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O juiz pioneiro e o juiz prudente

Enquanto o juiz Fernando Henrique Pinto autorizou 12 casamentos entre pessoas do mesmo sexo, Márcio Bonilha Filho negou 15 pedidos da mesma natureza. A ausência de legislação é a causa dessa discrepância judicial

Por Cida Alves
28 jun 2012, 17h20

Em um ano, o juiz Fernando Henrique Pinto, de Jacareí, no interior de São Paulo, autorizou 12 casamentos entre pessoas do mesmo sexo – entre eles o primeiro do país. Já na capital, onde acontece a maior parada gay do mundo, o juiz Márcio Martins Bonilha Filho negou 15 pedidos da mesma natureza. A posição dos dois magistrados ilustra como a ausência de legislação que regulamente os direitos homoafetivos cria uma discrepância judicial no país. Em entrevista ao site de VEJA, ambos explicam os argumentos que fundamentaram suas decisões e por que ainda há tanta insegurança jurídica sobre o tema.

FERNANDO HENRIQUE PINTO, juiz corregedor do oficial do Registro Civil e da 2ª Vara da Família de Jacareí

O que o senhor levou em consideração ao autorizar o primeiro casamento gay do país? – A decisão do STF reconhecendo a união estável entre pessoas do mesmo sexo foi fundamental. Sem isso, seria muito difícil uma decisão permitindo o casamento, porque a própria Constituição diz que a união estável seria só entre “o homem e a mulher” – uma frase muito forte elaborada pela Assembleia Constituinte de 1988 e que torna difícil para uma instância inferior do Judiciário quebrar essa afirmação. A partir do momento em que o Supremo afastou essa restrição, está também na Constituição que “a lei deverá facilitar a conversão da união estável em casamento”. Ora, se o STF disse que a união estável pode ser entre pessoas do mesmo sexo e a Constituição determina que a lei deve facilitar a conversão da união estável em casamento, concluí que, juridicamente, passa a ser possível no nosso país também o casamento entre pessoas do mesmo sexo.

Com a decisão, aumentaram os pedidos de casamento entre homossexuais? Sobrevieram outros pedidos, mas não foram muitos. Não é porque foi permitido, que as pessoas vão casar a torto e a direto. Trata-se de um compromisso sério e tanto casais homo quanto heteroafetivos devem refletir antes de assumí-lo.

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Um ano depois da decisão, a questão do direito homoafetivo evoluiu? Na época da minha sentença houve muita resistência de juristas e parlamentares com vínculos religiosos, que não admitem o casamento entre homossexuais. Nesse ano, acho que ficou mais claro que ninguém está mandando que as igrejas casem pessoas do mesmo sexo. Nem poderíamos, afinal temos de garantir a liberdade de religião. Acho que eles estão entendendo que a minha decisão e a do Supremo são de caráter estritamente civil. À medida que isso se firmar, acredito que a tendência é que a resistência diminua.

A religião é o principal obstáculo para o direito gay hoje? Sem dúvida, porque somos um país muito religioso e as principais religiões brasileiras – a católica e a evangélica – entendem que é pecado o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Acaba sendo uma dificuldade porque o parlamento reflete o povo, e o povo é religioso.

Há uma imagem de Jesus na sua mesa. O senhor é religioso? Sou muito cristão e não vejo em nenhuma passagem do Evangelho a proibição ao casamento entre pessoas do mesmo sexo. Aliás, existe uma passagem em que Jesus dá a entender que o casamento é uma instituição dos homens, da terra, e que depois da morte não há casamento. Os anjos, os espíritos ou a alma não têm sexo. Se as pessoas acreditam que o Evangelho veio para esclarecer o real significado das mensagens de Deus, elas devem refletir um pouco mais a respeito disso.

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MÁRCIO MARTINS BONILHA FILHO, juiz da 2ª Vara de Registros da Capital

Por que o senhor recusou 15 pedidos de casamento civil entre homossexuais? A minha decisão se baseou na ausência de uma previsão legal para se lavrar o casamento, que é um ato muito solene regrado no Código Civil. Não só eu, como juízes de outras comarcas, interpretamos que haveria necessidade do legislador estabelecer critérios para regularizar esses casamentos.

O senhor quer dizer que falta uma lei clara sobre o assunto? Sim. Hoje não há lei, nem clara, nem escura. O que há são pronunciamentos e interpretações. Por isso defendi a necessidade de haver uma prévia amarração jurídica legal para se estabelecer o formal enlace matrimonial entre homossexuais. Foi uma decisão de prudência. Mas o Conselho Superior da Magistratura já se manifestou sobre a questão, recomendando que os pedidos de casamentos homoafetivos sejam aceitos, não apenas na capital, mas em todo o Estado.

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A decisão obriga que os juízes aceitem os pedidos? É uma decisão de caráter normativo e os juízes devem cumprir. Também não posso ser insensível e impermeável ao ponto de insistir em negar as autorizações. Não tive ainda nenhum caso novo depois da decisão do conselho. O que temos agora são três recursos de decisões negadas em que, fatalmente, serão autorizadas as lavraturas de casamento.

A tendência em São Paulo é que todos os pedidos sejam aceitos a partir de agora? Exatamente. Tenho para mim que a situação será acomodada na esteira do que decidiu o Conselho Superior da Magistratura.

A que o senhor atribui essa discrepância de decisões sobre o casamento, tanto em São Paulo quanto no Brasil, desde o julgamento do STF? As divergências são uma questão de aspecto formal, de legalidade, de reserva de lei. A decisão do STF deixou em aberto essa situação. Ela não enfrentou especificamente a questão do casamento, porque não era esse o objeto. O interessante é que alguns advogados que acompanharam o julgamento do Supremo no ano passado não imaginavam que acabaria redundando nisso, na autorização de casamentos. Mas, na verdade, o que contribuiu para o posicionamento do Conselho da Magistratura foi uma decisão bem fundamentada do STJ reconhecendo o casamento entre pessoas do mesmo sexo.

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