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Ministérios: por que Dilma deveria enxugar a máquina

Nenhum governo pode funcionar de forma adequada com 39 ministros. Além da economia de recursos, uma redução nesse número serviria como um sinal de que a presidente se preocupa com a eficiência da gestão

Por Gabriel Castro, de Brasília
13 jul 2013, 12h14

Se a presidente Dilma Rousseff decidir realizar reuniões semanais com seus ministros, ouvindo um por semana a partir de 1º de janeiro do ano que vem, a tarefa estará concluída apenas em 24 de setembro. Nunca houve tantos nomes no primeiro escalão do governo brasileiro: 39. Em seu pior momento desde que assumiu o cargo, com popularidade em queda livre, Dilma enfrenta pressões para enxugar a máquina, mas esbarra no dilema de ter de desalojar aliados importantes na sua engenharia para tentar a reeleição.

A visão equivocada de que o governo deve regular cada aspecto da vida dos cidadãos e as alianças fisiológicas, em que os cargos são moeda corrente, são os dois pilares da estrutura paquidérmica do Executivo federal. Há décadas, os dezenove prédios alocados por Lúcio Costa na Esplanada dos Ministérios são insuficientes para abrigar adequadamente o primeiro escalão do governo – muitas pastas funcionam hoje em salas improvisadas. O presidente Fernando Collor tinha doze ministros. Fernando Henrique Cardoso elevou o número para 21. Lula deixou o cargo com 35 ministros. Dilma já criou quatro pastas. A última delas, da Micro e Pequena Empresa, foi inaugurada de forma indisfarçada, somente para acomodar o PSD, partido criado para arrebanhar oposicionistas que queriam mudar de lado.

“Esses 39 ministérios são um sinal evidente de que o governo brasileiro caminha na contramão da história, na direção do patrimonialismo”, diz o professor José Matias-Pereira, do Departamento de Administração da Universidade de Brasília (UnB). “Essa quantidade enorme de ministros provoca um campo de conflito”, afirma.

Os exemplos são muitos. O Brasil possui, ao mesmo tempo, um ministério da Agricultura e um do Desenvolvimento Agrário. Acontece que, para tomar a decisão sobre uma desapropriação de terra, por exemplo, o segundo depende de informações que estão em poder do primeiro. Um proprietário rural que mantenha um tanque de criação de peixes também precisará lidar com o Ministério da Pesca e Aquicultura. E todos os produtores dependem de licenças do Ministério do Meio Ambiente. A ampliação das equipes, em vez de ajudar a fluidez do trabalho, atrapalha porque fragmenta as decisões.

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“Se você pegar esses quatro ministérios e construir um único, estratégico, economizará recursos e ganhará eficiência”, diz José Eustáquio Ribeiro, pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), que estudou o impacto da fragmentação administrativa sobre o agronegócio.

A (des)articulação política

Apesar de ter uma equipe gigantesca, a presidente Dilma Rousseff não consegue resolver o problema da articulação política com o Congresso. Ao assumir o cargo, em 2011, ela nomeou o deputado petista Luiz Sérgio (RJ) para a Secretaria de Relações Institucionais. Desautorizado pela própria Dilma e desrespeitado pelos parlamentares, ele fracassou. No lugar de Luiz Sérgio, assumiu a senadora Ideli Salvatti, também do PT. Com mais autonomia do que o antecessor, ela angariou fama de má negociadora, e nunca encantou os deputados de partidos aliados, o que rende dores de cabeça ao governo.

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Agora, em meio a uma crise com sua base no Legislativo, Dilma recorreu ao ministro da Educação, Aloizio Mercadante, para tentar colocar ordem na casa. O improviso revelada a falta de planejamento do Executivo. E a articulação política continua frouxa: na prática, é o vice-presidente, Michel Temer, quem sempre é chamado para acalmar o Congresso.

A Secretaria de Assuntos Estratégicos, criada por Luiz Inácio Lula da Silva para pensar ações a longo prazo, serve apenas para mostrar como o governo é incapaz de pensar a longo prazo: em seis anos de funcionamento, a pasta teve uma participação nula na formulação de políticas de governo. A presidente Dilma Rousseff não ouve o ministro Marcelo Néri para programar suas ações de governo.

Até 2003, quando Lula criou o Ministério do Turismo para abrigar aliados, a pasta funcionava juntamente com o Ministério do Esporte. Desde então, o avanço no número de turistas no país foi pequeno. Profícua, por sua vez, foi a produção de escândalos: o Turismo, que tem um orçamento de 3,4 bilhões de reais para 2013, foi alvo de sucessivas investigações por causa de desvios em emendas parlamentares. A função primordial do ministério pode ser exercida pela Empresa Brasileira de Turismo (Embratur), cujo orçamento é de 207 milhões de reais.

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Confusão – A falta de clareza nos níveis de hierarquia é outro entrave no funcionamento da máquina. Um mau hábito do governo é a concessão de status de ministro a quem não comanda um ministério. Nessa conta estão, por exemplo, o chefe da Advocacia-Geral da União, Luís Inácio Adams, e da Controladoria-Geral da União, Jorge Hage. O presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, dispõe do mesmo cacife por uma razão nada nobre: em 2004, para permitir que Henrique Meirelles tivesse foro privilegiado e escapasse de um processo judicial, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva nomeou ministro o então presidente do Banco Central. Os sucessores no comando do BC continuam dispondo da prerrogativa. Com isso, cria-se a situação absurda de um ministro (Tombini) hierarquicamente inferior a outro ministro (o da Fazenda, Guido Mantega).

A chegada do PT ao poder também levou à criação de duas secretarias com status de ministério para lidar com as chamadas minorias: uma protege as mulheres; a outra, os negros. Antes disso, Fernando Henrique Cardoso já havia criado a Secretaria de Direitos Humanos. As três pastas funcionariam de forma adequada se fossem integradas ao Ministério da Justiça, que tem poder efetivo para planejar políticas que protejam os direitos dos cidadãos, independentemente da cor ou do sexo.

A Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, na falta de ocupações mais nobres, se notabilizou por iniciativas quixotescas, como a tentativa de retirar do ar um perigosíssimo comercial em que a modelo Gisele Bündchen tratava do “charme da mulher brasileira”. Em outro episódio, a então ministra Iriny Lopes quis interferir no roteiro da novela Fina Estampa para divulgar um serviço governamental de combate à violência doméstica.

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Exterior – A irracionalidade do modelo brasileiro torna-se mais evidente quando os números são comparados com os de outros países. O governo americano funciona com quinze ministérios – até a Segunda Guerra Mundial, eram apenas sete. Portugal tem doze. A Alemanha, quatorze. A Itália, vinte e um. Argentina e Chile também. Londres, Roma e Paris estão entre as cidades que mais recebem turistas no mundo. Ainda assim, Inglaterra, Itália e França não possuem um Ministério do Turismo.

A pesca é um dos pilares da economia japonesa, mas o tema é tratado por um subdepartamento do Ministério de Agricultura Japonês. A Holanda, que tem boa parte de seu território banhada pelo mar, abriga o maior porto da Europa, o de Roterdã. Mas nem por isso o país tem um ministro de Portos, como o Brasil.

A opção por um governo grande, que se desdobra em tentáculos cada vez mais numerosos e cada vez mais difíceis de serem fiscalizados, revela uma visão capenga dos governantes. Um estudo publicado em 2008 na Áustria analisou o tamanho da máquina administrativa em 197 países e concluiu que equipes grandes são sinais de ineficiência de gestão. Pode-se especular sobre qual dos dois fatores é a causa e qual é o efeito. Mas é fato que a relação existe. Os pesquisadores apontaram até mesmo um “coeficiente de eficiência” que identifica como ideal um número em torno de vinte pastas.

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Há mais de uma razão para o corte no número de ministérios. A economia com funcionários comissionados, passagens áreas, combustível, aluguel de imóveis não seria desprezível. “A redução tem de vir acompanhada de um novo modelo de gestão pública. É preciso refundar a administração pública em parâmetros racionais, para produzir serviços de boa qualidade para a população. É isso que as ruas estão pedindo”, diz o professor José Matias-Pereira.

O inchaço da máquina pública no Brasil não é novidade. Mas, nos últimos tempos, com as manifestações que tomaram as ruas do país, o coro pela redução no número de ministérios voltou a ganhar força. A rejeição ao modelo inchado chegou a tal ponto que até o PMDB, que nunca foi inimigo do fisiologismo, resolveu pedir a redução do número de ministérios. O líder do partido na Câmara, Eduardo Cunha (RJ), apresentou uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que limita a vinte o número de pastas a vinte.

O site de VEJA elaborou uma lista de quinze ministérios que poderiam ser cortados imediatamente. Segundo levantamento feito pela ONG Contas Abertas, o orçamento dessas pastas para 2013 soma 72 bilhões de reais. O corte significaria economia de recursos e do tempo da presidente Dilma Rousseff – além de espaço: as duas primeiras reuniões ministeriais do mandato foram feitas no Palácio do Planalto. A terceira, já depois da criação do 39º ministério (o da Micro e Pequena Empresa), teve de ser feita na Granja do Torto, a residência de campo da presidente. Razão: a mesa da principal sala de reuniões do palácio suporta apenas 38 pessoas além da presidente.

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