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“Já negociamos o suficiente”, diz chefe do Pnuma

No Rio, Achim Steiner defende criação de agência independente para o meio ambiente e afirma que o momento é de implementar o que foi negociado

Por Luís Bulcão, do Rio de Janeiro
16 abr 2012, 18h22

O chefe do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), Achim Steiner, está no olho do furacão. A proposta de elevar o programa ao status de agência independente da ONU, nos moldes do que já ocorre com as organizações mundiais para saúde e comércio, é um dos principais temas em debate na Rio+20, conferência que vai ocorrer entre 20 e 22 de junho. Em passagem de dois dias no Rio a convite da ministra do Meio Ambiente, Izabella Texeira, Steiner recebeu o site de VEJA para uma entrevista exclusiva. O diplomata ressaltou a necessidade de ampliação do Pnuma. Para ele, a posição do Brasil sobre a reforma do programa ainda é ambígua, mas ele acredita que os países chegarão a um consenso. Nascido em Carazinho, no Rio Grande do Sul, onde passou os oito primeiros anos de sua vida, e de nacionalidade alemã, Steiner se descreve como um viajante de coração, um “cigano”. Voltou para a Alemanha e fez faculdade no Reino Unido. Hoje, passa a maior parte do tempo em Nairóbi, no Quênia, onde fica a sede do Pnuma. Steiner acredita que os países falharam ao cumprir os acordos internacionais acertados durante a Rio 92. Se os países não agirem dessa vez, afirma, o preço a se pagar será alto para as próximas gerações.

O que é economia verde:

Os países estão encontrando dificuldade para encontrar uma definição para a economia verde. Parece que cada um quer encontrar uma vertente que contemple seus interesses políticos. Há uma definição da ONU sobre economia verde?

Não propusemos uma definição fechada. Mas sabemos que há uma grande oportunidade de criação de empregos e melhoria da qualidade de vida com a economia verde. Mostramos que se pudermos aumentar a cota de energia renovável em 2050 para 30% da matriz energética mundial, teremos gerado 30% empregos a mais. Este é apenas um exemplo de que é possível criar mais empregos e oportunidade para as 9 bilhões de pessoas que estarão nesse planeta até 2050.

Por que a perspectiva de retorno financeiro não atrai os países para a economia verde?

A maioria dos países já está investindo. A questão, na Rio+20, é se a conferência vai promover um acordo suficientemente interessante para que os países assumam compromissos. Temos visto no caminho que os países não são contrários à economia verde. Mas não estão convencidos se há sobre a mesa no Rio algo interessante o suficiente que os façam ter comprometimentos em nível internacional. Até agora, o que está sobre a mesa é um pouco vago.

Existem as negociações para a criação de indicadores e de metas para o desenvolvimento sustentável a partir da Rio+20. Mas não há convenções a serem assinadas, como ocorreu em 1992.

Nós já negociamos convenções o suficiente. Temos que começar a implementá-las. Esse é o meu objetivo para a Rio+20. Chegamos a centenas de decisões nas maiores convenções sobre o meio ambiente. Centenas! O mundo tem que se dar conta de que é preciso rapidamente mudar as políticas econômicas que estão forçando os agricultores a destruir a terra, que encoraja as pessoas a desperdiçar recursos naturais até o ponto em que eles vão acabar, que força os oceanos e torna escassos os estoques marinhos. Isso é o produto de uma política econômica distorcida e de fracassos do mercado.

Como é possível envolver o setor privado nesses compromissos?

Bom, nós temos compromissos legais internacionais e os países simplesmente não se importam em cumprir. Para ser franco, até o momento nem as Nações Unidas nem qualquer outro órgão tem poder para forçar os acordos que fizemos para o desenvolvimento sustentável. Nós deveríamos ter relatórios mais transparentes das empresas também. Isso é algo que os países deveriam olhar com mais atenção e se comprometer a aplicar às suas bolsas de valores e em suas obrigações nacionais. Deveria haver relatórios integrados das empresas em diferentes países. Essas são medidas que a Rio+20 poderia implementar. A área da Organização Mundial do Comércio é a única que tem conseguido aplicar jurisprudência internacional. O Canadá decidiu abandonar o protocolo de Kyoto e não houve qualquer tipo de consequência para eles.

O Canadá abandonou o Protocolo de Kyoto. Rússia e Japão afirmam que não vão se incomodar em cumprir seus compromissos. Isso significa um fracasso dos esforços de 1992?

Foram os estados que decepcionaram as convenções, não as convenções que decepcionaram os estados membros. Pode soar como um jogo de palavras. Mas os acordos de 1992 estavam corretos. Eram justificados cientificamente, eram possíveis de serem realizados econômica e tecnologicamente. O fracasso recai sobre os estados, que não implementaram o que haviam acordado em fazer. Não acho que seja culpa do instrumento. De certa forma, pode-se afirmar que as convenções não cumpriram suas metas. Mas as convenções, junto com os relatórios do Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática (IPCC), têm sido muito bem sucedidas como ferramentas para atrair a atenção de políticos, líderes do setor privado e de investidores.

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Um dos assuntos em discussão na Rio+20 é a criação de indicadores de desenvolvimento social. Como isso funcionaria?

O critério econômico é extremamente dominante para as políticas públicas da nossa sociedade. Dois fatores são necessários para criar indicadores. Primeiro, você tem que quantificar os serviços ambientais em alguma forma de valor econômico. Algo que possa permitir dizer que ao manter saudável o ecossistema da Amazônia vai gerar um retorno econômico maior para os brasileiros do que o desmatamento. A economia de hoje em dia estimula a desmatar a Amazônia, mesmo sob alguns protestos, e plantar grãos para exportação. A segunda coisa é que precisamos encarar os problemas de distorção na nossa economia. Qual o preço de subsídios de 600 bilhões de dólares ao ano o uso de combustíveis fósseis, contra subsídios de 70 bilhões de dólares para energia renovável? Por que estamos encorajando as pessoas com dez vezes mais força a usar energia que polui? No final das contas, nós temos que ir além do PIB e fazer um indicador que meça o bem-estar da nossa sociedade. O PIB é um indicador muito cru.

Você acredita que esse indicador possa ser acordado na Rio+20?

É perfeitamente alcançável que os países concordem em caminhar nessa direção. Esse já seria um grande passo adiante. Mas não posso prever se vai acontecer.

Qual é o preço de não agir agora?

Estamos perdendo dinheiro. Os países estão enfrentando uma crise econômica não somente por causa dos bancos. Somos uma economia global em excesso, que depende de recursos energéticos extremamente ineficientes. Nesse sentido, estamos perdendo muito capital financeiro e natural. Se olharmos para os próximos 20 ou 30 anos, o custo de não agir agora vai fazer com que a recuperação, em comparação ao nível em que estamos hoje, se torne muito mais cara. Uma vez que você perdeu um ecossistema, não é só você ligá-lo novamente como em um interruptor de luz. Você pode levar anos, décadas, ou talvez nunca recuperar a produtividade daquele sistema natural. O preço da não ação é cada vez mais destruição.

Que avaliação o senhor faz do Pnuma? É a melhor ferramenta para encarar os problemas que enfrentamos hoje?

Se voltarmos a 1972, quando o Pnuma foi criado durante a conferência de Estocolmo, o progresso é um pouco decepcionante. Muitas coisas forma conquistadas. Mas temos que ser francos. Não atingimos um sistema de governança internacional efetivo. Temos muitos instrumentos diferentes. Muitas linhas de crédito separadas. Nossa habilidade para fazer um fórum que englobe 190 países do mundo realmente não acompanhou o crescimento dos desafios impostos pelo ambiente.

Quais são as restrições que o Pnuma enfrenta, por não ser uma agência independente?

As políticas globais sempre relegaram o ambiente para segundo ou terceiro plano. O Pnuma é um programa do secretariado das Nações Unidas. Tem um conselho administrativo compartilhado por 58 países. Ou seja, dois terços dos membros da ONU não participam ativamente. Assim, o conselho não tem soberania para aplicar políticas. No final, tudo tem que ir para a Assembleia Geral, em Nova York. Tem uma cidade no sul da Alemanha chamada Garmishc-Partenkirchen com 35 mil habitantes cujo orçamento é igual a todo o dinheiro disponível para o Pnuma, que é responsável por 190 países. Então o programa também não conta com fundos suficientes. Mas a discussão é mais profunda. O mundo precisa de um sistema de governança ambiental forte? Devemos dar poder a uma agência para representar o nosso poder de agir coletivamente? Se você tem uma organização para o turismo, uma organização para a saúde e uma organização mundial para as telecomunicações, por que, no século 21, com todo o conhecimento que dispomos, não teríamos uma plataforma mais efetiva nas Nações Unidas para o meio ambiente e a sustentabilidade? Esse debate precisa ser enfrentado.

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Alguns países, como o Brasil, resistem a dar poder para o aspecto ambiental do desenvolvimento sustentável, deixando de lado o aspecto social do conceito consolidado há 20 anos.

Não está claro o que o Brasil pensa no momento. Às vezes, o Brasil diz que não é favorável a uma organização ambiental. No outro dia, o Brasil mostra grande apoio para o fortalecimento da governança ambiental. Acho que temos que esperar para ver qual a posição brasileira. Em parte é uma preocupação entre o norte e o sul. Por muito tempo os problemas ambientais foram vistos como algo apenas dos países do norte. Se isso permanecer um obstáculo em 2012, vai ser muito frustrante. O fato é que há muitos interesses comerciais e econômicos que ganham muito com o poder destrutivo do desenvolvimento. Eles continuarão a tentar atrasar um sistema mais transparente de governança global.

Por que os Estados Unidos não apoiam a criação da agência?

Porque nos Estados Unidos há uma herança de ceticismo em relação a normas globais e definição de padrões. O debate político doméstico se polarizou tanto em torno da política pública de mudança climática que fica muito difícil para o governo americano encontrar uma maneira de ratificar um novo tratado. Ainda assim, estou muito satisfeito com os sinais positivos que os Estados Unidos enviaram na direção de fortalecimento do trabalho do Pnuma. A distância pode não ser tão longa quanto parece. Muito vai depender do que o Brasil trouxer para a mesa de negociações.

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