Diplomacia patina e Brasil se apequena diante da crise venezuelana
Insistência do Palácio do Planalto em defender o governo decadente de Nicolás Maduro é péssima para interesses comerciais e geopolíticos do país
Por Diego Braga Norte e Jean-Philip Struck
13 mar 2014, 14h46
A reunião extraordinária de ministros de Relações Exteriores da Unasul não resultou em nenhuma iniciativa que sirva para acalmar a crise na Venezuela. A declaração conjunta divulgada depois do encontro de chanceleres, na noite de quarta-feira, não traz uma condenação à repressão do governo de Nicolás Maduro contra os manifestantes, apenas um genérico “rechaço enérgico aos recentes atos de violência”, além da manifestação de solidariedade às famílias das vítimas, ao povo e “ao governo democraticamente eleito”. O texto também afirma que qualquer demanda deve ser canalizada “respeitando o Estado de Direito e suas instituições” – sem considerar que, ao longo de uma década e meia, o chavismo emparedou as instituições, fragilizando o Legislativo, aparelhando o Poder Judiciário e sufocando a imprensa.
O texto também “respalda os esforços do governo da República Bolivariana da Venezuela para propiciar um diálogo”, ignorando o fato de que a oposição rejeitou o diálogo proposto por Maduro por considerar o chamado um ‘jogo de cena’. De fato, é difícil pensar em diálogo com um governo que faz de tudo para ser a única voz no país. E, para deixar claro de que lado os chanceleres estão, a declaração ainda expressa a “preocupação ante qualquer ameaça à independência e à soberania” da Venezuela.
A crise venezuelana é danosa para os interesses brasileiros, mas, em vez de condenar a postura de Caracas, o governo Dilma Rousseff demonstra complacência. Pior para os brasileiros. O Brasil é um importante exportador de produtos e serviços para o país vizinho e conta ainda com a presença de grandes empresas nacionais atuando na Venezuela. Só em 2013, o comércio bilateral entre Brasil e Venezuela atingiu 6 bilhões de dólares, com superávit para o Brasil de 3,66 bilhões de dólares. (Continue lendo o texto)
A desastrosa política econômica do vizinho é um dos focos das reclamações dos cidadãos venezuelanos que há um mês vão às ruas contra o governo. Inflação de 56%, déficit fiscal de 11,5%, disparada do dólar e desindustrialização e desabastecimento formam um quadro desolador para a população, que sofre ainda com a criminalidade alta e a falta de liberdades. Nas ruas, os manifestantes enfrentam ainda outros inimigos: os porretes e as balas da Guarda Nacional Bolivariana e das milícias armadas que atuam com o aval da cúpula chavista.
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Na economia, as associações entre o governo petista e o chavismo naufragaram, como no caso da construção da refinaria de Abreu e Lima, em Pernambuco, pela Petrobras e PDVSA. Mas a estatal venezuelana de petróleo jamais honrou sua parte na sociedade, deixando os prejuízos econômicos e diplomáticos para o Brasil. Na diplomacia, ocorre um apagão, que está ligado à postura do Executivo brasileiro, como aponta o sociólogo e geógrafo Demétrio Magnoli. “A posição [do Brasil] é alinhada com a Venezuela. Quando se trata de Venezuela o Itamaraty não é o foco da tomada de decisões. Elas são tomadas no Palácio do Planalto e pelo assessor especial Marco Aurélio Garcia, o chanceler fantasma. É claro que o Itamaraty deveria assumir essa função. Mas no estranho sistema de governo não funciona assim. A função fica com o PT via Marco Aurélio Garcia. O Itamaraty se conforma em reverberar. Os diplomatas não falam”, disse Magnoli ao site de VEJA.
Uma tomada de decisão diplomática estratégica eficiente deveria ser balizada por argumentos objetivos e dados concretos. Mas essa não é a linha adotada pelo Planalto, que preferiu ouvir apenas o lado oficial da crise. Marco Aurélio Garcia foi o representante do governo brasileiro destacado para participar, na semana passada, das cerimônias de um ano da morte de Hugo Chávez. Além de acompanhar os falatórios e as homenagens, Garcia reuniu-se com Maduro para tratar dos protestos e da situação política da Venezuela. Garcia – e o Planalto – descartaram encontros com líderes da oposição. “Tudo o que ele ouviu foi sob o ponto de vista da posição oficial, de que as manifestações são um golpe de Estado”, pondera Magnoli.
O sociólogo ressalta que não se pode comparar de forma alguma a posição brasileira em relação a Maduro com a atuação de líderes da Europa na crise da Ucrânia. O ponto de semelhança, se for buscado, está do lado mais intolerante da queda de braço pela Crimeia, a Rússia: “Não se deve comparar o papel do Brasil com ministros europeus que tentaram intermediar a violenta repressão na Ucrânia, mas com o papel do chanceler russo Sergei Lavrov, que sempre apoiou o presidente ucraniano em suas ações”, diz Magnoli, sinalizando claramente que o Brasil está escolhendo o lado errado da história – para usar a expressão escolhida por Barack Obama ao criticar a postura do Kremlin.
OEA – Antes da reunião inócua da Unasul – órgão que, vale lembrar, foi criado para ser um palanque do mentor de Maduro, o coronel Hugo Chávez, morto em março do ano passado -, a Organização dos Estados Americanos (OEA) havia discutido a crise, mas apenas Estados Unidos, Canadá e Panamá foram contra a moção de solidariedade com a Venezuela. Outros 29 países – entre eles o Brasil – votaram a favor do governo chavista. Apesar do comunicado da OEA ter, ainda que de forma genérica, lamentado as mortes nos protestos e cobrado por mais diálogo, a postura dos países que o endossaram segue conivente com a violência estatal e de grupos paramilitares. “A posição brasileira tem um custo moral, o custo da desmoralização política de apoiar um regime que reprime com violência, que faz prisões políticas sem acusações. Desse jeito, no longo prazo, o Brasil se afasta da possibilidade de exercer influencia numa futura transição política. Se anula diplomaticamente e se rebaixa”, conclui Magnoli.
O silêncio dos vizinhos foi destacado pelo El País, em editorial recente. “A crise venezuelana ratificou a absoluta inoperância da OEA, onde o governo de Caracas garante lealdades a base de petrodólares (cada vez mais escassos) e intimidação (aí está o rompimento de relações com o Panamá e a suspensão do pagamento de suas dívidas)”. Sem citar o Brasil especificamente, o jornal espanhol lembrou ainda outros episódios em que a diplomacia brasileira atuou para condenar o que acontecia no vizinho. “A passividade continental contrasta com as condenações inflamadas provocadas pela destituição dos presidentes de Honduras e do Paraguai. Essa dupla medida não ajuda as democracias regionais a sustentar sua credibilidade internacional”.
Em artigo no mesmo jornal, o escritor mexicano Enrique Krauze classifica a postura do governo brasileiro de “paradigmática e cínica”, baseada em “frios interesses materiais”. O escritor lembra que Dilma Rousseff foi torturada pelos militares quando era estudante e afirma que a única explicação para que agora apoie um governo que reprime os estudantes seria a perspectiva de abertura de oportunidades em Cuba depois da morte dos irmãos Castro – a ilha orienta o herdeiro político de Chávez e recebe ajuda financeira dos cofres venezuelanos.
O papel esperado – Como principal economia da América Latina e aspirante a líder regional e global, o Brasil deveria ter uma postura digna de uma democracia. Além de defender os interesses comerciais do país, o Brasil deveria fazer uma política externa apoiada em sua Constituição, defendendo os direitos humanos, a manutenção da democracia e a liberdade de imprensa. Nesse sentido, o país deveria criticar a Venezuela por prisões ilegais, pelas ações violentas e pelo cerceamento da liberdade de expressão. Uma postura incisiva e correta faria do Brasil um país maior. Mas isso, infelizmente, seria esperar demais do atual governo.
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