas infelizmente só pegamos situação muito complicada. A grande vantagem de uma empresa de tecnologia, como a gente, é que as tendências que aceleram nosso crescimento de longo prazo não se relacionam com esse cenário que se vê no dia a dia. Então, o pouco que você tem de acreditar para investir no banco é: vai ter mais pessoas utilizando smartphones daqui a cinco anos ou não? Vai ter mais pessoas utilizando bancos digitais daqui a cinco anos ou não? Vai ter mais pessoas que vão querer pagar zero de tarifa daqui a cinco anos ou não?

“Nós enfrentamos dificuldades em toda a nossa existência. Lançamos o Nubank em 2014, e só conhecemos o Brasil em recessão. Isso não tem nada de novo para a gente”

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O que esperam de 2022 e como as eleições podem impactar nos negócios? Infelizmente, a gente acha que o ano não será de crescimento forte na economia. E vemos isso como uma tendência global. As taxas de juros estão subindo mundialmente. Mas sempre há muita oportunidade no Brasil. Olha a empresa que a gente conseguiu construir nos últimos oito anos. E veja os setores da economia, especialmente os ligados à tecnologia, que estavam crescendo 100%, 200% ao ano. E vão continuar assim, independentemente do crescimento ou não da economia. É importante continuar pensando no longo prazo, pensando nas oportunidades que uma economia tão grande como a brasileira tem. Muitos desses problemas, como a falta de acesso aos serviços financeiros, à saúde e à educação, são oportunidades para empreendedores criarem novas empresas.

A falta de empenho do governo para fazer as reformas foi decepcionante? Prefiro não comentar. A gente fica 100% do tempo focado no que a gente consegue controlar. Mas há que ser dito que o trabalho do Banco Central tem sido espetacular. É um exemplo global do que um regulador consegue fazer para trazer mais concorrência no mercado e, no fim das contas, ajudar as pessoas no país. É realmente um caso para ser estudado.

A pandemia transformou o modo como o consumidor lida com a tecnologia. Como isso afetou o Nubank? Nossas taxas de crescimento antes da pandemia eram realmente absurdas e, na pandemia, aumentaram. Mas mudou também o tipo de cliente. Antes, cliente acima de 40 anos realmente não olhava o Nubank. Achava que era um produto para millennials, para estudantes. Quando a pandemia chegou e forçou o fechamento das agências bancárias, isso forçou uma mudança de comportamento. Chegamos a ver mais de 1 milhão de clientes acima de 60 anos abrindo conta no Nubank, fazendo cartões de crédito ou pegando empréstimos. E, uma vez que os clientes começam a utilizar o banco digital, eles não voltam atrás.

Como foi a experiência de ter se tornado um multibilionário em menos de uma década? Sendo supersincero, nunca pensei que criaria uma empresa desse tamanho e que teria essa quantidade de dinheiro. Minha esposa e eu não viemos de família rica. A gente veio da classe média e em nossa família não precisamos de tanto dinheiro para viver e não temos uma vida de tanto luxo. Discutimos muito o que fazer com esse dinheiro e decidimos que não queremos deixar para os nossos filhos. Deixar para eles seria o pior que podemos fazer por eles. É preciso um trabalho muito duro para você vencer na vida. E enfrentar esse desafio para mim é uma das grandes satisfações que existem. Isso cria uma autoestima, uma força de caráter impressionante. Se você der um cheque em branco para o seu filho, você tira isso dele. Então, se não vamos usar esse dinheiro, nem deixar para eles, a pergunta foi: o que vamos fazer? A resposta foi muito fácil. Vamos criar mais impacto, atacar mais problemas. E vamos fazer isso de um jeito diferente, com grande inovação na filantropia, como fizemos com o Nubank. A gente ainda está no processo de criação, temos uma equipe pequena, em processo de startup ainda. Mas estamos muito emocionados com o impacto que esse dinheiro pode trazer ao Brasil, à Colômbia e à América Latina por quatro ou cinco décadas.

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Uma entrevista de sua sócia, Cristina Junqueira, sobre a dificuldade de contratar negros foi alvo de uma grande polêmica no passado. Como uma empresa do porte do Nubank pode contribuir no aspecto social e de diversidade? Começamos 2021 com um plano superambicioso de diversidade e inclusão e terminamos o ano com algumas métricas das quais temos bastante orgulho. Por exemplo, 41% dos contratados em 2021 foram negros ou pardos. Já estamos na direção certa. Estamos criando um câmpus em Salvador, um centro de inovação, onde esperamos estar mais perto dos clientes e também recrutar os talentos incríveis que existem lá. Também anunciamos um plano de começar a investir em startups fundadas por negros. No ano passado, no primeiro ano, doamos mais de 1 milhão de reais e também demos mentoria a essas startups. Ainda falta mais trabalho. Também existe a inclusão de mulheres. Hoje, temos no Nubank 40% de mulheres, o que é bastante alto em comparação com o setor financeiro, ou mesmo com o de tecnologia. A pauta de diversidade é uma prioridade para a gente. É um plano bem ambicioso de vários anos.

“Nunca pensei que criaria uma empresa desse tamanho e teria todo esse dinheiro. Eu e minha esposa discutimos muito o que fazer e decidimos que não vamos deixar para nossos filhos”

Entre os movimentos de impacto do Nubank está a escolha da cantora Anitta para o conselho de administração. Como se deu a decisão de convidá-la para esse posto? Um dos nossos valores é que ações falam mais alto do que palavras. Uma coisa é falar de diversidade, outra coisa é ter um conselho diverso. O conselho de administração é o órgão mais importante de uma organização. E me incomodava pessoalmente que os nossos conselhos eram muito homogêneos. Diversidade sempre foi um valor desde o começo do Nubank, em 2013. Eu achava isso meio contraditório. Era muito homem branco, e muitos deles brancos americanos, que nem entendiam quem é o nosso consumidor. Temos membros do conselho que são excelentes investidores de tecnologia, que conseguem agregar muito em termos de estratégia, de tática, mas faltava maior diversidade e conhecimento do nosso cliente. Em 2021, tivemos essa ideia de criar um choque de diversidade no conselho. E a Anitta fazia muito sentido para isso. Primeiramente, por ser completamente diversa desse conselho, uma mulher que nasceu numa favela do Rio de Janeiro, que representa o nosso cliente e traz uma visão que ninguém mais ali poderia trazer. Não foi uma decisão fácil. Houve muitas críticas, e ainda continuam: como assim uma artista pop num conselho de banco? Eu dizia: “Pessoal, se quisermos trazer alguém para falar do balanço contábil, do nosso modelo de crédito, não seria ela a escolhida. Mas é algo que vai além disso”.

E qual foi o resultado prático de tal escolha? Quando levamos a ideia do programa dos clientes-sócios para o nosso conselho, de oferecer de presente um BDR a 16 milhões de clientes, a primeira reação da maior parte dos conselheiros tradicionais era perguntar: “Mas e aí, como assim de presente? Qual é o retorno? O que você vai ganhar? O que o cliente vai lhe dar? Qual o valor presente desse investimento?”. Ou seja, eu diria que nenhum banco tradicional brasileiro teria aprovado esse investimento. Ninguém fez isso na história do Brasil. Mas, quando levamos isso para o conselho, a Anitta logo de cara disse: “Gente, faz todo o sentido do mundo. Vocês não têm ideia de como vai ser importante para os seus clientes, para aumentar a fidelidade, para aumentar essa conexão, para aumentar a inclusão financeira, para explicar a este povo o que significa ser um investidor. É superimportante fazer isso”. Quando existe alguém no conselho falando isso, os outros conselheiros dizem: “Ah, tá bom. Entendi!”. Faltava esse ponto de vista. Era isso que a gente queria trazer com ela, trazer diferentes pontos de vista. Esse é um exemplo perfeito do que a diversidade pode trazer para uma empresa com a base de clientes e o porte do Nubank.

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Publicado em VEJA de 26 de janeiro de 2022, edição nº 2773

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