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O Natal de quem perdeu tudo nas chuvas do Rio

Moradores da favela de Acari, na Zona Norte, improvisam para comemorar o fato de estarem vivos e com capacidade para recomeçar - mais uma vez

Por Pâmela Oliveira, do Rio de Janeiro
Atualizado em 10 dez 2018, 09h56 - Publicado em 24 dez 2013, 11h21

Duas semanas após verem suas casas serem tomadas pela água do temporal que fez transbordar o rio que dá nome à favela, os moradores de Acari, Zona Norte do Rio, pensam na lista de Natal. Dentre os presentes que gostariam de ganhar, estão roupas. Não aquelas da última moda, e sim as em bom estado, que de repente não servem mais a um amigo, vizinho ou até desconhecido. É apenas para compensar as que se foram na última enchente. Sapatos, chinelos e sandálias também são bem-vindos – além, claro, de água e mantimentos. “Não vai ser aquele Natal que todo mundo estava esperando, porque perdemos muita coisa. A água entra de repente, e quando vai embora tira tudo da sua casa”, conta Elizabeth Vasconcelos, de 43 anos, mãe de sete filhos.

Era madrugada de 11 de dezembro quando ela e os vizinhos foram acordados pelo barulho da água invadindo as casas. Neste dia, um temporal atingiu todo o Rio de Janeiro deixando ao menos 5 mortos e mais de 10.000 desalojados ou desabrigados na capital e na Baixada Fluminense. A região de Acari foi uma das mais atingidas. A auxiliar de serviços gerais entrou em desespero quando viu a enchente arrastando facilmente tudo o que havia comprado com muito esforço para mobiliar o quarto e sala que herdou da mãe. E a mulher que conta a tragédia de forma resignada, arriscando até fazer piada, admite que, nesse momento, teve com vontade de chorar. “Mas não podia fazer isso na frente dos meus filhos, porque não quero que eles fiquem se lamentando.”

Todos tiveram tempo de sair em segurança, e este é o maior presente que poderiam ganhar de Natal. “O que eu perdi não é o mais importante. O melhor foi ter visto todos bem: meus filhos, meus dois netos e meu gato”, conta Elizabeth. Amiga dela, a dona de casa Rita de Cássia Nogueira de Barros, de 35 anos, também tem de agradecer. Especialmente ao vizinho que a socorreu quando ela tentava salvar os quatro filhos enfrentando a correnteza que já batia na altura do seu peito. “Sem a ajuda dele, a gente não teria sobrevivido.” Nas casas, ainda é possível ver as marcas deixadas pela água. O mofo se espalha nas paredes e no teto, tomadas não funcionam direito e para acender uma lâmpada é preciso girá-la no próprio bocal. Quase todos passam por isso, mas se recusam a reclamar.

Elas lamentam não ter nada para dar de presente às crianças, mas improvisam como podem para garantir a celebração. Elizabeth acha que árvore de Natal não pode faltar. A pequena que tinha na sala ficou destruída com a enchente. Dias depois, passando na rua, viu jogada uma planta de plástico, e tratou de levá-la para casa. Colocou-a em um vaso, conseguiu pedaços de papel brilhante do presente de uma vizinha, bolas coloridas, e chamou as crianças para ajudar a enfeitar. “Não gosto de ficar chorando pelos cantos e ensinei meus filhos a tentar pensar positivo. Estamos todos vivos e unidos e isso é motivo de comemoração.” Rita concorda: “É difícil perder geladeira, cama, fogão, roupa, mas poderia ter sido tão pior que esse Natal não pode passar em branco”.

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https://www.youtube.com/watch?v=ifBk11SuGCA

Doações – A parte material está sendo reposta aos poucos, e graças a muita solidariedade. Na manhã do último domingo, a manicure Claudineia Vasconcelos, de 38 anos, recebeu doações de uma cliente do salão onde trabalha, que mobilizou os amigos nas redes sociais para ajudar. Coube a ela – que não foi afetada pela enchente – dividir cestas básicas, água, roupas e brinquedos entre os vizinhos mais necessitados. “Muitas famílias perderam tudo o que tinham. As casas não são seguras, mas as pessoas continuam morando lá simplesmente porque não têm para onde ir”, diz. Até moradores de favelas próximas estão mobilizados. Na Nova Holanda, no Complexo da Maré, vizinhos arrecadam roupas e alimentos que serão distribuídos em uma igreja próxima a Acari.

Susielen Vasconcelos, de 23 anos, recebeu parte das doações em casa, onde as poucas roupas que resistiram às chuvas estavam em gavetas empilhadas umas sobre as outras, porque o guarda-roupa não aguentou mais uma enxurrada. As crianças menores provavam todos os chinelos entregues na esperança de algum servir. Os mantimentos eram revirados em busca de biscoitos. Ninguém ali desejava um presente maior. A vizinha Maria da Penha Resende Couto, de 82 anos, recebeu água. Uma das moradoras mais antigas de Acari já viu outras enchentes, e ainda se impressiona. “Há muitos anos não inundava assim. Minha geladeira e meu fogão ficaram boiando, mas graças a Deus voltaram a funcionar. Quem cuida da gente aqui somos nós e Deus.”

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