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Morte de irmãs põe em xeque saída temporária de presos

Vizinho das vítimas, homem suspeito de matar adolescentes no interior de São Paulo não voltou à prisão desde que recebeu o benefício, na Páscoa de 2009

Por Adriana Caitano
3 abr 2011, 15h02

Na última semana, o noticiário sobre assassinato de duas adolescentes em Cunha, município paulista a 225 quilômetros da capital, trouxe à tona a dificuldade do estado de administrar o sistema prisional brasileiro. Ananias dos Santos, 27 anos, principal suspeito de ter cometido o crime, já era foragido da polícia há dois anos por não ter voltado à prisão após uma saída temporária que lhe havia sido concedida. Para especialistas ouvidos pelo site de VEJA, houve pelo menos uma falha do governo, que culminou na tragédia: a falta de critérios para liberar os presos, a ausência de fiscalização dos que saem ou a lentidão da polícia para encontrar fugitivos – talvez as três juntas.

Na páscoa de 2009, Ananias dos Santos, preso por roubo, formação de quadrilha, porte ilegal de armas e constrangimento ilegal, recebeu da Justiça o benefício da saída temporária. De acordo com a Lei de Execução Penal, a possibilidade é dada a condenados que cumprem pena em regime semi-aberto, por prazo máximo de sete dias, até seis vezes ao ano: no Natal/Ano Novo, na Páscoa, no Dia das Mães, no Dia dos Pais e no Dia de Finados – em alguns casos, também no Dia das Crianças. Para poder sair, o preso deve ter bom comportamento e autorização de um juiz.

Em 2010, houve 107.848 saídas temporárias de presos no estado de São Paulo. Desses, 6,3%, ou seja, 6.800, não voltaram. Não é possível, porém, saber quantos deles já foram recapturados porque o governo estadual não tem um controle específico desses dados. Para Luiz Flávio Gomes, jurista e cientista criminal, o problema começa aí. “Se o sujeito saiu e não voltou, a polícia deveria priorizar a busca. Ele não é só um suspeito, é condenado, já cometeu crimes e obviamente pode vir a cometer outros. Com o furo da polícia de não recapturar os foragidos, vemos como o estado está funcionando mal”, critica.

O caso – Após sair da prisão, Santos foi morar com os pais na zona rural de Cunha, a 93 quilômetros de Tremembé, onde fica o Presídio Edgar Magalhães Noronha, em que ele estava detido. Era vizinho das vítimas, irmãs que tinham 15 e 16 anos, e cortava a grama da família. De acordo com a polícia, o suspeito teria se apaixonado pela caçula e, possivelmente para não criar problemas com a namorada, suspeita de ser cúmplice do crime, matou as adolescentes. “Ele não ter sido capturado antes dos assassinatos, depois de dois anos foragido, é um dado muito preocupante, ainda mais ao saber que ele estava com os pais na mesma região em que estava preso”, destaca a professora de Direito Penal da Universidade de Brasília (UnB), Beatriz Vargas.

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Santos chegou a ajudar a família a procurar as meninas e pediu ao pai delas que guardasse uma arma. “Os corpos delas foram encontrados na segunda-feira (28), após cinco dias desaparecidas, a sete quilômetros de casa, numa mata fechada em avançado estado de decomposição, ambas com marcas de tiros na cabeça e no peito”, relata a delegada da seccional de Guaratinguetá, Sandra Vergal, que investiga o caso. Quando se tornou o principal suspeito dos assassinatos, Santos fugiu novamente. Nesta última quinta, seu nome foi incluído na lista das 25 pessoas mais procuradas pela polícia de São Paulo. O pedido de prisão temporária foi concedido pela Justiça, mas ele ainda não foi encontrado.

Para os especialistas, a concessão da saída temporária em si não é um problema, pelo contrário. “Ela aproxima o preso de uma vida social, é um princípio humanitário que o possibilita de estar próximo da família nos momentos em que as famílias se reúnem”, comenta Beatriz Vargas. A grande questão é como e a quem esse benefício está sendo concedido e de que forma vigiar os presos que saem.

Segundo Luiz Flávio Gomes, esse benefício existe em todo o mundo, inclusive em países muito desenvolvidos. Na Espanha, por exemplo, o retorno dos presos após os feriados é de 100%. Ele explica que lá acontece o que falta aqui. “Antes de poder sair, o preso passa por acompanhamento de psicólogos e assistentes sociais que auxiliam o juiz na decisão”, destaca. “Já a prisão brasileira é uma jaula anticivilizatória, não tem trabalho, treinamento, educação ou religião e os juízes concedem as saídas à batelada, no automático, sem analisar caso a caso.”

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Para resolver – A solução, segundo Gomes, seria tornar mais rígidos os critérios para o benefício e monitorar com tornozeleiras eletrônicas quem sai, por exemplo. O mecanismo foi autorizado pela lei 12.258, aprovada e sancionada em junho de 2010, para casos de saída temporária, regime aberto e prisão domiciliar. No entanto, pouquíssimos estados já conseguiram colocar o sistema em teste. São Paulo foi um dos primeiros. No feriado de Natal e Ano Novo, 3.944 presos saíram com a tornozeleira e o efeito foi relativamente positivo. Entre os 23.629 que saíram, 7,1% não voltaram. Entre os que estavam monitorados, porém, o índice de fuga foi de 5,7%.

De acordo com a Secretaria de Administração Penitenciária de São Paulo, a implantação do sistema eletrônico – ainda que 64 tornozeleiras tenham sido quebradas pelos fugitivos – teve impacto no controle das saídas. No final do ano passado, assim que o governo anunciou que usaria o mecanismo, centenas de detentos procuraram a administração dos presídios onde cumprem pena para mudar os endereços mentirosos que eles haviam informado para um onde eles realmente seriam encontrados.

Para o juiz auxiliar da presidência do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que atua na área de monitoramento do sistema carcerário, Márcio Fraga, a utilização da tornozeleira não vai evitar que casos como o de Ananias dos Santos aconteçam. “Ele quebrou uma confiança que era depositada nele e essa quebra de confiança é inerente ao próprio sistema”, lamenta. “Mas esse mecanismo, sem dúvida, garante uma fiscalização mais segura.”

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